Uma entrega cheia de enlevo

Natalia Yarima García Malaver

Múltiplos e apaixonantes exemplos de chamados e conversões encontramos na História da Igreja. Porém, não foi sem razão que uma vocação tão grandiosa como a de ser Apóstolo recebesse a honra de ser designada pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo.

Veremos, pois, como se deu o chamado de São Mateus, o cobrador de impostos, e que estado de espírito, à semelhança deste apóstolo, deve ter aquele que é convocado a instaurar o Reino de Deus sobre a face da Terra.

Sendo os Apóstolos convocados a uma tão alta missão era necessário, de certa maneira, que o chamado que receberam procedesse também de uma categoria superior a qualquer outra, ou seja, que fosse promovido pelo próprio Jesus. Havendo recebido o chamado, era preciso da parte dos Apóstolos uma entrega total e um “sim” categórico para, dignamente, receber tão alto título. Segundo narram os Evangelhos sinópticos, cinco foram os chamados particulares que fez Nosso Senhor, recebendo por parte dos que foram agraciados: Simão, André, Tiago, João e Mateus uma contundente resposta afirmativa.

São Marcos (1, 16-20) narra em seu Evangelho:

Passando ao longo do mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse-lhes: “Vinde após mim; eu vos farei pescadores de homens”. Eles, no mesmo instante, deixaram as redes e seguiram-no. Poucos passos mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam numa barca, consertando as redes. E chamou-os logo. Eles deixaram na barca seu pai Zebedeu com os empregados e O seguiram.

“Além do desapego total dos bens temporais e de um coração elevado à Jerusalém Celeste, Jesus exige do apóstolo a ruptura completa de todos os laços que o vinculavam ao mundo” (CLÁ DIAS, 2010, p.16), referindo-se aqui, principalmente, a laços familiares e sociais, como nos diz o próprio Evangelho visto acima: “Eles deixaram na barca seu pai Zebedeu com os empregados e O seguiram” (Mc 1, 20).

Passando agora para o Evangelho de São Lucas (5, 27-28) e chegando ao ponto do qual trataremos com especial ênfase ― a conversão de São Mateus ―, encontramos: “Depois disso, Jesus saiu e viu sentado ao balcão um coletor de impostos, por nome Levi, e disse-lhe: ‘Segue-me’. Ele se levantou e, deixando tudo, seguiu-O”.É uma atitude que fica como exemplo para todas as almas que recebem um chamado divino.
Assim afirma Mons. João Clá (2010, p.16): Quando Jesus disse: ‘Vem e segue-Me’, deve-se considerar como ‘mundo dos mortos’ tudo quanto ficou para trás e não mais se interessar pelos assuntos que antes lhe preocupavam. E isto de uma forma radical”.

A esse respeito, também ensina o ilustre Padre Royo Marín (1968, p.385):

O desprendimento de todo o criado é uma das condições mais importantes para chegar à santidade. […] De fato, a alma vai se enchendo de Deus na medida e no grau em que vai se esvaziando das criaturas. São João da Cruz é inflexível em exigir um desprendimento total da alma que quer voar para Deus. Se não é assim, é semelhante a uma ave presa por um fio delicado que, por muito fino que seja, a impede de voar.

Por esta razão, explica Mons. João Clá (2005) ― com uma nuance consoladora e cheia de alegria ― que quem toma a iniciativa de dizer “Segue-me” não somos nós, mas o próprio Deus. É Nosso Senhor quem escolhe e não olha para os pecados das pessoas. Ele não veio para eliminar os pecadores. Isso quer dizer que Deus não põe como condição primeira do chamado o não ter pecados; mas, ainda que os tenha, o mais importante é não se ater a eles e entregar-se a Deus radicalmente.

Interessante comentário acerca deste ponto faz São Cirilo (apud SÃO TOMÁS DE AQUINO, Catena Aurea IV, San Lucas, c.V, v.27-32) para demonstrar como ainda tendo defeitos e debilidades, próprias à natureza humana, mereceu tamanha misericórdia:

Levi era, pois, publicano, homem avarento, intemperante em relação às coisas supérfluas, ávido pelas coisas alheias (isto é o ofício dos publicanos); mas, foi arrancado das oficinas da malícia pelo chamado de Cristo: “e disse-lhe: ‘Segue-me’”.

Com esta magnífica frase, na qual Nosso Senhor manifesta claramente sua veemência e bondade para com o pecador, compreendemos que não é por mérito próprio que Deus escolhe seus instrumentos para a salvação das almas, mas, muitas vezes, se vale de quem é mais insignificante e desprezível para operar conversões e milagres. E se a alma é generosa em seu “sim”, será grande aos olhos de Deus,entretanto, seguirá desprezível aos olhos do mundo. É próprio às almas que se abandonam nas mãos de Deus agir conforme diz São Paulo em sua carta aos Gálatas (6, 14): “Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”.

São João Crisóstomo (apud SÃO TOMÁS DE AQUINO, Catena Aurea IV, San Lucas, c.V, v.27-32) realça e enobrece o “sim” decisivo de São Mateus:

Pode-se ver o poder de quem chama e a obediência do chamado. Não resistiu, nem sequer vacilou, obedeceu; e não quis nem mesmo voltar para sua casa e contar a sua família o que lhe sucedera, […]; o Senhor honrou o chamado de Levi que o aceitou imediatamente; isto lhe inspirou mais confiança

Esta confiança significa, pois, aquela paz e aquele fascínio das almas que tudo deixam para seguir um ideal, vendo o que têm diante de si e o que, como penhor de uma promessa, possuirão no final de suas vidas, tomando uma resolução firme e sem vacilações.

Compreendamos agora os movimentos de alma que inundaram São Mateus para fazê-lo aceitar o chamado. O que o moveu a dar esse “sim” radical? Ensina-nos, uma vez mais, Royo Marín (1968, p.383, tradução nossa) que “a vontade ― também chamada ‘apetite racional’ ― é a faculdade pela qual buscamos o bem conhecido pelo entendimento. […] O ato próprio da vontade é o amor, ou seja, a união afetiva da vontade com o bem conhecido”. Ora, foi desta submissão da vontade do Apóstolo para com o Bem em essência que se deu a correspondência ideal. Foi, portanto, um ato de admiração cheio de amor.

Esclarece-nos, ainda, a esse respeito, o Santo Doutor Angélico, na Suma Teológica (II-II, q.23, a.7-8), afirmando que a caridade é a raiz e regra de todas as demais virtudes, sem a qual nenhuma é verdadeira virtude.

Que outro nome tem esse amor? Enlevo. “É o amor de Deus que tocou o âmago da alma, o cerne da alma, e que deu uma ideia de quem é Ele. […] Quando a pessoa tem esse enlevo, pode-se dizer: ‘está conhecendo a Deus’” (CLÁ DIAS, 2008, s.p.).

São Mateus conheceu a Deus e, por isso, O seguiu. Ele se acusa a si mesmo de ser publicano, no entanto, foi convocado para a maior das batalhas ― conquistar almas para Cristo ―, a maior das ousadias, com o mais rigoroso desapego e a mais alta audácia que um homem possa ter: seguir Jesus.

2 responses to “Uma entrega cheia de enlevo”

  1. Roseanna disse:

    That’s the best asnwer of all time! JMHO

  2. alejandra disse:

    buenos dias quisiera saber quien es para ustedes Natalia Yarima Garcia malaver para ella va dirigido el capitulo? por favor necesito una respuesta para es muy importante el significado de ese nombre. gracias. dios los bendiga

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