Amor: Fruto da Caridade
Mariana Iecker Xavier Quimas de Oliveira
Segundo Pe. Royo Marín, O.P.2, para que um objeto seja a causa de alegria e felicidade perfeita para o homem, ele deve resumir em si quatro condições essenciais: ser o bem supremo que não compita com outro maior; excluir toda e qualquer mescla de mal; saciar por completo todas as aspirações do coração humano; e, por último, ser estável, ou seja, que uma vez obtido não possa ser perdido. Segundo este moralista, tais requisitos não são cumpridos por nenhum dos seres criados, sejam eles dinheiro, fama, glória, beleza, etc.; essa tese é confirmada taxativamente pela Santa Mãe Igreja (CCE 1723): “a verdadeira alegria não está nas riquezas ou no bem-estar, nem na glória humana ou no poder, nem em qualquer obra humana por mais útil que seja, como as ciências, a técnica e as artes, nem em outra criatura qualquer, mas apenas em Deus, fonte de todo o bem e de todo amor“.
O Pe. Royo Marín dá as razões: as riquezas, por exemplo, além de fomentarem progressivamente o desejo de mais fortunas, não excluem certos infortúnios como enfermidades e mortes, e podem ser perdidas por qualquer eventualidade. Similarmente, as honras, a fama e o poder são instáveis, pois cessam após a morte. Quem, por exemplo, se lembra hoje das personalidades que encheram os jornais de há um século? Ademais, saúde, beleza, força, enfim, dentre todos os bens corpóreos, nenhum deles são bens supremos, pois o corpo é a parte inferior do homem, além do que também findam com a morte. Neste sentido, Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias dá um interessante depoimento:
Eu conheci pessoas riquíssimas em minha vida. Viajando de lá para acolá, conheci reis de petróleo, conheci magnatas de grandes fortunas: deprimidos, cheios de tiques nervosos, […] porque a qualquer momento podia ser que acontecesse isto, acontecesse aquilo, que perdesse isso, perdesse aquilo. Eles não se davam conta que iriam perder tudo na hora da morte, porque […] passariam para a eternidade sem levar nada.3
Tampouco a ciência preenche as condições necessárias para ser a razão da alegria humana, pois esta pode ser perdida pelas doenças mentais, além de não saciar o homem, a ponto de o próprio Sócrates afirmar: “Só sei que nada sei”.
Por fim, o Pe. Royo Marín ousa dizer que nem sequer na virtude – no sentido estrito da palavra – pode consistir o gozo perfeito, posto que não pode ser completa nesta Terra, nem é estável já que pode-se perdê-la pelo ímpeto das paixões.
Definitivamente: o único que pode nos fazer felizes é Deus. É como aconselha Tomás Kempis em sua obra “Imitação de Cristo”: “Tende por vã toda consolação que venha da criatura. A alma que ama a Deus despreza tudo abaixo de Deus. Só Deus, eterno e imenso, preenche tudo, Consolação da alma e verdadeira Alegria do coração4”.
E realça L. Desiato que “não adianta procurá-la [a felicidade] dando uma volta pelo mundo, ela está dentro de nós, no sorriso de uma Presença”5 ; e é, também, o que reconhece o Bispo de Hipona: “quando busco a Vós, Deus, busco a vida bem-aventurada6” .
Quando nós colocamos um amor meramente humano, quando nós colocamos a esperança meramente humana, quando nos aferramos a qualquer coisa puramente natural, aí vem a decepção. Por quê? Porque quando nós entregamos o nosso coração, nós estamos à procura de um infinito, de um Ser absoluto, de Deus. E muitas vezes nós, por equívoco, acabamos colocando nossa esperança em algo que não é Deus, e isso não nos traz o saciar deste anseio que eu levo dentro da minha alma, que é o anseio de Deus. O único ser que apaga este fogo, este anseio de felicidade que é de felicidade infinita – eu quero esta felicidade infinita porque eu fui criado para ela –, o único ser [que a sacia] é Deus, é Nosso Senhor Jesus Cristo, é a Religião, é ter a graça de Deus.7
Para vermos como a alegria verdadeira só se encontra no âmbito sobrenatural, tomemos a figura de Napoleão Bonaparte.
[Ele foi] um homem que fez uma carreira brilhante, galgou imediatamente, em pouco tempo, o posto de imperador da Europa. Era cultuado por todos, aplaudido por todos… […] ele teve uma vida de triunfos magníficos. Pois bem, Napoleão Bonaparte quando perguntaram a ele qual foi o dia mais alegre, mais feliz da vida dele, ele disse que foi o dia da Primeira Comunhão.8
“O que permanece no amor, permanece em Deus e Deus nele” (I Jo 4, 16)
Contudo, a alegria é produzida pela obtenção de um bem presente, pois, de outro modo, seria apenas um desejo; e o Catecismo da Igreja Católica (CCE1718) afirma que este, por assim dizer “instinto natural”, Deus o pôs na alma humana a fim de atrair-nos a Ele. Mas, sendo Deus infinito, como poderia o homem obter a Deus? Esta resposta, a dá, de forma magistral, o Doutor Angélico:
[A caridade] produz no homem a perfeita alegria. Com efeito, ninguém tem verdadeiro gáudio se não vive na caridade. Porque qualquer um que deseje algo, não goza nem se alegra nem descansa enquanto não o obtém. E nas coisas temporais ocorre que se apetece o que não se tem, e o que se possui se despreza e produz tédio; mas não é assim nas coisas espirituais. Pelo contrário, quem ama a Deus o possui, e por isso o ânimo de quem O ama e O deseja n’Ele descansa.9
Portanto, só a caridade nos dá a possibilidade de possuir a Deus, pois como afirma São João: “Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele” (I Jo 4, 16). A caridade dilata o nosso coração para que, já nesta Terra, possamos abarcar um pouco mais do que nossa capacidade humana conseguiria, a infinitude do Criador.
Acrescenta ainda Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias:
O modo de participarmos de Nosso Senhor Jesus Cristo e permanecermos n’Ele e na alegria d’Ele, é […] estar participando daquilo que Ele é. O que Ele é? Ele é a Alegria. Ouçam como soa mal: “Deus é a depressão. Deus é o desânimo. Deus é a tristeza”. Alguém dirá: “Você é um louco. Fora daí!” Porque se há algo que eu não posso dizer é isso. Mas eu posso dizer: “Deus é a Alegria!” E Ele, portanto, quer transferir a nós essa alegria. Como recebemos essa alegria? É permanecendo no amor d’Ele, é permanecendo n’Ele, é obedecendo as leis morais que Ele pôs.10
Ora, Deus é amor e é alegria; logo, para se ter alegria é preciso ter amor a Ele.
2 ROYO MARÍN, Antonio. Teología Moral para seglares. Madrid: BAC, 1961, v. I, p. 26.
3 CLÁ DIAS, Joã o Scognamiglio. Homilia do III domingo do Advento. Caieiras, 13 dez. 2009. (Arquivo IFTE).
4 KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. L. II, c. 5: “Totum vanum existima, quidquid consolationis occurrit de aliqua creatura. Amans Deum anima, sub Deo despicit universa. Solus Deus æternus et immensus, implens omnia, solatium animæ et vera cordis lætitia” (Tradução da autora).
5 DESIATO, L. Storia dell’eremo. Turim: [s. n.], 1990, p. 72: “Non serve cercala in giro per il mondo, essa è dentro di noi, nel sorriso di una Presenza” (Tradução da autora). Esta afirmação é fundamentada por Leão XIII: Deus se encontra presente em todas as coisas e está nelas: por potência, enquanto estão sujeitas ao seu poder; por presença, enquanto todas estão descobertas e patentes aos seus olhos; por essência, porque se encontra em todas como causa de seu ser (S. Th. I, q. 8, a. 3). Mas na criatura racional, Deus se encontra de outra maneira; ou seja, enquanto é conhecido e amado, uma vez que é próprio da natureza amar o bem, desejá-lo e buscá-lo. Finalmente, Deus, por meio da sua graça, está na alma do justo de uma forma mais íntima e inefável, como em seu templo; e disso se segue aquele amor mútuo pelo qual a alma está intimamente presente em Deus, e está nele mais do que pode suceder entre os amigos mais queridos, goza dele com a mais regalada doçura. LEÃO XIII, Encícica Divinum illud manus, n. 10: “Dios se halla presente a todas las cosas y que está en ellas: por potencia, en cuanto se hallan sujetas a su potestad; por presencia, en cuanto todas están abiertas y patentes a sus ojos; por esencia, porque en todas se halla como causa de su ser (S. Th. I, q.8, a.3.). Mas en la criatura racional se encuentra Dios ya de otra manera; esto es, en cuanto es conocido y amado, ya que según naturaleza es amar el bien, desearlo y buscarlo. Finalmente, Dios, por medio de su gracia, está en el alma del justo en forma más íntima e inefable, como en su templo; y de ello se sigue aquel mutuo amor por el que el alma está íntimamente presente a Dios, y está en él más de lo que pueda suceder entre los amigos más queridos, y goza de él con la más regalada dulzura” (Tradução da autora).
6 SANTO AGOSTINHO. Confessionum L.X, c. 20, n. 26: ML 32, 791: “Cum enim te Deum quæro, vitam beatam quæro” (Tradução da autora).
7 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Homilia do III domingo do Advento. Caieiras, 14 dez. 2008. (Arquivo IFTE).
Id. Homilia do III domingo do Advento. Caieiras, 13 dez. 2009. (Arquivo IFTE).
8 ANDRIA, Pedro de. Los mandamientos comentados por Santo Tomas de Aquino. 2. ed. Mexico: Tradición, 1981, p. 12: “[La caridad] produce en el hombre la perfecta alegría. En efecto, nadie posee en verdad el gozo si no vive en la caridad. Porque cualquiera que desea algo, no goza ni se alegra ni descansa mientras no lo obtenga. Y en las cosas temporales ocurre que se apetece lo que no se tiene, y lo que se posee se desprecia y produce tedio; pero no es así en las cosas espirituales. Por el contrario, quien ama a Dios lo posee, y por lo mismo el ánimo de quien lo ama y lo desea en El descansa” (Tradução da autora).
9 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Homilia da quinta-feira da IV semana do Tempo Pascal. Caieiras, 6 maio 2010. (Arquivo IFTE).
Bela reflexão!