Toma e lê
Thaynara Ramos Siedlarczyk
Entre essas almas encontramos o grande Santo Agostinho.
Chamava-se Aurélio Agostinho e viveu maior parte de sua vida em Tagaste, no norte da África. Herdou de sua mãe toda ternura e inclinação para a contemplação, mas, infelizmente, não deixou de possuir o temperamento forte de seu pai Patrício, entregando-se a uma vida pecaminosa.
Ainda jovem, ambicionando uma grande carreira, dirigiu-se a Cartago para estudar em famosas academias. Aos vinte anos interessou-se pelo maniqueísmo e adotou essa forma de pensamento para justificar sua vida moral cômoda e relativista. Nesse período, teve um filho chamado Adeodato.
Frustrado pelas desilusões, e apesar de estar “envolvido na escuridão da carne”2, Agostinho sentiu-se impelido pela busca da verdade. E para atender essa aspiração, abandonou o maniqueísmo e aderiu ao neoplatonismo que, longe de possuir o que ele tanto buscava, consistia numa nova interpretação da doutrina de Platão, sob um prisma religioso.
Entretanto, sua virtuosa mãe, Santa Mônica, rezava e pedia a Deus pela conversão de seu filho. Tal era a sua preocupação pela salvação eterna dele, que aflita procurou um bispo, a fim de que este intercedesse pela conversão de Agostinho. Após inúmeras insistências, o bispo lhe diz: “Vá tranquila, pois é impossível que pereça um filho tão chorado”.
Ao inteirar-se da intenção de Agostinho de viajar para Roma, Santa Mônica correu ao porto a fim de acompanhá-lo. Porém, seu filho a enganou e partiu escondido naquela mesma noite.
Contudo, a Providência não o abandonou e, em Milão, ele conheceu o bispo Ambrósio. Devido à sua retórica, Agostinho passou a ir às missas celebradas por ele a fim de ouvir suas pregações que tanto o deliciavam. Sua admiração pelo prelado era tal, que Agostinho permanecia horas no seu gabinete, observando-o a preparar seus sermões. Assim, aos poucos, o exemplo e os ensinamentos de Santo Ambrósio foram penetrando em sua alma, transformando-o.
Enquanto isso, Santa Mônica não cessava de rezar e chorar pela alma de seu filho, pedindo a Deus pela sua conversão e foi reconfortada por um sonho:
Viu-se num bosque, chorando pela perda espiritual de seu filho, quando se aproximou dela um personagem luminoso e resplandescente, que lhe disse: “ Teu filho voltará para ti”.Este sonho,reforçando em seu espírito as confortadoras palavras do bispo, deu-lhe grande ânimo na luta sem tréguas pela conversão do filho”.
Desejosa de encontrar seu filho, partiu para Roma. Quando lá chegou, soube que Agostinho abandonara a filosofia dos maniqueus. Confiante, Santa Mônica pressentiu que sua total conversão estava próxima.
Entretanto, “ o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 14,38). Agostinho não tinha forças suficientes para abandonar os vícios aos quais se entregara e não cessava de exclamar: “E tu Senhor, até quando? Até quando continuarás irritado? Não te lembres de nossas culpas passadas! Por quanto tempo, por quanto tempo direi ainda: amanhã, amanhã? Por que não agora? Por que não pôr fim agora à minha indignidade?3”
Assim, ainda indeciso sobre qual rumo tomar em sua vida, se deveria ou não se entregar totalmente à fé cristã, a Providência interveio, enviando-lhe as graças necessárias para dar os passos em vista a sua completa conversão. Estando no jardim de sua casa, de repente, ouviu cânticos de criança que diziam: “toma e lê, toma e lê”. Julgando ser um sinal divino, pegou o livro das Epístolas de São Paulo e abriu-o e leu: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne” (Rm 13, 13). Não foi necessário continuar a ler… Neste momento sentiu uma luz penetrar em todas as trevas e dúvidas do seu coração.
Convertido e exultante, foi anunciar à sua mãe o fato ocorrido, deixando-a radiante de alegria como menciona em seu livro “Confissões” (VIII-12):
“Ela rejubila. Contamos-lhe como o caso se passou. Exulta e triunfa, bendizendo-Vos, senhor, ‘ que sois poderoso para fazer todas as coisas mais superabundantemente do que pedimos ou entendemos’. Bendizia-Vos porque via que, em mim, lhe tínheis concedido muito mais do que ela costumava pedir, com tristes e lastimosos gemidos”.
Agostinho fez um retiro e foi batizado por Santo Ambrósio. Em um arroubo de fervor, “segundo a tradição, terminada a cerimônia do Batismo, Santo Ambrósio exclamou: ‘Te Deum laudamus!’ e Santo Agostinho acrescentou: ‘Te Dominum confitemur!’; e assim, alternando suas frases um e outro, entre os dois improvisaram naquela ocasião os conceitos e palavras que compõem o cântico litúrgico do ‘Te Deum’”4.
Logo após ser batizado, Agostinho decidiu voltar a Tagaste com sua mãe. Ao chegar em Óstia, devido ao mau tempo, não puderam embarcar logo. Neste dia, entraram em êxtase durante um colóquio sobrenatural e, no fim deste, Mônica revelou a Agostinho que não mais possuía desejo de viver.
“Meu filho, nada mais me atrai nesta vida; não sei o que estou fazendo ainda aqui, nem porque ainda estou aqui. Já se acabou toda esperança terrena. Por um só motivo desejava prolongar minha vida nesta terra: ver-te católico antes de eu morrer“5.
Poucos dias após esse episódio, Santa Mônica adoeceu gravemente e faleceu antes de regressar a Tagaste.
Santo Agostinho, determinado a levar uma vida cristã, voltou à sua terra natal onde fez penitência e pôs-se a escrever livros e transmitir seus conhecimentos a outros. Sua reputação espalhou-se rapidamente e, em pouco tempo, fizeram-lhe bispo de Hipona.
Um pouco antes de sua morte, pediu que escrevessem na parede de sua cela, em tamanho grande, os sete salmos penitenciais, os quais recitava todos os dias em seu leito com muita lucidez. Entrou para a morada celeste aos 77 anos.
Assim, deu-se a conversão de uma alma que, após uma vida devassa, atingiu a mais excelsa virtude, entregando-se com tal radicalidade às vias da perfeição, que se tornou uma das maiores riquezas da Igreja com seus escritos e ensinamentos.
1 SANTA TERESINHA, História de uma alma. 20.ed. São Paulo Paulus,1979. p.26
2 SGARVOSSA,Mário; GIOVANNINI, Luigi. Um santo para cada dia. 4.ed.Roma Paulus, 1978. p. 272-273
3 SANTO AGOSTINHO, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.213
4 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Santo Agostinho, farol de sabedoria e de amor a Deus. In: Dr Plinio, São Paulo: Retornarei, n. 89, ago. 2005. p. 26.
5 SANTO AGOSTINHO, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.239.
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