Manso e humilde de coração
Irmã Juliane Vasconcelos Almeida Campos,EP
Vejamos o exemplo de um homem de temperamento, o qual, com o auxílio da graça, soube dominar-se a ponto de ficar conhecido e venerado por todos como o santo da doçura e da amabilidade: São Francisco de Sales.
A infância de um menino inocente
Primogênito do Barão de Boisy, nasceu Francisco em 1567 no castelo de Sales, na Sabóia, naquele tempo um país independente que abarcava territórios hoje pertencentes à França, Itália e Suíça. Sua mãe, Dona Francisca de Boisy, senhora muito virtuosa, soube incutir-lhe desde a mais tenra infância o amor a Jesus e Maria. Quiçá também dela tenha recebido a salutar influência que lhe permitiu adquirir uma das virtudes que mais o caracterizaram: nunca perder a calma, nunca inquietar-se, ter inteiramente a alma nas mãos.
Sua mãe ensinava-lhe o catecismo e narrava-lhe belos exemplos da vida dos santos. Isto fez nascer na alma do pequeno Francisco o desejo da santidade e o zelo pelas coisas de Deus.
Desde criança sempre foi muito ativo e cheio de vida. Um fato pitoresco de sua infância denota seu carácter combativo, mas irascível. Bem pequeno ainda, ouvira falar dos calvinistas que haviam dominado a Suíça e boa parte da França. Um dia, soube que um desses hereges estava de visita no castelo de seus pais. Como não podia entrar na sala para protestar, pegou um pedaço de pau e, cheio de indignação, entrou no galinheiro e lançando-se contra as galinhas a pauladas gritava: “Fora com os hereges! Não queremos hereges!”As pobres galinhas fugiam cacarejando ante seu inesperado atacante. Foram salvas pelos criados que conseguiram tirar o menino dali a tempo.
Francisco chegará a ter um génio tão doce e bondoso que fez São Vicente de Paulo exclamar, quando teve a oportunidade de conviver com ele: “Ó meu Deus, se Francisco de Sales é tão amável, como sereis Vós?”
As batalhas da juventude
Na juventude nasceu-lhe um grande desejo de consagrar-se inteiramente a Deus. Mas seu pai tinha outros planos. Foi mandado a Paris para estudar no colégio dos jesuítas, onde conheceu o bom Pe. Déage, que foi seu diretor espiritual. Mais tarde mudou-se para Pádua a fim de estudar Direito Civil, como queria seu pai, e Direito Canônico, como desejava o ardor religioso de seu coração. Também praticava esgrima, equitação e frequentava bailes.
Viver na graça de Deus naqueles ambientes não era nada fácil, mas Francisco soube fugir das ocasiões perigosas e de toda amizade que pudesse ofender a Deus. Na Universidade, alguns estudantes perversos, para humilhá-lo por ser tão piedoso, atacaram-no. Francisco, que era perito na arte da esgrima, tirou sua espada e derrotou a todos. Vendo-os desarmados e impotentes, retirou-se, dizendo: “E agradeçam a Deus em quem creio, pois é por isso que não lhes faço mal”.
Quando, devido ao seu temperamento, o sangue lhe subia ante humilhações e burlas, ele se continha de tal maneira que muitos pensavam que nunca se encolerizava. O demônio, vendo ser impossível vencê-lo com as tentações mais comuns, atacou-o com violência num ponto muito sensível e difícil: a terrível tentação do desespero da salvação.
Tinha 20 anos quando isso aconteceu.
Conhecera a doutrina de Calvino sobre a predestinação, e não conseguia tirar da cabeça a ideia fixa de que ia se condenar. Perdeu o apetite e o sono. Sempre dizia a Nosso Senhor que, se por sua infinita justiça o condenasse ao inferno, concedesse-lhe a graça de continuar amando-O nesse lugar de tormentos. Essa oração lhe devolvia a paz de alma em parte, mas a tentação sempre voltava. O remédio definitivo veio quando, entrando numa igreja em Paris e ajoelhando-se diante de uma imagem da Santíssima Virgem, rezou a conhecidíssima oração de São Bernardo: “Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria…” Ao terminar, os pensamentos de tristeza e desespero o abandonaram para sempre e veio-lhe a segurança de que “Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo. 3, 17).
A vida religiosa e a conquista dos calvinistas
De volta à casa paterna, aos 24 anos, recusou um casamento brilhante e um posto no Senado do Reino. Embora contra a vontade de seu pai, assumiu o cargo de deão da Catedral de Chambéry – por influência de seu tio, Luís de Sales, cônego da Catedral de Genebra, que obteve tal nomeação do Papa e pouco tempo depois foi ordenado sacerdote.
Pregou em Annecy e outras cidades. Embora dotado de grande cultura, suas práticas eram simples, atraindo enormemente todos os que o ouviam.
Mas sua dura batalha começou quando se ofereceu para reconquistar Chablais, na costa sul do lago de Genebra. Esta região estava totalmente dominada pelos calvinistas, cujo exército não deixava os habitantes católicos viverem em paz.
Em 14 de setembro de 1594, dia da exaltação da Santa Cruz, com a autorização do bispo Cláudio de Granier, partiu Francisco de Sales a pé para a grande missão. Provações não lhe faltaram. Muitas vezes teve de dormir ao relento. Em uma ocasião refugiou-se no alto de uma árvore durante toda a noite para escapar ao risco de ser devorado pelos lobos. Na manhã seguinte, foi salvo por um casal de camponeses calvinistas que adquiriram grande simpatia por ele.
Posteriormente esses camponeses se converteram, dando início à grande transformação religiosa da região. A cada noite, São Francisco e seus companheiros católicos passavam de casa em casa, jogando debaixo das portas folhetos escritos à mão, nos quais eram refutados os falsos argumentos da heresia calvinista. Esse fato lhe valeu o título de patrono dos escritores e jornalistas católicos. Esses escritos foram posteriormente reunidos e publicados sob o nome de Controvérsias.
Poucos anos mais tarde, depois de duras lutas e perseguições, Chablais se converteu totalmente, e o Pe. Francisco foi nomeado bispo coadjutor de Genebra. Para receber a sagração episcopal, dirigiu-se a Roma, onde o próprio Papa Clemente VIII o interrogou sobre 35 pontos difíceis de Teologia, em presença do Colégio cardinalício. “Ninguém dos que examinamos mereceu nossa aprovação de maneira tão completa!”– exclamou o Papa ao descer de seu trono para abraçá-lo.
Bispo príncipe de Genebra
Com a morte de D. Garnier, São Francisco de Sales assumiu o cargo vacante. A generosidade e a caridade, a humildade e a clemência do santo eram inesgotáveis. Em seu trato com as almas foi sempre bondoso, sem cair na debilidade; sabia ser firme quando necessário.
Fundou a Ordem da Visitação com sua dirigida espiritual, Santa Joana de Chantal, em 1604. Entre as obras por ele escritas destacam-se o Tratado do Amor de Deus, que lhe valeu o título de Doutor da Igreja, e Introdução à vida devota – Filotéia, nascida das anotações enviadas à sua prima, Senhora de Chamoisy.
A medida de amar a Deus
“A medida de amar a Deus consiste em amá-Lo sem medida.” Este ensinamento de São Francisco de Sales talvez possa resumir toda a sua existência, pois ele não foi senão um exemplo vivo de tudo o que ensinava.
Estando ele ainda vivo, havia já pessoas devotas que guardavam como relíquias os objetos por ele usados.
Vítima de uma paralisia, perdeu a palavra e algo da sua lucidez, porém, recuperou-as em breve tempo. Os esforços médicos feitos para salvá-lo de nada adiantaram. Em seu leito repetia: “Pus toda a minha esperança no Senhor; Ele escutou minha súplica e me tirou do fosso da miséria e do pântano da iniquidade”.
Faleceu aos 56 anos de idade, na festa dos Santos Inocentes, em 28 de dezembro de 1622. Seu fígado, devido ao constante esforço para controlar seus ímpetos de cólera, havia-se transformado em pedra. Seu corpo foi encontrado incorrupto 10 anos após seu falecimento.
Ele soube viver inteiramente o conselho de Nosso Senhor no Evangelho: “Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para vossas almas” (Mt. 11, 29).
São João Bosco de tal modo o admirou que o escolheu para patrono da sua congregação. E Santa Joana de Chantal dele dizia: “Era uma imagem viva do Filho de Deus, porque verdadeiramente a ordem e a economia dessa santa alma era toda sobrenatural e divina”.