O Discípulo Amado
Ir. Carmela Werner Ferreira, EP
Assim, ao inexprimível enlevo que conduziu os reis magos a Belém, seguiu-se a fúria ardilosa de Herodes. As entusiasmadas manifestações das multidões perante os prodígios do Homem-Deus eram simultâneas aos pérfidos conciliábulos do Sinédrio, e as mostras de gratidão e reconhecimento dadas por Maria Madalena foram acompanhadas pela inveja de Simão fariseu e a avareza de Judas Iscariotes. Essas posições bem delineadas continuarão a ser assumidas pela humanidade, ao longo da História, diante da figura adorável do Verbo Encarnado e assim será até o grande dia em que Ele vier no esplendor de Sua glória julgar os vivos e os mortos.
Entretanto, não foi por falta de amor de Jesus que muitos O rejeitaram. As sagradas narrativas da Escritura demonstram a que extremo Jesus levou a bondade e misericórdia pelas almas que se abriram à Sua pregação. E dentre as figuras que emergem no Evangelho, uma há que se destaca como o depositário das divinas afeições e prodigalidades de Jesus: é João Evangelista, o apóstolo virgem, o Discípulo Amado.
Jesus conclama os primeiros apóstolos
João foi o mais jovem dos apóstolos e teria por volta de vinte anos quando encontrou Jesus, após ter sido discípulo de João Batista. A juventude transcorria-lhe serena entre as práticas do ofício de pescador e o culto ao Deus de Israel. Seu coração preservado das inebriantes mentiras do pecado e dotado das puras inclinações inerentes à inocência fizera dele o objeto da divina predileção de Jesus.
O convite deu-se num dia de laboriosa atividade pesqueira na região de Cafarnaum. Após ter inaugurado o Colégio Apostólico chamando Pedro e André, Jesus “viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam numa barca juntamente com seu pai Zebedeu, consertando as suas redes. E chamou-os. Eles, deixando imediatamente a barca e o pai, seguiram-No” (Mt 4, 21-22).
Tem-se todos os elementos para crer que São João Evangelista fora um menino com vigorosos traços contemplativos, os quais foram a causa de sua imediata consonância com o Salvador. O mesmo Deus que o chamava naquele dia havia preparado sua alma, desde os primeiros lampejos do uso da razão, para esse supremo encontro.
Ao lado do Mestre
O Discípulo Amado gozou do convívio com Jesus durante toda a Sua vida pública, viu o alvorecer da História da Salvação desenrolar-se diante de seus olhos e abeberou-se dos ensinamentos do Mestre na mais excelente das fontes: a Sua Pessoa sagrada. Ó feliz apóstolo, que teve a alma modelada pela presença redentora de Cristo! Eis o exemplo mais puro das santas veredas do discipulado!
Na sequência das portentosas manifestações de Jesus, vemos São João constantemente a Seu lado, servindo-O muito de perto. Ele maravilhou-se com o primeiro milagre em Caná, sentiu seus braços arquearem-se sob o peso dos cestos repletos de pães que o Mestre havia multiplicado por compaixão da multidão faminta; viu os aleijados e leprosos lançarem longe suas amarras em meio a cânticos de ação de graças e esquecerem-se num só momento anos inteiros de atrozes sofrimentos. Seus olhos encontravam-se com os de Jesus após tudo isso e sua alma grata reconhecia interiormente estar diante do Messias, o Esperado das Nações.
Nos momentos de oração, quando o Salvador se retirava para o alto das montanhas, ele O admirava nos divinos colóquios com o Pai, e adentrava a indizível atmosfera de bênçãos que envolvia aquelas supremas conversações. Era-lhe impossível não amar um tão grande Deus feito homem e, sobretudo, recusar as manifestações do amor inesgotável que Jesus lhe devotava.
Lembremo-nos aqui de seu caráter veemente que lhe mereceu, com seu irmão Tiago, o cognome de Boanerghes, que significa “os filhos do trovão” (Mc 3, 17). Sem deixar de se manifestar ardoroso, ia-se acrescentando à sua personalidade aquela doçura que é propriamente o sinal indelével de um seguidor de Cristo. Como veremos, esta suavidade de espírito marcou-o profundamente, porque Jesus havia-lhe reservado, ademais, a mais benfazeja das companhias.
Quinze anos de celestial convívio com Maria
Tendo acompanhado Jesus no Monte da Transfiguração e no Horto das Oliveiras, foi durante a agonia do Senhor que as garras da tibieza vieram arranhar-lhe a fidelidade. De fraquezas indesculpáveis como a de não acompanhar Jesus por uma hora sequer em meio a Suas mortais tristezas e fugir por medo dos soldados dos pontífices e fariseus, originou-se um perdão restaurador. A vergonha de tê-Lo abandonado afligiu sua alma, antes que a todos os outros, e seu espírito contrito, no qual soprava a graça do arrependimento, o armou de santa coragem e o conduziu aos pés da Cruz.
No doloroso momento em que se consumava o deicídio, Jesus teve ainda duas alegrias: a de levar Consigo, para o Reino dos Céus, o Bom Ladrão e ver voltar com humildade o filho que, horas antes, pousara a cabeça sobre Seu peito e ouvira o pulsar do Coração abrasado de amor pelos homens.
A João, que livrava naquele momento o Colégio Apostólico da completa deserção e representava toda a humanidade, foi concedido o maior dos tesouros: “Jesus, vendo Sua mãe e, junto dEla, o discípulo que amava, disse a Sua mãe: ‘Mulher, eis o teu filho’. Depois disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe’, E, desde aquela hora, o discípulo recebeu-a na sua casa” (Jo 19, 26-27).
É isto tudo quanto sabemos pela Revelação acerca do período bendito que a Santíssima Virgem permaneceu ainda nesta Terra. A mais sólida tradição no-lo aponta como tendo sido de quinze anos, aproximadamente. Ela esteve em Jerusalém até a dispersão dos apóstolos e depois na Ásia Menor, a região onde São João exerceu sua missão evangelizadora. É em Éfeso que o peregrino encontrará a “Casa de Maria”, uma singela construção venerada desde tempos imemoriais como a derradeira moradia da Rainha dos Céus. Se àqueles tijolos fosse dada a faculdade de falar, quantas maravilhas eles teriam a nos dizer…
Uma réplica definitiva
O Discípulo Amado já havia exercido longos anos de atividades apostólicas quando surgiu, em meio aos cristãos de seu rebanho, a heresia gnóstica. Esta foi a mais terrível inimiga da divindade de Cristo, pela qual cristãos dissimulados afirmavam ser mais importante e louvável o conhecimento adquirido que a santidade de vida. A virtude era — diziam — uma aspiração para os menos capacitados, um anelo desprezível para quem já atingiu os elevados páramos da inteligência. Como conseqüência dessa nefasta influência, ficava subentendido que cada um poderia levar a vida moral pecaminosa que quisesse, desde que evoluísse na compreensão da pura doutrina. Sobretudo, negavam a Pessoa divina de Jesus, interpretando num plano natural toda a transcendência da Revelação.
Foi de tal maneira sagaz e sorrateira a ação dos gnósticos, que para discernir o teor de sua maldade e a gravidade de seus efeitos, era preciso ter convivido longamente com aquele Deus feito homem que ressuscitou-Se a Si mesmo e a Quem os mares e o céu obedeciam.
Num período em que todos os demais apóstolos já haviam selado sua entrega a Cristo com o próprio sangue, o único dos doze que ainda pelejava era também o único que tinha autoridade para replicar: “O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos olhos, o que temos contemplado e as nossas mãos têm apalpado no tocante ao Verbo da vida – porque a vida se manifestou, e nós a temos visto; damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna, que estava no Pai e que se nos manifestou – o que vimos e ouvimos nós vos anunciamos” (1 Jo 1, 1-3)
É esta peculiar circunstância histórica que torna os escritos de São João — seu Evangelho, as três Epístolas e o Apocalipse, redigidos na última década do primeiro século — a rocha firme sobre a concepção da Pessoa de Cristo destinada a fulgurar por todo o sempre.
A primazia do amor
Compreender São João Evangelista é no fundo compenetrar-se que “Deus é amor” (1 Jo 4, 8). A caridade pregada por ele é a mais perfeita fonte de santidade, a mais segura garantia contra o pecado e a mais excelente marca da filiação divina. Quando lemos no Apocalipse a admoestação feita à igreja de Éfeso: “Mas tenho contra ti que deixaste o teu primeiro amor” (Ap 2, 4), enchemo-nos de confusão, porque quiçá mais que para ela, essa palavra valha para nós. A humanidade, que se verga sob a dura tirania da escravidão ao pecado, esqueceu-se da insuperável felicidade da inocência batismal. No momento em que o amor materno da Santíssima Virgem nos obtiver aquela graça de compunção que restaurou a fidelidade de São João, nós também acorreremos aos pés da Cruz e gozaremos outra vez do “primeiro amor” e da sublime intimidade com o Coração de Cristo.
Revista Arautos do Evangelho – dez 2007
Salve Maria ! lindíssimo e belíssimo , palavras que nos conforta e fortalece ! DEUS É AMOR ! Maria Santíssima cubra com o Manto Divino a todos os Arautos do Evangelho da primeira e segunda ordem , amém .