O verdadeiro amor
Ir. Rita de Kássia Carvalho Defanti da Silva, EP
O que é o amor? São Tomás de Aquino define o amor como “o princípio do movimento do apetite racional, do querer livremente o fim amado, que é o bem.”[2] Ele é ativo e, de certa forma, impelido pela vontade, ou seja, uma reta vontade gera um bom amor; uma vontade degenerada, um mau amor. Santo Agostinho diferencia o amor de duas formas: quando se ama os homens e as coisas criadas em função de Deus, é caridade; voltar-se para si, amar o mundo e o que é do mundo, é concupiscência.[3] O amor é verdadeiro quando é fundamentado em Deus e deve ser direcionado e ordenado a Deus. Em função d’Ele, deve-se amar os homens e as coisas criadas por Ele, A esse respeito, comenta Monsenhor João: “existem dois amores: um é o amor verdadeiro; é o amor de Deus. Outro é o amor egoísta, romântico, sentimental; é o amor por interesse”.[4] O primeiro traz satisfação, gozo, alegria e paz. O outro proporciona angústia, frustração e lágrimas. Não existe um amor intermediário.
Santo Agostinho é categórico em afirmar: “Que se diz de vós? Para nada amar? Nunca! Imóveis, mortos, abomináveis, miseráveis, eis o que seríeis se não amásseis nada. Amai, mas prestai atenção ao que deve ser amado”.[5]
As ações do amor, em nós, podem ser classificadas em espirituais, racionais e sensuais. Entretanto, ao espargir sua força nestas três operações, torna-se mais extenso, porém, menos intenso, pois assemelha-se ao fogo. Imaginemos um canhão. Não é verdade que a chama, forçada a sair por uma única abertura, sai com um ímpeto muito maior do que se nele houvesse duas ou três brechas? Assim é o amor. A sua força encontra-se nas operações intelectuais, por ser a parte mais elevada da alma e na qual se constitui a essência do amor.[7]Quem deseja ter um amor não só nobre e generoso, mas também forte, vigoroso e ativo, deve procurar direcioná-lo e retê-lo às ações espirituais, para que não aconteça que, dispersando-se, enfraqueça.
O amor intelectual e cordial — diz São Francisco de Sales — que “deve dominar em nossa alma, recusa toda sorte de uniões sensuais e contenta-se com a simples benevolência”.[8] E continua: “quanto mais a causa do amor é elevada e espiritual, tanto mais as suas ações são vivas, subsistentes e permanentes, e não se poderia melhor aniquilar o amor, do que rebaixando-o às uniões vis e terrestres”.[9]
A causa de nossa união afetiva com Deus
“Amarás o Senhor teu Deus com todo teu coração, de toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 5). À primeira vista, este preceito pareceria uma exigência do Criador para que as criaturas O amassem. Entretanto, se na vida comum somos inclinados a querer aqueles que de alguma maneira nos fazem um bem, qual não deveria ser nosso sentimento em relação Àquele que nos tirou do nada, deu-nos a vida e nos mantém no ser? E mais, vela por cada um, seja um insignificante inseto, sejam gigantescos animais ou monstros marinhos, “nem um só deles passa despercebido diante de Deus” (Lc 12, 6). Se tal é o cuidado de Deus pelos animais, qual não será o desvelo pela criatura que Ele designou para ser rei do universo, fazendo-a “à sua imagem e semelhança?” (Gn 1, 26). “Até os cabelos de vossa cabeça estão contados. Não temais” (Mt 10, 31). Como pode o homem responder a esse amor de predileção?
Assegura São Bernardo: “De todos os movimentos da alma, sentidos e afeições, o amor é o único com que pode a criatura, embora não condignamente, responder ao Criador e por sua vez, dar-lhe outro tanto”.[10] Deus nos escolheu entre infinitas criaturas, “pois ama tudo que existe e não odiou nada do que fez, porquanto, se houvesse odiado, não o teria criado” (Sb 11, 24). Deus não ama as coisas por serem boas; antes, ao amá-las, infunde-lhes o bem. Das criaturas racionais — Anjos e homens — espera receber o amor e para isso foram criadas: para amar e servir a Deus neste mundo e depois gozar de sua presença na eternidade. Diz o Eclesiastes: “Ama com todas as tuas forças aquele que te criou” (Eclo 7, 32). E o Apóstolo amado: “Amamos, porque Deus nos amou primeiro” (I Jo 4,19). Acrescenta ainda Monsenhor João:
Sim, nossa caridade não é mais do que uma restituição pelos favores sem conta que, de sua bondade, recebemos. Como Criador Ele nos deu o ser, nos mantém e nos manterá para sempre; como Redentor, nos salvou, encarnando-Se e sofrendo os tormentos da Paixão; como Pai, quis introduzir em nós a vida divina, “para que sejamos chamados filhos de Deus (I Jo 3,1)”. Ele é nossa bem-aventurança! É, portanto, na adesão total a Ele, pela prática deste mandamento — e não nos gostos terrenos e fragmentários — que encontraremos a plena felicidade.[11]
[1] AGOSTINHO. Santo. Confissões. Livro XIII, 9, 10
[2] OMÁS DE AQUINO, Santo. Suma Teológica. I-II. q. 26. a. 1.
[3] AGOSTINHO. Santo. Comentários aos Salmos. 2ª ed. Trad. Monjas Beneditinas. São Paulo: Paulus, 2005. v. I. 31 II, 5. p. 354.
[4] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Homilia. Mairiporã, 2006. (Arquivo IFTE).
[5] AGOSTINHO. Loc. Cit
[7] SÃO FRANCISCO DE SALES. Tratado do amor de Deus. 2ª ed. Trad. Pe Augusto Durão Alves. Porto: Apostolado da imprensa, 1950, p. 48.
[8] SÃO FRANCISCO DE SALES. Op. cit. p. 50.
[9] SÃO FRANCISCO DE SALES. Op. cit. p. 51.
[10] SÃO BERNARDO. Dos sermões sobre o Cântico dos Cânticos. In: COMISSÃO EPISCOPAL DE TEXTOS LITÚRGICOS. Liturgia das horas. Petrópolis: Vozes, Paulinas, Paulus, Ave-Maria. Vol. II, p, 1210.
[11] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. As duas asas da santidade. In: O inédito sobre os Evangelhos. Comentários aos Evangelhos dominicais do Tempo Comum. Ano B. Città del Vaticano – São Paulo: LEV, Lumen Sapientiae, 2014, v. IV, p. 471.
Salve Maria!
O amor a Deus não é o amor em tese, porque já viu a Deus? Ninguém viu, a Providencia manda uns homens providenciais para compreender mais quem é Deus, amando a eles vai crescer no amor a Deus.