Necessidade do sacrifício
Ir Mirna Gama Máximo, EP
O homem, depois de ter pecado e ter sido expulso do Paraíso, onde vivia em estado de graça, perdeu aquela pureza e inocência primevas e adquiriu uma infinita dívida diante de Deus. Sabia que merecera a morte como castigo de sua culpa e viu-se na contingência de reparar seu pecado, para que, purificado, se reconciliasse com o Criador e fosse salvo. Por este motivo, passou a oferecer-Lhe algo que de certa forma compensasse sua dívida, como por exemplo, a vida de um animal.
A ofensa feita a Deus exige uma reparação. Como honrar Deus de ora em diante, sem efetuar inicialmente alguma espécie de reparação, que apague a injúria? Já que incorremos em seus justos castigos, como não nos apressarmos em afastá-los, prioritariamente por alguma espécie de satisfação, antes de implorar seus favores? Esta é a necessidade que visa, ou procura atender, o sacrifício expiatório.1
Eis o que significava a maioria dos sacrifícios do Antigo Testamento.2 Royo Marín assim define:
O sacrifício é o ato mais importante do culto externo e público, o mais solene e excelente com que se pode honrar a Deus. […] Em sentido estrito, se define: a oblação externa de uma coisa sensível com certa mutação ou destruição da mesma […] para testemunhar seu supremo domínio e nossa completa sujeição a Ele.3
Vemos, assim, que o homem sentia uma grande necessidade de oferecer sacrifícios. E São Tomás 4 aponta três motivos para tal. Primeiramente para remir o pecado, que afasta o homem de Deus. Em segundo lugar, para que o homem possa conservar-se no estado de graça, sempre unido a Deus, no que consiste sua paz e salvação. Finalmente, para que o espírito do homem esteja perfeitamente unido a Deus, como acontecerá na glória.
Os sacrifícios não eram feitos somente em função dos pecados, mas eram também uma forma de louvar a Deus e honrá-Lo. Assim, os sacrifícios podiam ser: lautréticos, de simples adoração a Deus; impetratórios, para pedir benefícios; satisfatórios, em reparação dos pecados; e eucarísticos, em ação de graças pelos benefícios recebidos.5 Portanto, não só os pecadores deveriam oferecê-lo, mas também os justos.
Para esses sacrifícios, deveriam os homens, oferecer o que possuíam de melhor, o que tinha maior valor e perfeição. Assim sendo, queimavam frutos e imolavam animais, tais como cordeiros e pombas, entre outros tipos de oferecimento.
Ora, o Salmo diz: “Vós não Vos aplacais com sacrifícios rituais; e se eu Vos ofertasse um sacrifício, não o aceitaríeis. Meu sacrifício, ó Senhor, é um espírito contrito, um coração arrependido e humilhado, ó Deus, que não haveis de desprezar” (Sl 50, 18-19). Qual seria, então, a razão da importância e a necessidade de oferecer sacrifícios?
De fato, de nada adiantam as práticas meramente exteriores se não houver sinceridade de coração. O homem não é puro espírito, mas sim, um composto de corpo e alma. Portanto, suas disposições interiores devem ser exteriorizadas de alguma forma.
“Faltaria algo para oferecer a Deus se Ele fosse homenageado somente em espírito. […] A vida do espírito se apaga se não for traduzida para uma linguagem feita para nossos sentidos”.6 Assim também se exprime o Doutor Angélico: “Todo aquele que oferece um sacrifício deve dele participar, porque o sacrifício que se oferece exteriormente é sinal do sacrifício interior, pelo qual a própria pessoa se entrega a Deus”.7
O sacrifício na vida do homem
Ao deitarmos um rápido olhar sobre a História, vemos como todos os povos das mais diversas religiões e épocas ofereceram sacrifícios. Porém, quantos deles provocaram a ira e o desgosto de Deus, pois eram dirigidos a deuses inexistentes, sendo, na realidade, ocasião das piores idolatrias e de práticas abomináveis! Os babilônios e os persas, por exemplo, ofereciam sacrifícios humanos. Os príncipes fenícios imolavam o filho predileto para abrandar a cólera dos deuses. Os sacerdotes astecas, no México, exigiam vinte mil vítimas humanas por ano, das quais arrancavam o coração ainda palpitante, para o apertarem sobre os lábios do ídolo.8 Eram religiões falsas e vãs, que, assim, também invalidavam seus sacrifícios.
O povo eleito também ofereceu sacrifícios. O que dizer sobre seus sacrifícios? Instruído pelo próprio Deus, os israelitas apresentavam, de maneira distinta, os sacrifícios de louvor, de agradecimento, de reparação, de acordo com quem iria oferecê-lo: sacerdote, chefe ou homem do povo (cf. Lv 1-7). Esses sacrifícios eram agradáveis a Deus, como provam algumas passagens da Escritura, entre as quais a seguinte:
Depois do dilúvio que Deus mandou à Terra por castigo de seus pecados, Noé saiu da arca e levantou um altar, e ofereceu em holocausto. “O Senhor respirou um agradável odor” e prometeu não mais amaldiçoar a Terra, como tinha feito (cf. Gn 8, 20-21).
Porém, eram sacrifícios imperfeitos e defeituosos; não podiam apagar os pecados nem conferir a graça. Como a imolação de um animal irracional poderia reparar as ofensas contra Deus, que é infinito, puro e perfeito? Como devia ser terrível ter a alma manchada por causa dos pecados, a consciência inquieta por ter ofendido ao Deus-Justiça, Senhor dos exércitos, e, pior ainda, passar a vida inteira fazendo penitência e oferecendo sacrifícios sem ter a certeza de estar perdoado!
Mas Deus não abandonou o seu povo nas mãos da morte. “Esses sacrifícios foram apenas o grito de ignorância da humanidade que clamava por um perfeito sacrifício de expiação e reconciliação”.9 Por sua misericórdia e bondade infinitas, Ele mesmo Se tornaria sacrifício para redimir a humanidade perdida. Nem os frutos, nem os animais, nem mesmo o homem, culpado do pecado, seriam capazes de restabelecer a nossa amizade com o Senhor. Só Deus, Infinito e Santo, pode apagar a ofensa feita contra Si mesmo. Foi assim que, na plenitude dos tempos, o Verbo Se fez carne para resgatar, pela sua própria morte, os que estavam condenados à morte.
Todos os sacrifícios oferecidos até então foram meras pré-figuras deste supremo e perfeitíssimo sacrifício!
1 AA.VV. Eucharistia. Encyclopédie populaire sur l’Eucharistie. Paris: Bloud et Gay, 1947, p. 154. (tradução da autora).
2 PARSCH, Pius. Para entender a Missa. 2. ed. Rio de Janeiro: Mosteiro São Bento, 1938, v. III, p. 14.
3 ROYO MARÍN, Antonio. Teología Moral para Seglares. 2. ed. Madrid: BAC, 1961, v. I, p. 286.
4 TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma Teológica. III, q. 22, a.2.
5 Cf. ROYO MARÍN. Teología Moral para seglares. Op. cit. p. 286.
6 AA.VV. Op. cit. p. 153.
7 TOMÁS DE AQUINO, Santo. S. Th. III, q.82, a. 4.
8 FIGUEIREDO, Pedro Paulo de. Adoração a Deus: o sacrifício. Arautos do Evangelho. São Paulo, n.11, nov. 2002. p. 17.
9 PARSCH, Pius. Op. cit. p.11
Salve Maria!
No livro Liber Cantualis, Adoro te devote, dois trechos muito bonitos: Senhor Jesus, piedoso pelicano, que eu, imundo, seja purificado pelo vosso Sangue! Do qual uma só gota basta para salvar o mundo inteiro de todo crime.
Ó Jesus, que agora velado vejo! Eu Vos rogo, concedei-me o que tanto anelo: que sem véus possa um dia contemplar-Vos e pela visão de vossa glória possa ser contado entre os bem-aventurados. Amem.