Deus Se oculta aos olhos de quem O ama?
Bruna Corrêa Salgado
No caminho de volta, “São José e a Santíssima Virgem, não vendo o Menino a seu lado, creram, cada um por sua parte, que Ele ia em companhia do outro”, 1 julgando assim que estava na caravana. Porém, ao chegar o fim do dia, quando pararam “para passar a noite, os membros de cada família reuniram-se para compartilharem de um acampamento comum e foi só então que se pôde dar pela ausência de Jesus”.2 Aflitos, Maria e José começaram a procurá-Lo entre os parentes e conhecidos. Não O tendo encontrado, voltaram para Jerusalém à sua procura (cf. Lc 2, 44-45). Encontraram o Menino sentado no meio dos mestres, escutando e fazendo perguntas. Todos os que O ouviam estavam “maravilhados com sua inteligência e respostas”.3 “Ao vê-Lo, seus pais ficaram muito admirados e sua Mãe Lhe disse: ‘Meu filho, por que agiste assim conosco?” “Jesus respondeu: ‘Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?’” (Lc 2, 48-49).
Depois de percorrermos tão magnífica passagem do Evangelho, surge imediatamente a pergunta: por que o Divino Menino resolveu abandonar seus pais sem os avisar, deixando-os na ansiedade de reencontrá-Lo, pensando talvez que O tivessem perdido para sempre? Este fato não terá certa ligação com o que ocorre com muitas almas?
Para melhor compreendermos como esse episódio ocorrido com Nossa Senhora e São José também se apresenta na vida espiritual dos fiéis, consideremos as belíssimas pinturas de um grande artista do século XVII, Claude Lorrain cuja especialidade é pintar muros velhos, leprosos, escalavrados […] sobre os quais, porém, bate um sol magnífico”.4 E esses cenários parecem se transformar em imensas e suntuosas cortes.5
Tal como o Sol, age a graça divina na alma.
Ela é, digamos, a tinta celestial que Nosso Senhor utiliza, como se fosse um infinito Claude Lorrain da criação. […] Visto à luz da graça concedida por Deus, tudo o que é árido e difícil se torna belo. A perda desse momento de ver as coisas pode ocorrer por culpa nossa, porque cedemos aos nossos egoísmos, caprichos e manias. Ou por decisão de Deus que, nos seus insondáveis desígnios, deseja nos provar: depois de nos cumular com seus dons, de nos favorecer com maravilhosas situações à la pintura de Claude Lorrain, permite que tudo se apague de repente.6
Portanto, “há momentos de nossa existência nos quais temos a sensação de ter ‘perdido o Menino Jesus’, isto é, com ou sem culpa nossa, a consolação espiritual desaparece e nos sentimos desamparados”.7 Bem podemos compará-los aos dias que ora se apresentam claros e radiantes, ora nublados e tenebrosos: não vemos o Sol, mas ele continua brilhando atrás das nuvens.
Muitas vezes essas almas se julgam verdadeiramente abandonadas, mas não é propriamente o abandono, é a provação, qualquer que seja, a aridez, a frieza… Tudo é escuro e às vezes ela mesma se julga coberta de manchas, digna dos piores castigos. 8 “A variedade destes pensamentos é infinita, mas todos conduzem a uma conclusão semelhante: perdi Jesus, abandonou-me, não O tornarei a encontrar”.9
Afirma São Francisco de Sales:
Acontece algumas vezes que não encontramos consolação alguma nos exercícios do amor divino, de forma que, como cantores surdos não ouvimos a própria voz, nem podemos gozar da suavidade do nosso canto; mas, além disso, estamos cheios de mil temores, preocupados com mil ninharias com que o inimigo cerca o nosso coração, sugerindo-nos que talvez não sejamos agradáveis ao nosso mestre e que nosso amor é inútil ou ainda que é falso e vão, por não nos produzir consolação.10
Desse modo, “o demônio consegue persuadir uma pessoa de que ela pecou, embora se conserve inocente. Sobrevém-lhe então a tristeza, a sensação de abandono e miséria imaginando ter ofendido a Deus”.11 O homem fica tão horrorizado com a tentação, com a perda dessa sensibilidade que, em certas horas, ele próprio não sabe se é ou não amado por Deus.12
Ao tratar sobre as oscilações tão comuns à alma humana, González ressalta:
Umas vezes sente-se cheia de fervor e de consolações sensíveis na oração e nas demais obras do serviço divino, e outras, pelo contrário, vê-se mergulhada na maior insensibilidade e aridez de espírito, não encontrando prazer, nem gosto, senão tédio, fastio e desalento em todos os seus exercícios.13
“Deus permite essa situação. Ele retira de nós os auxílios sobrenaturais pelos quais a vida parece tão alegre, e nos vemos abandonados, tristes e sem força”.14 Eis aqui a grande aflição do coração humano que verdadeiramente ama a Deus e deseja ser por Ele amado! A alma se vê privada de consolações e gostos, cai no desalento, pensando que não há valor algum em tudo aquilo que faz; que perde tempo inutilmente, que não tem bom espírito nem verdadeira virtude, que não ama nem agrada a Deus, e que Deus a abandonou e afastou-a de Si.15
São João da Cruz mostra-nos três sinais pelos quais discernimos os períodos de aridez. O primeiro deles consiste em que não se tem mais gosto nem consolação nas coisas de Deus, nem tampouco nas coisas criadas. Disto decorre uma certa inquietação, a qual consiste no segundo sinal: a pessoa pensa não estar servindo a Deus, mas sim, voltando atrás no seu serviço. Isto acontece por causa do desgosto que se sente nas coisas espirituais. E, como terceiro sinal, a oração torna-se impossível, e, em lugar de pensar em Deus, a pessoa deseja a Deus,16 mas Ele parece esconder-Se.
Até mesmo grandes santos passaram por esses períodos tenebrosos! Assim comenta Tomás Kempis:
Nunca encontrei homem tão religioso e devoto, que não sofresse, às vezes, a subtração da graça e sentisse o arrefecimento do fervor. Nenhum santo foi tão altamente arrebatado e esclarecido que, antes ou depois, não fosse tentado. Porque não é digno da alta contemplação de Deus quem por Deus não sofreu alguma tribulação.17
Por exemplo, Santa Teresa de Jesus afirma “ter experimentado muitas vezes esse estado, mesmo naquela época em que o Senhor já havia elevado o seu espírito aos graus mais elevados da oração”.18 O mesmo aconteceu com Santa Joana de Chantal no fim de sua existência: “foi tal a intensidade, tal a amargura da sua aridez e desolação interior, que a sua vida não era senão um martírio ininterrupto e uma agonia continuada, mais penosa que a própria morte”.19
E o que não dizer da grande Doutora da Igreja, Santa Teresinha do Menino Jesus?
[…] era um braseiro de amor a Deus, mas sua alma passou por longos períodos de aridez. Em certas ocasiões essas penas espirituais a afligiam até mesmo durante o cântico do Ofício. Entretanto, nas mais diversas provações, ela se mantinha serena, e já no fim de sua vida, devorada por tentações contra a fé, ela resistia de modo admirável e completo.20
A aridez espiritual, longe de ser sempre “sinal de falta de virtude, é, pelo contrário, em muitas ocasiões, efeito do amor especialíssimo que Deus tem àquelas almas que deseja elevar a grande perfeição, às quais quer pôr à prova e purificar dessa maneira”.21
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1 SÃO BEDA, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. Exposición del Evangelio de San Lucas. C. II, v. 42-50: “San José y la Santísima Virgen, no viendo al Niño a su lado, creyeron cada uno por su parte que iría en compañía del otro” (Tradução da autora).
2 FILLION. Jesus Cristo segundo os Evangelhos. Op. cit. p. 87.
3 CLÁ DIAS. Op. cit. p. 136.
4 Ibid. p. 33.
5 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Feerias de sol, belezas de Deus. In: Dr. Plinio. São Paulo: Ano III, n. 22, jan. 2000, p. 32-33.
6 Ibid. p. 34.
7 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Como encontrar Jesus na aridez? In: O inédito sobre os Evangelhos. Comentários aos Evangelhos dominicais. Advento, Natal, Quaresma e Páscoa. Solenidades do Senhor que ocorrem no Tempo Comum. Ano C. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiae, 2012, v. V, p. 140-141.
8 Cf. BEAUDENOM, Léopold. Meditação LXXVI. Jesus perdido e achado. In: Meditações afectivas e práticas sobre o Evangelho. Porto: Educação Nacional, 1936, t. I, p. 362-363.
9 Ibid. p. 369.
10 SÃO FRANCISCO DE SALES. Nas provas da vida interior, nas enfermidades da alma e do corpo, etc. In: HUGUET, S. M. (Org.). Pensamentos consoladores de São Francisco de Sales. 2. ed. São Paulo: Salesiana, 1926, p. 131-132.
11 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. “Senhor, atende-me na tua justiça!”. In: Dr. Plinio. São Paulo: Ano IX, n. 97, abr. 2006, p. 13.
12 Cf. Loc. cit.
13 GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ, Emilio. A perfeição cristã: segundo o espírito de São Francisco de Sales. Porto: Figueirinhas. [s.d.], p. 215.
14 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O Sibarita, o herói e o Mártir do Gólgota. In: Dr. Plinio. São Paulo: Ano VI, n. 68, nov. 2003, p. 17.
15 Cf. GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ. Op. cit. p. 216.
16 Cf. STINISSEN, Wilfried. A noite escura segundo São João da Cruz. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001, p. 13-14.
17 KEMPIS, Tomás. Imitação de Cristo. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 113.
18 GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ. Op. cit. p. 217.
19 Ibid. p. 217.
Um fundador de uma associação católica descreve sobre almas que aceitam, o sofrimento por amor a Deus,
“Eu acharia normal que N.Sra sustentasse almas dispostas a sofrer e dispostas a fazer do seu sofrimento seu primeiro apostolado, almas assim eu diria que são as primeiras de um, (movimento) e que fazem a coisa mais difícil a coisa mais necessária. Sofrer antes de tudo aceitar bem aquilo que Deus manda, que Deus permite. S. Terezinha tem um pensamento lindíssimo a esse respeito ela disse que tinha vontade de ser tudo, ela tinha vontade de ser missionária em todos os cantos do mundo, padre em todos os lugares da terra, apóstolo leigo, ela tinha vontade de fazer tudo pela igreja em todos os lugares, em todos os campos, e que chegava a constituir para ela um verdadeiro tormento, mas a partir do momento em que ela entendeu que sofrendo ela sofria pelos que fazem tudo isso e que ela estava em todos os lugares ao mesmo tempo fazendo tudo, aí ela encontrou animo de sofrer e encontrou paz para a alma dela.”
Gostei de me aprofundar na nessas santas passagens de DEUS !!