O Espírito da Alegria
Mariana Iecker Xavier Quimas de Oliveira
Os frutos do Espírito Santo se distinguem das virtudes do mesmo modo que uma potência difere do ato. Por esta razão são chamados “frutos”, pois o fruto é aquilo que a planta produz ao atingir o auge de seu desenvolvimento e que traz em si certa suavidade e deleite.
A princípio, os atos das virtudes muitas vezes são difíceis e exigem esforço, assim como o fruto que ainda não está maduro e que deixa os dentes embotados. No entanto, quando já se está adestrado na prática da virtude, repete-se com facilidade e prontidão estes atos; estes são os frutos. Em consequência disso, nem todos os atos de virtude são merecedores do nome “fruto”, somente aqueles que são acompanhados de certo deleite espiritual.
“Trata-se, contudo, de um gozo espiritual, que pode dar-se ainda em atos virtuosos que, como a paciência e a longanimidade, se exercem em situações aflitivas. É uma satisfação para o espírito não se sentir perturbado e conservar a paz e tranquilidade da alma em meio às penalidades”. 2
Uma vez que os frutos do Espírito Santo advêm da prática assídua da virtude, é correto afirmar que a alegria é um fruto do Espírito Santo, no sentido que procede da virtude. É importante esclarecer que a verdadeira alegria não consiste na virtude; esta é apenas o fundamento de um edifício muito mais excelente do que a virtude, que é o próprio Deus e n’Ele a vida da graça. “A alegria […] vem da paz de consciência. Quando eu estou em ordem com Deus, estou em ordem com os seus mandamentos, estou, portanto, dentro da graça de Deus, eu estou na alegria“, 3 explica Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias
Pondera São Tomás 4 que os atos de todos os demais dons que orientam para o bem se reduzem à caridade, à alegria e à paz. A alegria figura nesta enumeração seguindo a caridade, pois, como já foi visto, aquela procede desta, de sorte que quem ama se alegra de estar unido ao amado, “a alegria é a presença e a posse daquele a quem se ama”. 5 A este respeito, parafraseando um dito famoso de Dona Lucilia Corrêa de Oliveira, 6 podemos afirmar convictamente que alegrar-se é estar juntos, olhar-se e querer-se bem.
Apesar de tudo, alegre
Acabamos de ver que os frutos do Espírito Santo são exercidos até mesmo em situações aflitivas e dramáticas. São um sopro do Divino Espírito que dão paz e tranquilidade à alma em meio às dificuldades, conforme afirma São Paulo em sua primeira carta aos Tessalonicenses (I Ts 1, 6): “Vós vos tornastes imitadores nossos, e do Senhor, acolhendo a Palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar de tantas tribulações“. Portanto, aquela ideia hipotética de bem-aventurança terrena não tem fundamento, pois a felicidade não pressupõe a ausência de sofrimento; a alegria é fruto da caridade, do Espírito Santo, mas não do bem-estar terreno. 7 Analisemos um fato narrado pelo Professor Plinio Corrêa de Oliveira na Folha de São Paulo:
“Vindo uma vez São Francisco de Perusa para Santa Maria dos Anjos com frei Leão, em tempo do inverno, e o grandíssimo frio fortemente o atormentasse, […] frei Leão perguntou-lhe: Pai, peço-te, da parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria. E São Francisco assim lhe respondeu: Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos, inteiramente molhados pela chuva e transidos de frio, cheios de lama e aflitos de fome, e batermos à porta do convento, e o porteiro chegar irritado e disser: Quem são vocês? E nós dissermos: Somos dois dos vossos irmãos, e ele disser: Não dizem a verdade; são dois vagabundos que andam enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres; fora daqui: e não nos abrir […] então, se suportarmos tal injúria e tal crueldade, tantos maus tratos, prazenteiramente, sem nos perturbarmos e sem murmurarmos contra ele […], nisso está a perfeita alegria. E se ainda, constrangidos pela fome, pelo frio e pela noite batermos mais, chamarmos e pedirmos pelo amor de Deus com muitas lágrimas que ele nos abra a porta e nos deixe entrar, e se ele mais escandalizado disser: Vagabundos importunos, pagar-lhes-ei como merecem; e sair com um bastão nodoso e nos agarrar pelo capuz e nos atirar ao chão e nos arrastar pela neve e nos bater com o pau de nó em nó; se nós suportarmos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo Bendito, os quais devemos suportar por seu amor: ó irmão Leão, escreve que aí e nisso está a perfeita alegria”. 8
Pareceria um paradoxo considerar este testemunho partindo do princípio que a alegria deriva do encontro e da posse de um bem; como encontrar alegria em meio a tal situação, onde parece não haver bem nenhum? Do ponto de vista meramente natural, realmente seria impossível. Entretanto, não se pode olvidar que a alegria é algo inteiramente transcendente e sobrenatural.
A alegria cristã
“O homem, a mulher quando caem numa situação de penúria, de sofrimento, de angústia, de drama tem dois caminhos diante de si: um é a tristeza pela situação em que se encontra, outra é a alegria. ‘Mas, escute, alegria? Alegria numa situação dessas? Isso é sinônimo de loucura.’ É sinônimo de loucura desde que a pessoa não esteja pondo a sua alegria em Cristo Jesus. Porque se ela está sofrendo aquilo por um desígnio de Deus, e se ela está sofrendo aquilo por permissão de Deus, é sinal de que a vontade de Deus é que ela sofra“. 9
O verdadeiro cristão deve seguir o modelo do Divino Mestre na agonia do Horto das Oliveiras e no sacrifício do Calvário chegando ao auge do sofrimento com um amor incondicional ao Pai. “É misterioso, Ele está coberto de dores, mas se percebe n’Ele uma congruência, um vigor, uma coerência, uma resignação que me levam a dizer: nunca um homem foi tão invejável como o Homem-Deus no auge de sua tristeza“. 100
“É por isso que nas igrejas costuma-se colocar Cristo bem no alto e na atenção de todos. Porque ali está a verdadeira alegria [em] considerar a cruz como um mérito, como um dom de Deus. […] A pessoa batizada passa por dramas, mas olhando, fixando a atenção bem no olhar […] vê-se um brilho por onde a pessoa tem uma substância, um suporte que em certo momento pousa a graça de Deus, um toque do Espírito Santo, enche a pessoa de ânimo e passa por aquela situação com outro estado de espírito“. 11
É necessário ver a vida sempre de dentro dos olhos de Deus, procurando o bem maior que Ele pretende quando permite as tribulações, seja para nos provar na fé, ou simplesmente para nos premiar com mais méritos no Céu. Precisamos considerar que todos os prazeres da vida passam com a morte e o único que levaremos desta Terra quando levantarmos voo rumo ao céu é o amor a Deus.
“O bom católico […] compreende o valor do sofrimento, do qual os pseudo-felizes tanto fogem. De fato, a dor é para a alma humana o que é o fogo para um metal que deve ser separado da ganga e purificado: sofre-se, porém com resignação e dignidade. Isso dá à alma uma tranquilidade, uma harmonia, uma força que não há prazer que pague. Oh, o bem estar da dor cristã!” 12
Esse é o verdadeiro espírito da alegria!
2 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição: Comentado. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2011, v. II, p. 235.
3 Id. Homilia do XIV domingo do Tempo Comum. Op. cit.
4 SÃO TOMÁS DE AQUINO. S. Th. I-II, q. 70, a. 3.
5 PHILIPON. Los dones del Espíritu Santo. Op. Cit. p. 59: “La alegría es la presencia y la posesión de aquél a quien se ama” (Tradução da autora).
6 “Viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem” apud CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Dona Lucilia. São Paulo: Artpress, 1995, v. II, p. 267.
7 Claro está que este tema está sendo desenvolvido de maneira didática para a maior compreensão, mas a alegria é uma só, vista apenas de vários ângulos diferentes: um fruto da caridade, do Espírito Santo. Portanto, aquele mesmo fogo de amor a Deus que produz a alegria, nos faz passar por cima de todas as aflições sem que a elas prendamos o coração, pois para quem ama verdadeiramente a Deus, Ele é o único bem realmente lhe importa.
8 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A perfeita alegria. In: Dr. Plinio. São Paulo: Ano I, n. 3, jun. 1998, p. 24-25.
9 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Homilia do III domingo do Advento. Caieiras, 13 dez. 2009. (Arquivo IFTE).
10 CORRÊA DE OLIVEIRA. A verdadeira felicidade. Op. cit. p. 17.
11 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Homilia do III domingo do Aadvento. Caieiras, 14 dez. 2008. (Arquivo IFTE).
12 CORRÊA DE OLIVEIRA. A verdadeira felicidade. Op. cit. p. 17.
Se crermos que Deus é onisciente, o que vier para nós esta sob seu controle e assim torna-se suportável Seus desígnios.