Que os Céus façam chover o Justo!
Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP
Haverá algo mais corriqueiro do que a chuva? Por vezes ouvimos soprar o vento, vemos amontoarem-se densas nuvens no horizonte e derramar-se a tempestade com violência, em meio ao fulgor dos relâmpagos e aos ribombos dos trovões, agitando os mares e fazendo transbordar os rios. Em outras ocasiões, a terra se cobre de névoa úmida e a água cai fina e contínua, ao longo dos dias e das semanas. Em muitas regiões do nosso planeta, conforme a estação do ano, ela é um episódio diário, ao qual poucos prestam atenção. Quando falta assunto numa roda de conversa, as pessoas falam de “chuva e bom tempo”, ou seja, de algo sem importância nem transcendência.
Entretanto, talvez somente aqueles que já experimentaram longas temporadas de seca — quando a terra sedenta se abre em sulcos e a vegetação perde o viço e se estiola — saibam dar à chuva o devido valor e reconhecer os benefícios incomparáveis que ela aporta para a vida na Terra. Mesmo apresentando-se sob tão variados aspectos, ela sempre conserva sua característica de fecundar e dar vitalidade.
Símbolo das bênçãos de Deus
Como a finalidade de todas as figuras da natureza criadas por Deus é refletir algo de sua essência infinita ou de sua ação, a da chuva é a de ser símbolo da abundância e eficácia das suas bênçãos.
Encontramos nas Sagradas Escrituras inúmeras referências que demonstram o quanto ela era considerada um indicativo da benevolência divina, entre os antigos, e sua ausência um sinal de castigo. No Salmo 83 lemos: “Felizes os que habitam em vossa casa, Senhor: aí eles Vos louvam para sempre. Quando atravessam o vale árido, eles o transformam em fontes, e a chuva do outono vem cobri-los de bênçãos” (5.7); e no Eclesiástico: “A misericórdia divina no tempo da tribulação é bela; é como a nuvem que esparge a chuva na época da seca” (35, 26).
Se a chuva representa a liberalidade dos dons divinos que se derramam sobre os homens, a terra estéril e ressequida assemelha-se à alma privada do frescor da graça, incapaz de praticar qualquer ato de virtude e, portanto, de conquistar méritos sobrenaturais.
Um mundo com necessidade de renovação
Houve, na História, uma longa “época de seca”, de quatro mil anos, em que a “água da misericórdia divina” era rara. Com efeito, após a queda de nossos primeiros pais e sua expulsão do Paraíso, a humanidade passou a se desenvolver sobre a Terra em meio ao trabalho, ao sofrimento e às dificuldades inerentes à sua natureza manchada pelo pecado.
Aos poucos, arrastados pela desordem de suas paixões, os homens “extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato. […] Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram à criatura em vez do Criador” (Rm 1, 21.25), fabricando para si divindades segundo os seus caprichos, que se acomodassem a seus instintos desregrados.
Por conseguinte, “da universalidade do erro saíram todos os crimes, como por uma germinação natural: idolatria, superstição, magia, apoteose de vícios incensados como divindades, injustiças, depravação da carne, crueldades abomináveis. E todos esses crimes produzindo-se, não como acidentes reprováveis na vida dos indivíduos, das famílias e das sociedades, mas como hábitos intimamente arraigados nas nações, desenvolvendo-se à vontade sob o tríplice patrocínio das leis, da opinião e da religião”.1
Este estado de coisas causava imensa frustração nas almas, e o universo pagão sentia necessidade de uma renovação. Ainda que afundados em suas crenças supersticiosas, os homens conservavam a lembrança da palavra divina dirigida a Adão e Eva: viria um Salvador para pôr fim aos males do mundo, o qual regeneraria a humanidade e apontaria os rumos do futuro.
À espera do orvalho restaurador
Em Israel, nação que Deus tornara depositária da Fé e das promessas messiânicas, o Senhor, pelos lábios dos profetas, anunciara de mil modos e sob inúmeras figuras as características do Redentor, suas ações, sua missão, sua grandeza. Tal esperança era objeto dos anelos dos patriarcas e dos justos que, ao longo dos séculos, mantinham o olhar fixo no porvir e suplicavam ao Todo-Poderoso a abreviação dos tempos.
O gemido daquele punhado de almas piedosas bem poderia ser sintetizado na passagem do profeta Isaías, tão repetida ao longo do período litúrgico do Advento: “Que os céus, das alturas, derramem o seu orvalho, que as nuvens façam chover a justiça; abra-se a terra e brote a salvação e ao mesmo tempo faça germinar a justiça! Sou eu, o Senhor, que a criei” (45, 8).
As versões mais antigas da Bíblia, seguindo a Vulgata, consideravam este trecho como um dos oráculos mais claros a respeito do nome de Jesus, já que as palavras “justiça” e “salvação” eram traduzidas por “Justo” e “Salvador”, isto é, “Jesus”. Ambas as variantes estão de pleno acordo, pois, ao descer do Céu, o Salvador inaugurou uma era de justiça e santidade.
Sim, o Justo, o Messias esperado veio, de fato, não com grande pompa e aparato, como muitos imaginavam, mas revestido de um Corpo padecente como o nosso, a fim de irrigar com o batismo de seu Sangue o grande deserto deste mundo. Nem as almas mais áridas, nem os corações mais endurecidos são capazes de resistir à eficácia deste orvalho restaurador.
Abundância das bênçãos derramadas pelo Salvador
Ao considerarmos os 2000 anos da Era Cristã, constatamos o quanto a palavra e o exemplo do Homem-Deus, transmitidos pelos Apóstolos, tornou a terra boa e fecunda. O ardor dos mártires, a pureza das virgens e a sabedoria dos doutores são expressões variadas dessa única “justiça derramada das alturas”, assim como o heroísmo sublime dos religiosos, o zelo dos missionários e o amor desinteressado daqueles que se dedicam ao bem do próximo.
Dessa imensa coorte de Santos, com os quais a Igreja, Corpo Místico de Cristo, sempre se enriquece, defluem outros tantos desdobramentos magníficos, enquanto reflexos da perfeição das almas. Vemos, então, a ereção das catedrais, o requinte da Liturgia e dos paramentos, a policromia dos vitrais, a definição dos dogmas, o desabrochar das ordens religiosas, a criação das universidades, dos hospitais e dos mosteiros… e, até mesmo a cortesia no trato, a elegância nos trajes e maneiras, ou o bom gosto nas artes culinárias.
Provavelmente aqueles muitos profetas e reis que ansiaram por ver os dias do Redentor (cf. Lc 10, 24) não puderam sequer imaginar a abundância de bênçãos que seria derramada sobre seus descendentes na Fé. Contudo, com suas reiteradas preces contribuíram para preparar os caminhos do Messias e apressar a hora bendita de sua chegada.
Tempo de preparação para a vinda do Salvador
Ao longo das quatro semanas que antecedem o Natal, a Igreja, desde séculos remotos, propõe aos fiéis uma adequada preparação para a grande solenidade do nascimento de Jesus, procurando movê-los à conversão — como o recordam os paramentos roxos —, a purificar as almas de suas misérias, caprichos e mazelas.
O costume de observar tal período de penitência teve início no Ocidente e, mais tarde, penetrou nas igrejas orientais. Sabe-se que na França, no século V, jejuava-se três vezes por semana desde a festa de São Martinho (11 de novembro) até o Natal, e os Bispos entregavam-se com assiduidade à pregação. Mais tarde, a prática do jejum tornou-se obrigatória, não só na França, como também na Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha. Com o tempo, porém, estes jejuns foram sendo mitigados e o Advento ficou reduzido a quatro semanas apenas, como perdura até nossos dias.2
Esta preparação, no entanto, não visa apenas rememorar a milenar expectativa da humanidade pela chegada do Salvador, mas, isto sim, reviver o espírito de alegria e de esperança que distinguiu os justos do Antigo Testamento, na perspectiva de seu aparecimento.
Se na sua primeira vinda Cristo veio como chuva suave, espalhando-se por toda a extensão da Terra, a fim de chamar os homens e comunicar-lhes sua graça — “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10) —, sabemos que Ele voltará um dia com grande esplendor e glória para julgar os vivos e os mortos, como professamos no Credo e Ele mesmo anunciou: “Como o relâmpago parte do Oriente e ilumina até o Ocidente, assim será a volta do Filho do Homem. […] Quando o Filho do Homem voltar na sua glória e todos os Anjos com Ele, sentar-Se-á no seu trono glorioso” (Mt 24, 27; 25, 31).
Aceitemos o doce convite do Menino Jesus
No Advento contemplamos ainda a vinda intermediária de Cristo, que se realiza sem cessar de modo místico e misterioso em todas as épocas, como ensinaram muitos teólogos, em especial o grande São Bernardo: “Conhecemos, pois, três adventos seus: aos homens, nos homens, contra os homens. […] Mas, visto que o primeiro e o terceiro, por serem manifestos, são bastante conhecidos, acerca do segundo, que é oculto e espiritual, escuta o próprio Senhor que diz: ‘Se alguém Me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos nossa morada’ (Jo 14, 23). Bem-aventurado aquele no qual fazes tua morada, Senhor Jesus. Bem-aventurado aquele no qual a sabedoria edifica sua casa, elevando sete colunas. Bem-aventurada a alma que é receptáculo da sabedoria. Quem é esta? A alma do justo”.3
O mundo de hoje está imerso numa grande “desertização espiritual”, no qual “é o vazio que se espalhou”,4 como afirmou o Papa Bento XVI na abertura do Ano da Fé. Com efeito, à semelhança da situação na qual se encontravam antes de o Filho de Deus descer das alturas, os homens hodiernos acham-se afundados no pecado e facilmente se voltam para os ídolos, não mais aqueles de ouro, prata, pedra ou madeira, mas para as divindades de nossos dias, quiçá mais numerosas do que as da Antiguidade pagã.
Faz-se necessário, portanto, mais do que nunca, que os homens dilatem suas almas para esta vinda cotidiana de Cristo, que se realiza por meio da graça. Estejamos vigilantes e aceitemos tão doce convite, permitindo ao Justo que tome inteira conta e posse de nosso interior, e nele estabeleça sua morada.
Se a Redenção trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo em sua primeira vinda deu origem a tantas e tão grandes maravilhas, o que não teríamos direito de esperar se a humanidade abrisse suas portas neste Natal para o Menino Jesus que misticamente nos visita? Que esplendores, que frutos de virtude, de santidade e de heroísmo não poderiam assim germinar?
1 MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie-Louis. Dimanches et Fêtes de l’Avent. 3.ed. Paris: P. Lethielleux, 1902, p.102-103.
2 Cf. GUÉRANGER, OSB, Prosper. L’année liturgique. L’Avent. 20.ed. Tours: Alfred Mame et Fils, 1920, p.1-8.
3 SÃO BERNARDO. Sermones de Tiempo. En el Adviento del Señor. Sermón III. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1953, v.I, p.169.
4 BENTO XVI. Homilia na Missa solene de abertura do Ano da Fé, de 11/10/2012.
5 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Prière embrasée, n.20. In: Œuvres complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.683.
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