Mediação universal de Maria
Cássia Thaís Costa Dias de Arruda
Se assim é com um nobre, muito mais ainda o será com a Mãe de Deus. Aureolada de incontáveis títulos que tentam expressar as qualidades de sua alma, de Maria Santíssima “nunquam satis”2; d’Ela nunca será dito o suficiente, nem se esgotarão os louvores que lhe são devidos.
Dentre as diversas invocações atribuídas à Santíssima Virgem, trataremos neste artigo, de maneira especial, daquela que é de fundamental importância para a nossa salvação: Medianeira Universal de todas as graças.
Maria Santíssima: “Medianeira não necessária, mas desejada pela Providência”3
Ensina-nos o Doutor Angélico que o ofício de mediador entre Deus e os homens consiste em uni-los.4Desta forma, este ofício só pode atribuir-se de modo perfeito e absoluto a Nosso Senhor Jesus Cristo, “o único que nos pôde reconciliar com o Padre Eterno oferecendo-lhe, por toda a humanidade, um sacrifício de valor infinito, o da Cruz. […] Ele é mediador como homem, na qualidade de sua humanidade pessoalmente unida ao Verbo, e tendo ela recebido a plenitude da graça, a graça capital, que deve derramar-se sobre nós”.5
Apesar disso, abaixo de Deus existem os chamados “mediadores secundários” (secundum quid), que dispõem os homens a receberem as influências que dimanam do mediador supremo ― Cristo ― ou, por vezes, são eles mesmos que as distribuem, em função dos méritos do Redentor. Deste modo, agiram os profetas e os sacerdotes levitas do Antigo Testamento, bem como os sacerdotes de todos os séculos, na qualidade de ministros do mediador principal.6
Entretanto, no que diz respeito à mediação de Nossa Senhora, “ela não o é precisamente na qualidade de ministro, mas como associada à obra redentora de seu Filho”.7Tendo sido por ela que Deus enviou seu Filho ao mundo para redimir o gênero humano, é também por meio da Mãe de Cristo que Deus continua a distribuir o seu perdão e a sua misericórdia. “De tal maneira ela cooperou com toda a obra da redenção, e de tal forma que, depois do pecado original, nenhuma graça nos vem sem seu influxo”.8
Já desde os primeiros séculos do cristianismo, a Tradição Apostólica reconhece Maria Santíssima como medianeira entre Deus e os homens. Se, por exemplo, nos detivermos para analisar os ícones mais antigos existentes na Igreja, constataremos que eles, em sua grande maioria, apresentam a Santíssima Virgem com o seu Divino Filho nos braços. Tais imagens simbolizam que Maria, sendo Mãe de Deus, tornou-se Senhora de toda a criação, e “enquanto Mãe de Deus, sua súplica é governativa por vontade de Deus”.9
A mediação de Maria é, portanto, uma mediação subordinada à do Salvador. Não é de caráter estritamente necessário ― uma vez que a de Nosso Senhor Jesus Cristo é absoluta e não precisa de complemento ― mas “desejada pela providência, como o mais excelente fulgor da mediação de Cristo”.10
Desta forma, é absolutamente lícito e de acordo com a doutrina da Igreja afirmar que, por vontade de Deus, nenhuma graça trazida por Cristo com a sua Redenção ― nihil prorsus ― é comunicada aos homens sem o intermédio de Maria.11A este respeito, nos assegura São Bernardino de Sena que “todas as graças que são concedidas ao mundo percorrem este caminho: de Deus descem para Cristo, de Cristo descem para a Virgem e, finalmente, pela Virgem, em uma ordem admirável, são distribuídas entre nós”.12
Sendo Cristo cabeça da Igreja, a piedade cristã costuma figurar Maria como sendo o pescoço, pois “todos os dons, todas as graças, todos os influxos celestiais procedem de Cristo, como da cabeça, e passam por Maria, como pelo pescoço, ao corpo da Igreja”.13Assim como o corpo não pode receber nenhum comando da cabeça, sem que este antes passe pelo pescoço, de igual modo, nenhuma graça é recebida de Cristo sem o auxílio de Maria.
Reconhecida de tal modo pela piedade cristã, a ordem das coisas faz com que também seja por meio de Nossa Senhora que as súplicas da humanidade subam até o trono do Altíssimo, pois “o termo ‘mediação’, ou ‘medianeira’, além de convir à distribuição de todas as graças […], convém também, e sobretudo, à obtenção de todas as graças”.14
1ROBERT, Henri. Os grandes processos da História. Trad. Juvenal Jacinto. Porto Alegre: Globo, 1939. Vol. IV. p. 37.
2CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A entrega do Brasil ao Imaculado Coração de Maria. In: Revista Dr. Plinio. São Paulo: Retornarei, n. 42, set. 2001. p. 7.
3CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. São Paulo: Ipsis, 2010. Vol. II. p. 126.
4SÃO TOMÁS DE AQUINO. S. Th. III. q. 26, a.1.
5CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. Op. cit. Vol. I. p. 126.
6ENRIQUE MERKELBACH, Benito. Mariologia: Tratado de la Santisima Virgen Maria Madre de Dios y Mediadora entre Dios y los hombres. Madrid: Bilbao, 1954. p. 414-415.
7CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. Op. cit. Vol. I. p. 127.
8“de tal manera cooperó a toda la obra de la redención, y en tal forma que, después del pecado original, ninguna gracia nos viene sin su influjo” (ENRIQUE MERKELBACH, Benito. Op. cit. p. 421. Tradução da autora).
9CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Com o cetro de Deus nas mãos. In: Revista Dr. Plinio. São Paulo: Retornarei, n. 152, Nov. 2010. p. 36.
10CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. Op. cit. Vol. II. p. 128.
11ROSCHINI, Gabriel. Op. cit. p. 101.
12SÃO BERNADINO DE SENA apud ROSCHINI, Gabriel. Op. cit. p. 101.
13“Todos los dones, todas las gracias, los influjos celestiales todos, proceden de Cristo, como de cabeza, y pasan por María, como por el cuello, al cuerpo de la Iglesia” (SÃO ROBERTO BELARMINO. In: LÓPEZ MELÚS, Rafael María. Nuevas alabanzas a María. Sevilla: Apostolado Mariano, 2000. p. 155. Tradução da autora).
14ROSCHINI, Gabriel. Op. cit. p. 83.