Entre Deus e os homens…
Irmã Mariana Morazzani Arráiz, EP
Criado para as alegrias do eterno convívio com Deus, o homem procura naturalmente o infinito, o bem íntegro, a verdade absoluta. Esta aspiração, infundida em seu próprio ser a fim de facilitar as relações entre ele e o Criador, nem os piores crimes ou os fugazes e enganosos prazeres desta vida conseguem apagar. Numa palavra, a paz e a felicidade autênticas só podem ser encontradas em Deus. O grande Santo Agostinho descreveu tal anelo da alma humana, em célebre e poética frase: “porque nos fizeste para Ti, inquieto está o nosso coração enquanto em Ti não repousar”. 1
“O homem se transformou em criminoso”
Todavia, se o pecado original e a expulsão do Paraíso não fizeram desaparecer esta sede de infinito, o homem começou a experimentar as terríveis consequências de sua desobediência: apreensões, incerteza, dor, sofrimento, tendência a praticar o mal, desamparo em uma Terra sobre a qual não tinha mais o domínio, e na qual a sua natureza sentia-se apequenada e ameaçada pela justa cólera de um Deus ofendido. “De filho de Deus, o homem se transformou em criminoso. Extinguiu-se nele a vida sobrenatural. Passou a ser um condenado à morte e à perda do Céu, um ser débil, enfermiço, fatigado, devastado interiormente por problemas e lutas cruciantes”. 2
Sua fragilidade de inteligência e vontade tornaram-no um ser dividido entre as mentirosas atrações do erro e os nobres e serenos apelos da verdade e do bem. Desta constante dilaceração queixa-se São Paulo, em sua Carta aos Romanos: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo. Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero” (7, 18-19).
A necessidade de mediadores
Perante a dolorosa constatação, sentiam os homens a necessidade de haver alguém que servisse de ligação entre eles e Deus. Era preciso que existissem intermediários oficiais para comunicar ao povo as ordens do Altíssimo, ser os instrumentos de sua misericórdia e os intérpretes de sua justiça.
Como tais aparecem Noé, Abraão, Isaac e Jacó, o famoso e misterioso Melquisedec, “rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo” (Gn 14, 18), Moisés, condutor de seu povo e, sobretudo, Aarão, escolhido para iniciar uma linhagem sacerdotal, dedicada exclusivamente ao serviço do Senhor. Essas figuras apontam já para o ideal do sacerdócio cristão, cuja função “é ser mediador entre Deus e o povo”. 3
Inclusive nos povos da Antiguidade, imersos na idolatria, os magos e detentores do culto eram tidos em grande respeito e consideração, embora os ritos destas religiões fossem maculados pela superstição e por sacrifícios muitas vezes repugnantes. Vemos assim se impor, de modo geral, o princípio da superioridade sacerdotal, oriundo de um anseio profundo enraizado no espírito humano.
Ele deve ser santo na sua vida
Tendo sido instituído o verdadeiro sacerdócio pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo — Ele mesmo Sacerdote e Mediador eterno diante do Pai —, a missão dos ministros de Deus elevou-se a um patamar incomparável, realidade excelsa da qual a anterior constituía apenas uma pálida sombra ou uma infeliz deturpação.
Por esta razão, os homens designados para ser ministros e embaixadores do Senhor, ungidos na Santa Igreja com o Sacramento da Ordem, veem-se cercados de especial reverência e admiração, participativa daquela tributada ao Altíssimo.
Entretanto, como reza o ditado francês, noblesse oblige. Se o sacerdote é digno desta consideração, dele também é exigida a retidão na conduta e a sabedoria no conselho. Se ele quer guardar inteiramente a fidelidade à vocação que recebeu, procurará fazer esquecer sua própria pessoa para pôr em evidência seu sacerdócio, cônscio de ser representante d’Aquele que “é eternamente perfeito” (Hb 7, 28).
“O sacerdote” — afirma Mons. João Scognamiglio Clá Dias — “precisa ser santo. A sociedade quer ver no sacerdote a santidade. Nele vão procurar o apoio àquela sede de perfeição que a graça lhes põe na alma. […] Ele deve ser santo na sua vida, na sua conduta, na sua integridade moral, na sua integridade de pensamento, na sua integridade de palavra. Deve ser santo para poder arrastar, para poder convencer e para poder arrebatar”. 4
De fato, grande é o poder de um sacerdote santo, pois nele aliam-se o caráter sagrado — pelo qual o presbítero atua in persona Christi ao ministrar os Sacramentos — e a força irresistível da virtude praticada em grau heroico, que nada pode vencer. Quando estas duas potências estão unidas numa mesma pessoa, não há maravilha que não se possa esperar!.
1 SANTO AGOSTINHO. Confessionum. L.I, c.1, n.1. In: Obras. 7.ed. Madrid: BAC, 1979, v.II, p.73.
2 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O adversário. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano V. N.56 (Nov., 2002); p.28.
3 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.22, a.1.
4 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Homilia na Sexta-feira da III Semana do Advento. Caieiras, 19 dez. 2008.
Revista Arautos do Evangelho · Março 2014