Confiar e abandonar-se nas mãos Deus
Fahima Akram Salah Spielmann
Conforme nos ensina o Catecismo “Deus criou o universo livremente, com sabedoria e amor. O mundo não é o produto duma necessidade, dum destino cego ou do acaso” (Catecismo, 54). Assim, “tudo o que Deus criou Ele o governa e cuida pela sua Providência”, afirma o Concílio Vaticano I. Mas, em que consiste a Providência Divina?
A criação não saiu totalmente acabada das mãos de Deus. Foi criada in statu viae, ou seja, em estado de caminhada para uma perfeição maior a ser atingida. A disposição pela qual Deus conduz a sua criação em ordem a essa perfeição chama-se Providência Divina (cf. Catecismo, 302).
Embora a Providência dirija todas as criaturas para o fim que lhe convém pelos meios adotados a esse fim, Ela se ocupa mais especialmente da criatura humana, a quem redimiu pelo Preciosissímo Sangue de seu Filho. “Entregai todas as vossas solicitudes ao Senhor, pois ele cuida de vós” (1P 5,7).
Nosso Senhor Jesus Cristo pede-nos um abandono filial à Providência do Pai Celeste, que cuida das menores necessidades dos seus filhos: “Não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? Que havemos de beber? […] Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt 6, 31-33).
E por mais que o homem se levante contra essas mãos que o tiraram do nada, a Providência Divina nunca o abandona, como vemos de modo paradigmático no Livro da Sabedoria (Sb 14,1-6), a exemplo de um homem que quer navegar movido pela cobiça e se lança ao mar em um navio feito de madeira de péssima qualidade, e só não perece porque a Providência abre caminho no mar e conduz o timão. Assim Ela faz conosco, dirigindo-nos com fortaleza e suavidade, porque respeita a natureza e as inclinações de cada um dos seres, sem os violentar, operando no fundo da sua substância como se agissem sozinhos.
Contudo, muitas vezes o Divino Governo se manifesta por caminhos inescrutáveis, sobretudo em certas sendas, que talvez por seu esplendor, são obscuras aos nossos olhos. Deus pode na sua onipotente Providência tirar um bem das consequências dum mal (mesmo moral), causado pelas criaturas. É a história de José que foi vendido como escravo pelos irmãos: “Não, não fostes vós — disse José a seus irmãos — que me fizestes vir para aqui. Foi Deus. […] Premeditastes contra mim o mal: o desígnio de Deus aproveitou-o para o bem […] e um povo numeroso foi salvo” (Gn, 45, 8; 50, 20).
Apesar de crermos firmemente que Deus é o Senhor do mundo e da história, muitas vezes, porém, os caminhos da sua Providência são-nos desconhecidos. Só no fim, quando acabar o nosso conhecimento parcial e virmos Deus “face a face” (1 Cor 13, 12), é que nos serão plenamente conhecidos os caminhos pelos quais, mesmo através do mal e do pecado, Deus terá conduzido a criação ao seu fim último. Portanto, cabe ao homem diante das circunstâncias adversas confiar e abandonar-se nas mãos Deus, exercitando algumas virtudes: a penitência, a humildade, adquirida depois da queda; o reconhecimento que se faz mais intenso e mais vivo porque o perdão foi imenso, etc. Lê-se no Livro dos Salmos: “Pois não ouvirá quem fez o ouvido? O que formou o olho não verá? Aquele que dá lições aos povos não há de punir, ele que ensina ao homem o saber… O Senhor conhece os pensamentos dos homens” (Sl 93, 9-11).
Sendo Deus o Senhor soberano dos seus planos serve-Se, para a realização dos mesmos, do concurso das criaturas. Isto não é um sinal de fraqueza, mas da grandeza e bondade de Deus onipotente. É que Ele não só permite às suas criaturas que existam, mas confere-lhes a dignidade de agirem por si mesmas, de serem causa e princípio umas das outras e de cooperarem, assim, na realização do seu desígnio.
Podemos citar o grande Apóstolo dos Gentios, São Paulo: de perseguidor dos cristãos a pregador de Cristo. De tal maneira, ele se deixou levar pela Providência Divina para realizar os desígnios de Deus que dizia: “Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte” (2 Cor 12,10), ou seja, ele possuía a clara noção de que o governo divino ordena tudo para um bem superior. “O sumo abandono nas mãos de Deus é sentir-se miserável, sentir-se quebrado, sentir-se arrasado e nessa hora dizer: ‘ Ah! Afinal, agora eu posso dizer que sou mais forte do que nunca!” 1
Saibamos compreender que as criaturas nada podem sem o seu Criador e muito menos atingir o seu fim último, sem a ajuda da Divina Providência.
1 CLÁ DIAS, João. Homilia da XI Semana do Tempo Comum. São Paulo: Mairiporã, 23 Jun. 2007. (Arquivo IFTE).