O pecado original e os dons preternaturais
Bárbara Honório
O dom da integridade consiste na total imunidade de concupiscência desordenada. Ou seja, o primeiro homem tinha sua razão submetida ao mais elevado — a Deus; seu apetite sensitivo não possuía nenhum movimento desordenado. Ele se alimentava para conservar sua própria vida e se unia à sua mulher para propagar a espécie, segundo o mandamento do Senhor: “Procriai e multiplicai-vos (Gen.I, 28). Este dom removia do homem todos os obstáculos de ordem moral que pudessem impedir a vida sobrenatural da graça.
Com o dom da imortalidade, o homem não sofreria a morte — que é a desagregação dos diversos elementos de toda matéria viva — e viveria algum tempo no Paraíso Terrestre, sendo transladado para o céu (visão beatífica), sem passar pelo terrível e doloroso transe da morte.
A isenção de toda dor ou sofrimento da alma e do corpo foi dada através do dom da impassibilidade. Nenhuma perturbação espiritual ou corporal podia alterar a perfeita felicidade natural de nossos primeiros pais no Paraíso para que sua união com Deus pudesse se desenvolver em paz e tranquilidade.
O primeiro homem criado em estado de inocência dominava perfeitamente os animais, pois as coisas inferiores estavam submissas às superiores. Em virtude desse privilégio preternatural, o homem agia como ministro da Divina Providência, fazendo com que todos os seres irracionais, inferiores ao homem lhe obedecessem como animais domésticos.
Além desses dons comuns a toda a humanidade, Adão recebeu, por ser o princípio, mestre e cabeça de todo gênero humano, um intransferível e magnífico dom: a Sabedoria e Ciência excelentíssimas.
Segundo São Tomás de Aquino, “como o primeiro homem foi instituído em estado perfeito quanto ao corpo, assim também foi instituído em estado perfeito à alma quanto, de modo a poder logo instruir e governar os outros seres” (Suma Teológica, q. 96, 1).
Como contrapartida a esses imensos benefícios, foi apresentada ao homem uma prova.
Devia ele cumprir de modo exímio a lei divina, guiando-se pelas exigências da lei natural gravada no seu coração, e respeitar uma única norma concreta que Deus lhe dera: a proibição de comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, plantada no centro do Jardim do Éden (cf. Gn 2, 9-17).
Narra-nos a Sagrada Escritura como a serpente tentou Eva, e como caíram nossos primeiros pais e como foram expulsos do Paraíso (cf. Gn 3, 1-23).
Por isso diz Santo Agostinho que uma vez consumada a transgressão do preceito, no mesmo instante, destituída a alma da graça divina, envergonharam-se da nudez de seu corpo, pois sentiram em sua carne um movimento de rebeldia, como pena correspondente à sua desobediência. Quando a graça abandonou a alma, desapareceu a obediência das leis do corpo às da alma. O primeiro pecado foi uma revolta interna contra Deus, que rompeu a submissão da razão a Deus e produziu a ruptura e desordem das faculdades inferiores.
Mas Deus, em sua infinita misericórdia, não retirou-lhes os privilégios naturais, como descreve o douto Pe. Tanquerey: “Contentou-Se de os despojar dos privilégios especiais que lhes tinha conferido, isto é, dos dons preternaturais: conservando pois, a natureza e os seus privilégios naturais”.
Mas, por que o pecado de Adão foi transmitido a todos seus descendentes? Porque a justiça original foi um dom de Deus para toda natureza humana na pessoa de Adão, como cabeça de toda a humanidade. Se só Eva tivesse pecado, a natureza humana permaneceria intacta e conservaria todos os privilégios. Assim, pelo pecado de Adão — pecado original — entrou o mal no mundo, como afirma o Apóstolo São Paulo: “Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte” (Rm 5,12).
O pecado original abriu entre Deus e os homens um abismo intransponível. As portas do Céu se fecharam e o homem contingente só podia oferecer a Deus uma reparação imperfeita da ofensa cometida. Estariam, então, os umbrais da felicidade eterna irrevogavelmente fechados? Não! Peremptoriamente atestam as palavras do Apóstolo: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20). Deus em sua infinita misericórdia prometeu o remédio para tal enfermidade e, no tempo previsto enviou Seu Filho Unigênito. “Ó feliz culpa que mereceu tão grande Salvador” (MISSALE ROMANUM, 2008, p.348).
O próprio Criador fez-Se criatura para, com uma generosidade inefável, saldar nossa dívida. O Filho “fazendo- Se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 8), restituiu ao homem a graça perdida com o pecado e abriu-nos as portas do céu.