Riqueza de aspectos da Celebração Eucarística (Continuação)
Irmã Monica Erin MacDonald, EP
Microcosmos organizado de forma a elevar o espírito
Ao cruzar os umbrais do templo, a pessoa é envolvida por um ambiente que procura tirá-la da rotina cotidiana e fazê-la sentir-se na antessala do Paraíso. Ela entra num recinto sagrado, isolado tanto quanto possível das banalidades do mundo exterior, num microcosmos organizado de forma a elevar o espírito para os mistérios que vão ser celebrados. 10
Mas, ao mesmo tempo em que os limites entre o interior e o exterior são categoricamente definidos e separados, em sentido oposto, a fronteira entre o mundo físico e o espiritual se torna mais tênue e incerta. Porque a própria estrutura arquitetônica de um templo, independente do seu valor histórico ou artístico, está destinada a pôr o espírito face à grandeza do divino.
Assim, o lugar santo deve estar em perfeita harmonia com as palavras, gestos e atos litúrgicos que compõem a ação sagrada por excelência. A decoração, as vestimentas, os vasos sagrados podem ser ricos ou simples, mas sempre dignos e adequados à elevada função à qual se destinam.
Água, fogo, incenso
Dentre os elementos cósmicos usados na Liturgia, talvez seja o fogo o mais rico em significado.
Ele representa para o cristão a ação transformante do Espírito Santo, assim como o amor ou fervor interior. Línguas de fogo pousaram sobre Maria e os Apóstolos no dia de Pentecostes (cf. At 2, 3). Uma lâmpada de azeite se consome diante do Santíssimo, em perene adoração. E velas ardem no altar durante a Missa. No Sábado Santo, na bênção do fogo novo, o mais espiritual dos quatro elementos como que renasce junto com Cristo Ressuscitado, a Luz do Mundo, o Sol que nunca se põe. O Círio Pascal representa nosso Redentor e todas as outras velas recebem dele a sua chama.
A água, por sua vez, em oposição ao fogo, tem propriedades purificadoras e regeneradoras, e por isso o celebrante a usa para limpar as mãos antes de iniciar a Oração Eucarística. Fonte de vida no mundo material, é esse também seu simbolismo no Sacramento do Batismo. Uma pequena quantidade de água é misturada ao vinho, representando a parte humana do sacrifício, o sangue e a linfa que escorreram do lado de Cristo, a união entre Cristo e a Igreja. 11
Ligado ao fogo está, por sua vez, o incenso. A fumaça perfumada que se evola simboliza a oração e é sinal de honra para com as coisas e pessoas sagradas. Ele é usado em momentos-chave: o início da Celebração, o anúncio do Evangelho, o Ofertório e a Elevação da hóstia e do cálice após a Consagração.
Gestos e silêncio
Na Ars celebrandi, têm papel preeminente também os gestos do celebrante, reforçando poderosamente as palavras por ele pronunciadas.
Durante a Oração Eucarística, o sacerdote estende as mãos, palmas para baixo, como um sinal da invocação do Espírito Santo. Ao abrir os braços, ele simboliza Cristo pregado na Cruz. Suas mãos erguidas indicam que sua oração é dirigida a Deus pelo povo. Quando ele junta as mãos e se inclina, denota a humildade de Cristo. Na Liturgia, assim como as palavras têm a força das próprias palavras de Cristo, os gestos são os gestos d’Ele.
O silêncio na Liturgia não é um interlúdio mudo e vazio, mas é conatural com a oração, a contemplação e a abertura para o sobrenatural. Um período de silêncio marca um momento de grandeza e solenidade, conforme demonstrado na narração da Liturgia celestial do Apocalipse: “E quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no Céu por quase meia hora” (Ap 8, 1).
No sagrado contexto da Liturgia, esses aspectos simbólicos ganham em vida e significado. “Uma vez iluminadas as inteligências e aquecidos os corações, os sinais ‘falam’”. 12
Ascensão gradual da alma rumo à união com Deus
Ora, não é só nos ritos e gestos isolados que encontramos a dimensão simbólica da Celebração Eucarística. Ela se revela também na sua própria estrutura, que os unifica num vibrante contexto.
Os passos cadenciados e solenes da procissão de entrada em direção ao Presbitério simbolizam o cortejo da Igreja na terra para a Jerusalém celestial. 13 Mas o desenvolvimento da celebração retrata a ascensão gradual da alma rumo à união com Deus. O rito penitencial corresponde ao estágio purgativo da vida espiritual, durante o qual a alma se purifica dos seus defeitos; a Celebração da Palavra, ao iluminativo; e, finalmente, o estágio da perfeita união, à presença real. 14
“A Liturgia tem uma ligação intrínseca com a beleza”
Pela Liturgia, como vimos, Cristo continua na Igreja, com ela e por ela, sua função sacerdotal. Desse modo, “a beleza de uma Celebração Eucarística não depende essencialmente da beleza da arquitetura, das imagens, dos ornatos, dos cânticos, das sagradas vestes, da coreografia e das cores, mas antes de tudo da capacidade de revelar-se o gesto de amor praticado por Jesus. Por meio dos gestos, das palavras e das orações da Liturgia devemos reproduzir e fazer transparecer os gestos, orações e palavras do Senhor Jesus”. 15
Entretanto, sendo Ele “o mais belo dos filhos dos homens” (Sl 44, 3) e a Beleza em essência enquanto Deus, a Liturgia está inseparavelmente vinculada à beleza, como clarissimamente ensina o Papa Emérito Bento XVI na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis:
“A relação entre mistério acreditado e mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da beleza. De fato, a Liturgia, como aliás a revelação cristã, tem uma ligação intrínseca com a beleza: é esplendor da verdade (veritatis splendor). Na Liturgia, brilha o mistério pascal, pelo qual o próprio Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão. […]
“A verdadeira beleza é o amor de Deus que nos foi definitivamente revelado no mistério pascal. A beleza da Liturgia pertence a este mistério; é expressão excelsa da glória de Deus e, de certa forma, constitui o Céu que desce à Terra. O memorial do sacrifício redentor traz em si mesmo os traços daquela beleza de Jesus testemunhada por Pedro, Tiago e João, quando o Mestre, a caminho de Jerusalém, quis transfigurar-Se diante deles (cf. Mc 9, 2-7). Concluindo, a beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da sua revelação. Tudo isto nos há de tornar conscientes da atenção que se deve prestar à ação litúrgica para que brilhe segundo a sua própria natureza”. 16
O poder de atração da beleza
A beleza tem uma capacidade única de atrair o espírito humano, muito mais do que as ideias ou as doutrinas. E a Celebração Eucarística, em sua resplandecente conjugação de estímulos visuais, sonoros e olfativos, é um eficaz instrumento para conduzir à beleza suprema de Deus.
Ela cria um terreno fértil para engajar a pessoa inteira, “espírito e coração, inteligência e razão, capacidade criativa e imaginação”. A via da beleza descerra horizontes infinitos que impelem o ser humano a “abrir-se ao Transcendente e ao Mistério, a desejar, como fim último de seu desejo de felicidade e de sua nostalgia de absoluto, essa Beleza original que é o próprio Deus”. 17
A importância da beleza na Liturgia, enquanto possante fator de conduzir as almas à beleza suprema de Deus, pode ser facilmente notada no empenho do Papa Bento XVI em que se tenha o máximo de cuidado na celebração dos atos litúrgicos: “Sem dúvida, a beleza dos ritos nunca será bastante procurada, nem suficientemente cuidada nem assaz elaborada, porque nada é demasiado belo para Deus, que é a Beleza infinita. As nossas liturgias terrestres não poderão ser senão um pálido reflexo da liturgia que se celebra na Jerusalém do Céu, ponto de chegada da nossa peregrinação na Terra. Possam, porém, as nossas celebrações aproximar-se o mais possível dela, permitindo-nos antegozá-la!”. 18
Importância do esplendor e perfeição dos ritos no mundo de hoje
Embora submetidas a alterações quanto à forma ao longo dos séculos, as celebrações litúrgicas, em especial a da Eucaristia, constituem o cerne da experiência do transcendente. Mesmo sem considerar os efeitos sobrenaturais produzidos pelo seu caráter sacramental, a beleza, o simbolismo e a estrutura do culto divino outorgam-lhe um papel fundamental na experiência humana, saciando o anseio da alma pela verdade e pelo bem.
Ora, nesta época de pragmatismo, mecanização e globalização, o esplendor e a perfeição na realização dos ritos litúrgicos adquirem uma importância cada vez maior. Neles o homem contemporâneo encontra como que um oásis de verum, bonum e pulcrum num mundo tão desprovido de beleza. Na Liturgia da Santa Igreja, além das graças necessárias ao progresso da alma na virtude, o espírito humano encontra incomparável alimento para o seu inato desejo do Absoluto, porque no centro da beleza e misticismo atemporais da Liturgia, dando-lhe estrutura e sentido, encontra-se a Beleza Eterna, Divina e Infinita. O próprio Deus.
10 Cf. PASTRO, Cláudio. O Deus da beleza: a educação através da beleza. São Paulo: Paulinas, 2008, p.69.
11 GARRIDO BONAÑO, OSB, Manuel. Curso de Liturgia Romana. Madrid: BAC, 1961, p.326327.
12 JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Mane nobiscum Domine, n.14.
13 Cf. ELLIOT, Peter. Guía práctica de la liturgia. 4.ed. Pamplona: EUNSA, 2004, p.72.
14 Cf. ARBOLEDA MORA, Carlos. Los alcances de la fe en la posmodernidad. In: Revista Lasallista de Investigación. Corporación Universitaria Lasallista – Colombia. v.V. N.2 (jul.dez., 2008); p.140.
15 MARINI, Piero. Liturgia e Bellezza – Nobilis Pulchritudo. Cidade do Vaticano: LEC, 2005, p.79.
16 BENTO XVI. Sacramentum caritatis, n.35.
17 PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A CULTURA. A “Via pulchritudinis”. Documento final da Assembleia Plenária, 2006, II.3.
18 BENTO XVI. Homilia na celebração das vésperas na Catedral de Notre Dame. Paris, 12/9/2008.