A “oitava Palavra” de Jesus

Ir. Mariana Morazzani Arráiz, EP

Barrabás, famoso ladrão e assassino, o pior criminoso que Israel conhecera, encontra- se encarcerado na Torre Antônia, em Jerusalém. Era então costume entre os judeus, por ocasião da Páscoa, conceder a liberdade a algum preso, em memória da saída dos israelitas do cativeiro no Egito. O procurador romano na Judeia, Pôncio Pilatos, propõe dois nomes para o povo escolher: Barrabás ou Jesus.

Símbolo da ilegalidade, motivo de terror para todos, cujo aprisionamento constituía o alívio e a segurança da região, o maior malfeitor da época é contraposto Àquele que perdoava os pecados, curava leprosos, cegos e paralíticos, ressuscitava mortos e andara “por toda a parte, fazendo o bem” (At 10, 38)?

Ora, qual a gratidão suscitada por tantos ensinamentos, favores e milagres? O populacho, a uma voz, prefere Barrabás…

Surpresa e pânico do bandido

Podemos conjecturar a reação do chefe da prisão ao receber a ordem do magistrado romano de liberar naquele mesmo dia o terrível bandido.

— Soltar esse homem por causa de um absurdo costume judaico? Esse criminoso vai repetir suas loucuras! Vão se arrepender… Mas, enfim, cabe-me só cumprir ordens. Vamos!

Desce até o calabouço do Pretório e introduz a chave na fechadura de uma cela. Rangendo, abre-se a porta do repugnante recinto e o carcereiro chama:

— Barrabás!

Com os cabelos desalinhados, o olhar desvairado e cheio de terror, balbucia o delinquente:

— Vou ser crucificado?!

— Não! Fora daqui! — responde o guarda com rudeza e desgosto.

— Mas… o que vão fazer comigo?

— Fora!

Saindo, trêmulo, ainda indaga:

— O que aconteceu?

— Estás livre! Vá para a rua!

— Eu, livre? Eu, que já sentia as cordas nas minhas mãos e experimentava prematuramente a asfixia da crucifixão pela qual iria morrer! Eu, solto depois de tudo o que fiz? Eu, Barrabás, homicida detestado por todo o mundo?… Vou cobrir um pouco a cabeça para não ser reconhecido na rua… Preciso me disfarçar para sair, pois podem me matar. Mas… estou livre! Será possível? Eu me apalpo e vejo que… é verdade!

Sem rumo fixo, caminha aturdido pelas ruas de Jerusalém quando, de repente, escuta não muito longínquo o lúgubre rufar de tambores:

— O que é isso? O anúncio de uma crucifixão? Estão levando alguém para o suplício!

Experimentando um calafrio de pavor, suspira:

— Poderia ter sido eu… Oh, horror!

Continua em direção à turbamulta, que está quase chegando no Monte Calvário. Ao se aproximar, percebe a identidade do condenado: é Jesus de Nazaré… e vai ser crucificado!

A “oitava Palavra”

Se uma graça fulgurante de arrependimento rasgasse a sordidez de sua alma endurecida e nela penetrasse, Barrabás, cheio de compunção, ter-se-ia lançado aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, já deitado sobre o madeiro da Cruz.

Nesse momento, o Divino Redentor estaria experimentando em suas divinas mãos e adoráveis pés as inenarráveis dores ocasionadas pela perfuração dos pregos. Mas isso não O impediria de pousar seu sacratíssimo olhar na figura horrenda daquele a quem a perfídia dos homens tinha preferido a Ele, Jesus, o Filho de Deus, a Beleza Infinita.

Sob o influxo de tal graça, o criminoso, ajoelhado, diria:

— Senhor, eu deveria estar sendo crucificado e não Vós! Vós ireis morrer por mim quando sou eu, infame, merecedor desse castigo por meus pecados! Senhor, perdão por tanta maldade! Senhor, eu me arrependo, detesto meus crimes e quero me assemelhar a Vós!

E o Salvador teria pronunciado aí a primeira das Palavras, que não mais seriam sete, como registram os Evangelhos, mas oito; de seus divinos lábios brotaria esta manifestação de poder, bondade e amor infinitos:

— Meu filho, vá porque teus pecados estão perdoados! Vá porque soubeste aceitar as graças de penitência e de arrependimento que Eu mesmo para ti suscitei! Vá e não peques mais!

Somos também “barrabases”

A História não conta qual foi o destino de Barrabás uma vez fora da prisão. Ignoramos se continuou na esteira dos crimes e desvarios que o caracterizavam, enchendo novamente de sobressalto e pavor o povo que clamara por sua libertação, ou se houve uma conversão semelhante à que acabamos de imaginar.

Uma coisa é certa: a cada ano, na liturgia da Semana Santa, ao ser mencionado o nome do bandido na leitura da Paixão segundo São João, vibram os corações e ardem em desejos de vingar e reparar tamanha ignomínia.

É justo, porém, descarregarmos toda a nossa ira sobre o terrível criminoso, esquecendo que fomos nós também “barrabases” em algum momento da vida? Não ofendemos brutalmente o Coração de Jesus ao cometer um pecado ou ao apegar- -nos a um vício? E não agimos como o povo judeu escolhendo o famoso malfeitor, ao trocar a obediência aos Mandamentos por uma transgressão grave e voluntária à Lei?

Se alguma vez pecamos gravemente contra algum Mandamento da Lei de Deus, somos comparáveis a Barrabás e àqueles que o preferiram a Jesus! Deveríamos estar sendo crucificados, quando é Ele, ao contrário, que sofre por nós! Que terrível verdade: ao pecar, prefiro Barrabás como meu amigo e crucifico a Jesus em minha alma!

Em vista disso, o que farei? Formular essa pergunta é fruto de uma graça que parte de Jesus em direção a mim. Diante dela só cabe uma súplica à Mãe do perdão e da divina graça, cujos rogos me obtiveram esse benefício:

“Oh, Virgem Santíssima, minha Mãe, dai-me a convicção de que só existem dois caminhos: um é o de Barrabás e outro, o de Jesus.

“Quando vosso Divino Filho voltar no fim dos tempos para exercer o julgamento de todos os homens, reunidos no Vale de Josafá e não mais no Pretório de Pilatos, a humanidade estará dividida entre os que O quiseram crucificar e se entregaram ao pecado, e aqueles que aceitaram o convite de seu divino e arrebatador olhar, e quiseram viver sempre na sua graça e na prática da virtude.

“Pelos méritos infinitos da Paixão, fazei que eu esteja entre estes últimos!

“E se tiver a desgraça de Vos ofender, que eu me aproxime, com toda pressa, do Sacramento da Penitência e possa, arrependido e humilhado, ouvir aquela ‘oitava Palavra’ dirigida ao hipotético Barrabás convertido: ‘Vá, meu filho, minha filha, teus pecados estão perdoados!'”.

Adaptação da palestra pronunciada por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, em 27/5/1990 – Revista Arautos do Evangelho, Março-2015

One response to “A “oitava Palavra” de Jesus”

  1. Ceres Paes disse:

    Salve Maria,Querida Ir.Mariana Morazzani Arraiz,EP.
    Muito obrigada por tão lindo texto.
    Deus é Maravilhoso.
    Quando ouvi ,em 2014,em Cotia,a linda apresentação do Recital de Natal e “As Sete Palavras”pelos Arautos do Evangelho,fiquei encantada ao ouvir “As Sete Palavras”.
    Aprendi tanto com os senhore(a)s Arautos do Evangelho e sou muito agradecida.
    Depois em 2015,quando fiz o Curso de Teologia e estudando,pensei:
    _Será que existe também a 8a Palavra….Por quê os Arautos do Evangelho falaram somente de 07 Palavras…..”
    Estudando percebi a repetição do número 07 várias vezes…..
    Mas hoje,lendo o artigo da senhora,Ir.Mariana Morazzani,EP,tive a Felicidade de saber sobre a 8a Palavra…..e isso me confortou,me consolou!!!pois é como se a senhora estivesse falando algo que Deus quer me falar(ou já me disse tantas vezes,inclusive no Confessionário quando o sacerdote me ouviu e me absolveu de meus pecados)e eu não acreditei,por me considerar miserável….não por não aceitar a verdade da absolvição que me foi concedida.mas por sempre sentir-me culpada dos meus erros passados,muitas vezes,sentindo-me assim por chantagem de uma pessoa…..
    Porém.a minha Fé em Deus é tão grande!!!!meu Amor por Deus é tão sincero e verdadeiro,que hoje!!!2016,quando me aproximo de um confessionário ,sei que sairei dali aliviada.No Confessionário,é Deus QUEM está ali.
    Como disse o Querido Pe.Eduardo Caballero Baza,EP numa homilia de domingo,em Outubro,no Thabor,que devemos recorrer ao Confessionário como Zaqueu subiu numa videira. para ver Jesus.
    A senhora escreveu no artigo acima:
    “E se tiver a desgraça de Vos ofender, que eu me aproxime, com toda pressa, do Sacramento da Penitência e possa, arrependido e humilhado, ouvir aquela ‘oitava Palavra’ dirigida ao hipotético Barrabás convertido: ‘Vá, meu filho, minha filha, teus pecados estão perdoados!’”.

    É isso que tenho feito,por mais “insignificante”que possa parecer o meu erro(o meu pecado),pois aos olhos de DEUS o mínimo erro meu é PECADO!!!!Por quê então,não deveria recorrer ao Confessionário……Claro que devo recorrer ,pedir auxílio a Deus:-Ajude-me!!!!Pequei mais uma vez…..”
    Mas sair do Confessionário,com retidão de propósitos e ser melhor do que 1(hum)segundo atrás……
    Ninguém é perfeito,mas podemos nos aperfeiçoar dia após dia…..
    Um abraço fraterno e carinhoso para a senhora e todas as minhas irmãs Queridas Arautos do Evangelho,EP.
    Considero-me membro dos Arautos do Evangelho,mesmo que sendo leiga.
    Beijos.
    Ceres de Andrade Paes.

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