Brilho fugaz da luz celestial
Fahima Spielmann
“Gemendo e chorando neste vale de lágrimas” — eis nossa condição, tão bem expressa na Salve Rainha, oração que poderia ser qualificada como a prece da esperança em alcançar a bem-aventurança do Céu, anseio de todo ser humano sob o jugo das labutas e sofrimentos (cf. Gn 3, 17-19).
Junto a esse desejo de obter a verdadeira felicidade, dir-se-ia haver também na alma do homem algo como que saudades de um Céu por ele ainda desconhecido. E tais sentimentos o auxiliam a coibir suas más inclinações, pois ao recordar o prêmio eterno a que seus atos concorrem, refreiam-se os desvarios de sua natureza decaída.
Conhecendo, desde toda a eternidade, esse insaciável anseio, excogitou Deus, em sua sabedoria e bondade, dar ao homem criaturas que lhe recordassem a fugacidade desta vida e a perenidade da outra, estimulando-o a praticar o bem, na esperança de ver finalmente satisfeitas suas mais altas aspirações.
Uma destas criaturas é o simpático beija-flor. Rasgando os ares com seu bico semelhante a uma lança, fende ele os céus disposto a tudo enfrentar para alcançar sua meta, à primeira vista muito pequena: a corola de uma flor. Esta delicada ave nos ensina, assim, a nos contentarmos com o “pouco” que encontramos nesta vida, enquanto Deus nos prepara para o “muito” que nos dará na futura.
Devemos possuir o jubiloso equilíbrio que tanto transparece no beija-flor. Distante de qualquer depressão ou frenesi, sai ele de flor em flor, aparentemente tomado pela alegria de estar cumprindo a finalidade para a qual foi criado.
Aspecto peculiar a este regozijo é sua agilidade. Nesta vivacidade, ele “fica parecido a uma joia preciosa que Deus criou para o homem poder olhar e nunca segurar, e ter o encanto da coisa fugidia que passa, a qual, neste vale de lágrimas, é para nós uma esperança do Céu. Quer dizer, ele foi feito para ser fugaz. A Providência criou nesta Terra de exílio uma porção de coisas fugazes ótimas — que deixariam de ser ótimas se não fossem fugazes —, para nos dar uma tinta do Céu. […] Deus teve pena de nós e nos mandou um vaga-lume do Céu para a Terra, para acender e apagar, fazendo-nos entender algo do Céu”. 1
Se o beija-flor fosse passível de felicidade, desbordaria de contentamento ao ver-se realizando, com suas reações variadas e saltitantes, o fim para o qual foi criado: ser para o homem um brilho fugaz da luz celestial.
1CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Uma joia dotada de asas. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano XV. N.174 (Set., 2012); p.34.
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