Enviai, ó Senhor, vosso Espírito

Maria Cecília Lins Brandão Veas

Panfletos e noticiários que transmitem últimos acontecimentos os há em abundância. Mas, onde encontrarmos subsídios que nos comuniquem o fim último e a realização suprema da existência dos homens? Assim sendo, pareceu-nos oportuno tecermos, neste artigo, esta realidade oculta, mas sublime, que encerra em si a grandeza dos arcanos de Deus: a conquista do Reino dos Céus, iniciado na Terra com a inabitação da Santíssima Trindade na alma.

Tendo a serpente entrado no Paraíso, penetrou com ela o veneno de morte fatal, que Adão e Eva sorveram como a mais ordinária bebida. Insidioso, o demônio saíra vencedor, não na totalidade, mas em larga medida. E eis que as gerações procedentes, manchadas pela culpa original, lutariam desfalecidas por esta terra de exílio, à espera do Salvador. Durante séculos, a História conheceu um de seus mais lânguidos, desolados e pungentes períodos, nos quais eram constantes as penitências, jejuns e preces que, na economia da graça, se erguiam aos Céus.

No momento determinado, entretanto, a Salvação se dignou vir das alturas. O Filho Unigênito de Deus, encarna-se triunfando vitorioso sobre o príncipe da morte, sublimando a obra de suas mãos. As portas do Céu reabrem-se, e é iniciado o Reino da graça e da benção, para o qual Deus chama a cada alma, renovando o convite feito a Adão: “Meu filho, eu te dei a condição de homem, não queres ser mais? Não queres ser um príncipe na minha criação? Eu te concedo uma participação criada na minha própria vida. Eu habitarei em ti, e tu serás templo no qual Eu viverei. Far-te-ei meu herdeiro”. 1 E no momento em que as águas batismais recaíram sobre nossas cabeças, ingressamos no imenso cortejo de almas ousadas que galgam à Pátria Celeste.

Mas, as consequências do pecado original vociferam em nosso interior: concupiscências, desejos desenfreados, intemperanças, frequentemente tomam-nos por inteiro levando-nos a empregar os esforços, onde lucro algum lograremos obter: o pecado. Por isso, pensaria alguém: “Ser herdeiros do reino Céus? Haverá o que sobrepuje mais profundamente a capacidade humana?” A resposta o Salvador a deu, quando exortou aos seus discípulos: “O que é impossível aos homens é possível a Deus”. (Le 18, 27)

É indubitável o fato de a vida ser dura e repleta de dificuldades. Porém, ai dos que agravam o exílio nesta Terra, fechando as janelas de sua alma que dão para o Céu! O que, pois, deveria estar ao alcance de nossa consideração, senão o imenso amor que Deus manifesta constantemente aos homens? As Três Pessoas Divinas incorrem infalivelmente ao nosso encalço: o Pai adota-nos como filhos, no Batismo; o Filho torna nosso irmão e redime-nos; o Espírito Santo santifica-nos. “É esta a grande obra de amor de Deus ao homem, e é o Espírito Santo o Amor essencial no seio da Trindade Santíssima”. 2

A Graça Santificante infundida em nossas almas no momento do Batismo, misteriosamente eleva-nos à natureza divina, tomando-nos dela partícipes. Ora, “esta realidade criada, que é a Graça Santificante, leva sempre consigo, inseparavelmente, outra realidade absolutamente divina e menada, que não é outra coisa senão o mesmo Deus, uno e trino, que vem inabitar no fundo de nossas almas3. De fato, “aos que chamou, também os justificou”, (Rm 8, 28) unindo-Se intimamente, como Pai e como Amigo.

O que é um bom filho senão a glória do Pai, e o que é um verdadeiro amigo senão aquele que devota fidelidade? Se a meta suprema da inabitação Trinitária é fazer-nos participantes do mistério da vida divina, transformando-nos em Deus 4, por que vivemos indiferentes à essas realidades?

Cada alma constitui uma província de eleição no Reino de Deus. E a fim de levarmos a cabo essa missão, o próprio Espírito Santo auxilia-nos constantemente com o bafejo de seus dons. Neste sentido, canta a Igreja no Veni Sancte Spiritus: Doce Hóspede da Alma. “Quando o Espírito vem e possui totalmente a alma com seus conselhos, instruções e impulsos de amor, nos comunica por meio de nossos pensamentos a voz do Senhor, ilumina nossa inteligência, inflama a vontade”. 5 Eis, pois, a chave de ouro da santidade!

Nada é mais bonito na Terra do que ver diretamente nas almas a santificação delas operada pelo Espírito Santo”. 6 Com as chamas do intenso amor, o Paráclito inculca quais as veredas que a alma deve trilhar para alcançar o píncaro da santidade. Muitos são os carismas, e inúmeras as vocações. Porém, se há algo que não se extingue, indiferente do chamado, é a luta contínua para efetivar a santificação. E tomando o leme de nossas almas, o Espírito Santo como que sopra no interior de nossas almas dizendo: “Você não está lutando por si, você está lutando por Mim, e lutando por Mim, o patrão de sua luta sou Eu” 7.

Assim consignou Nosso Senhor a Santa Catarina de Siena: “O Espírito Santo é o patrão das naves fundadas à luz da santíssima fé, conhecendo por ela, que o mesmo Espirito Santo, será quem as governe”. 8 Como um navegante que se subjuga às ordens do capitão, abandonemo-nos ao sopro do Espírito Santo, para bem chegarmos ao cais da eternidade. Somente assim estaremos devidamente preparados para o grande dia de nosso encontro com Deus.

Não nos esqueçamos, porém, que qualquer falta grave expulsa implacavelmente o Guia de nossas almas. “Não sabeis que sois templos de Deus, e que o Espirito de Deus habita em vós?.” (1Cor 4, 17) Esmeremo-nos, pois, ardentemente em manter em nosso templo o Divino Espírito. Invoquemo-Lo, sobretudo quando as rajadas do infortúnio afligirem nossas almas, para que perscrute o nosso coração derramando a abundância de seus dons, de maneira a transformar-nos por completo.

Dessa necessidade vem a prece que há séculos reza a Santa Igreja: Emitte Sputum tuum, et renovabis faciem terrae.

“Ou seja, antes de tudo, a face dessa nossa “terra” interior, da nossa própria alma, pode ser renovada de um instante para outro, por uma graça do Espírito Santo. Igualmente por uma particular intervenção d’Ele, há de ser regenerada a face do mundo, através do apostolado de autênticos católicos, inspirados pela Sabedoria divina, cheios de força e valor para enfrentar os inimigos da fé, assim como para atrair e fazer o bem a todos que devam pertencer à Santa Igreja”. 9

1 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Harmonia: Uma criatura de Deus. In: Dr. Plinio. São Paulo: Ano XII, n. 137, ago. 2009, p. 20.
2 ROYO MARÍN, Antônio. El gran desconocido. Madrid: BAC, 2004, p. 71.
3 Ibid. p. 70.
4 Ibid. p. 76.
5 SAO BERNARDO. Obras Completas, y. IV. BAC: Madrid, 2006, serm. 2, 6.
6 CORREADE OLIVEIRA, Plinio. Nossa Senhora do Rosário, uma festa de glória! In: Dr. Plinio. São Paulo: Ano XV, n. I75, out. 2012, p. 18-19.
7 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Memórias: Palestra. São Paulo, 17 set. 1989. (Arquivo IFTE)
8 SANTA CATALINA DE SIENA. Obras de Catalina de Siena. 3. ed. Madrid: BAC, 2002. p. 406.
9 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Emite Spiritum tuum et creabuntur. In: Dr. Plinio. São Paulo: Ano XII, n.134, maio. 2009, p. 4.

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