Viver de amor

Raphaela Nogueira Thomás

Quando se ama, o amor como que governa a vontade, e esta se inclina ao objeto amado. Assim, toda ação do homem, indiferentemente considerada, é impulsionada pelo amor. O agir, coordenado simplesmente pelo sabor da ação, não existe. É necessário ressaltar que Santo Agostinho define que há dois amores; ou seja, ou há o amor a Deus – e às demais criaturas em função deste – ou há o amor a si, até o esquecimento de Deus. 1

Em se tratando da natureza humana, a capacidade que esta possui de amar é limitada e, pelo mesmo, estará sempre procurando o bem existente em algo, para nele repousar. Ora, não dedicando esse amor ao que realmente deveria ser o objeto dele, acaba-se por desenfrear-se nas mais absurdas e caóticas ações, procurando o que, de si, não pode trazer tranqüilidade de alma.

Há, entretanto, almas que, ricas em generosidade, entendem o fundamento do verdadeiro amor como querendo devotá-lo só e exclusivamente ao serviço de Deus, resolvendo por consagrar-se inteiramente a Ele. Um dos níveis, por assim dizer, desta consagração é o estado de virgindade, em que a alma quer de tal forma se entregar, que oferece a Deus o holocausto de seu próprio ser, nas sendas puras e intactas da via religiosa.

O Pe. Royo Marín assim correlaciona a virgindade ao amor: “Jamais alguém é casto senão por amor; e a virgindade não é aceitável nem expansiva senão ao serviço do amor”. 2

Por outro lado, o amor a Deus se concretiza no amor ao próximo e no serviço aos outros; isto é, faz com que, literalmente, vivamos por amor. É o que Santa Teresinha propriamente personificou em sua Pequena Via e, de modo particular, em um de seus poemas “Vivre d’Amour”:

Viver de amor é banir todo o temor!
Toda lembrança das faltas do passado.
De meus pecados não vejo na minha alma nenhuma marca,
Pois num instante o amor tudo apagou.
Chama divina, ó doce fornalha,
Em teu seio eu fixo minha habitação;
E em tuas labaredas canto à vontade:
Eu vivo de amor!
3

Nisso se centra retamente a virgindade e, longe de diminuir o amor aos demais, dilata-o ao infinito, com inteiro desinteresse e caridade fraterna. E da mesma forma que consideramos pura uma água saída do mais profundo das entranhas da Terra, também é puro o amor que, saído do mais profundo do coração humano, se eleva a Deus e de lá, em veio límpido e cristalino, desce, como do alto de uma montanha, sobre todas as criaturas.

1SANTO AGOSTINHO DE HIPONA. A cidade de Deus, L. XIV, c.28 1998, p.298
2ROYO MARÍN, Antonio. La vida Religiosa. 2.ed. Madrid: BAC, 1965.
3TERESA DE LISIEUX apud PLINIO CORREA DE OLIVEIRA Revista Dr. Plinio. São Paulo: Retornarei, n.111. jun. 2007.

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