O pecado
Anna Luiza Cendon Finotti
Entretanto, “antes de sentenciar os sofrimentos aos quais a natureza humana estaria sujeita na terra de exílio, Deus nos prometeu a vinda de um Salvador, […]garantindo-nos o perdão”. 4 Igualmente, deu-nos o sacramento do Batismo que apaga o pecado original e “nos eleva muito acima da nossa natureza humana para nos tornarmos verdadeiros filhos e herdeiros da Santíssima Trindade” 5.
Contudo, quando pecamos afastamo-nos novamente de Deus e rompemos com essa amizade, pois, como tão bem define Santo Agostinho, o pecado constitui uma aversio a Deo et conversio ad creaturas, afastar-se de Deus e um voltar-se a criatura.
Por qual motivo, então, permitiu Deus o pecado? Entre outras razões, explica Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP:
[…] em primeiro lugar, a fim de nos enviar um Salvador que operasse a Redenção. Por isso, na Liturgia da Vigília Pascal se canta “ó culpa tão feliz que há merecido a graça de um tão grande Redentor”. Em segundo lugar, para evitar o amolecimento e a tibieza dos justos. […] Por último, porque permitindo o mal Deus quer um bem superior que dele resulta acidentalmente.6
E essa fraqueza do homem, por onde muitas vezes ele prefere o mal ao bem, é ainda uma consequência do pecado original. O próprio São Paulo descreve esta luta interior:
Não entendo, absolutamente, o que faço, pois não faço o que quero; faço o que aborreço. E, se faço o que não quero, reconheço que a lei é boa. Mas, então, não sou eu que o faço, mas o pecado que em mim habita. Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo. Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero. Ora, se faço o que não quero, já não sou eu que faço, mas sim o pecado que em mim habita. Encontro, pois, em mim esta lei: quando quero fazer o bem, o que se me depara é o mal. Deleito-me na lei de Deus, no íntimo do meu ser. Sinto, porém, nos meus membros outra lei, que luta contra a lei do meu espírito e me prende à lei do pecado, que está nos meus membros. (Rm 7, 15-23).
É nessa constante luta que vive o homem sobre a terra. Dela saem vitoriosos e alcançam a felicidade eterna aqueles que, com o auxílio da graça, souberem observar as Leis de Deus e renunciar a todo pecado.7
O pecado é algo horroroso e as palavras do Beato João Paulo II bem o confirma: “Aquilo que se opõe mais diretamente à caminhada do homem em direção a Deus é o pecado, o perseverar no pecado, enfim, a negação de Deus.”
Acrescenta Mons. João:
A gravidade da ofensa se mede sobretudo pela dignidade da pessoa ofendida. Uma agressiva bofetada desfechada por alguém a seu igual merece uma penalidade muito menor do que uma outra, da mesma intensidade, desferida contra uma grande e representativa personalidade. O castigo sempre deverá ser aplicado em proporção à categoria do ofendido. Ora, se a pessoa ultrajada é infinita, o castigo só poderá ser eterno; tanto mais que, para reparar o pecado, quis o Verbo de Deus encarnar-Se e sofrer todos os tormentos da Paixão.8
Os pecados dos homens fazem sofrer o Sagrado Coração de Jesus, tão sensível às ingratidões recebidas. Disso são testemunhas inúmeras revelações privadas, como por exemplo, nesta em que Ele dirigiu a Santa Maria Margarida as seguintes palavras:
Eis este Coração que tanto amou os homens até se consumir para testemunhar seu amor. E como reconhecimento só recebe da maioria ingratidões por suas irreverências e sacrilégios, e pelas friezas e desprezos que têm para comigo neste Sacramento de amor. E o que é para Mim ainda mais sensível são corações consagrados a mim que também procedem da mesma maneira. 9
Como não se compadecer do Coração de Jesus continuamente atormentado pelos pecados dos homens? Dia e noite o Senhor Jesus é abandonado no Santíssimo Sacramento, em todos os instantes os homens pecam, e como outros tantos Pilatos, Caifás e Herodes, condenam o Justo à morte. Não há minuto na face da Terra em que o Sagrado Coração não seja alvo de novos escárnios e bem dizia Santa Teresa de Jesus: “Não há coração que não sofra por tantas calamidades, mesmos os nossos que são tão ruins…”10, e ainda São Luís Maria Grignion de Monfort exclama: “Não é melhor para mim morrer do que Vos ver, meu Deus, todos os dias, tão cruelmente ofendido?”.11
1 TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística. Porto: Apostolado da Imprensa, 1961, p. 34.
2 Cf. ROYO MARÍN, Antonio. Somo hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p. 10; TANQUEREY, loc. cit.
3 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Paz! Onde estás?. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano: LEV, 2012, v. V, p. 101.
4 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Entre o perdão e a perseverança Deus prefere o quê?. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano: LEV, 2012, v. VI, p. 342.
5 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pertencemos à família de Deus!. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano: LEV, 2012, v. V, p. 411.
6 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Até na hora da aparente derrota, o Sumo Bem sempre vence. In: O inédito sobre os Evangelhos, op. cit. v. V, p. 253.
7 Cf. CCE n.2015.
8 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O pobre e o rico. In: O inédito sobre os Evangelhos, op. cit. v. VI, p.379.
9 DUFOUR, Gerard. Na Escola do Coração de Jesus com Margarida Maria. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p.87.
10 SANTA TERESA DE JESUS. Caminho de perfeição. In: Obras Completas. São Paulo: Loyola, 2002, c.XXXV, n. 4, p. 408.
11 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. La oración abrasada. In: Obras. Madrid: BAC, 1953, p.599.