O PRÍNCIPE DA PAZ
Ir. María Lucilia Paula Morazzani Arráiz, EP
Essa era a paz considerada como um dos maiores dons oferecidos por Deus ao povo eleito, no Antigo Testamento, e o que mais era por ele desejado. Conturbados pelos temíveis efeitos do castigo que lhes coube pelo pecado original; não só a morte, privações e enfermidades, mas também o próprio nomadismo impedia-lhes possuir uma existência serena. A intranquilidade se lhes apresentava como um terrível tormento. Faltava-lhes, portanto, esse elemento essencial constitutivo da paz, ou seja, a tranquilidade, pois, como define Santo Agostinho: “A paz é a tranquilidade da ordem” 1
Por isso ansiavam por esta paz, obra exclusivamente divina a seus olhos, que lhes seria concedida como prêmio à sua fidelidade: “Senhor, proporcionai-nos a paz! Pois vós nos tendes tratado segundo o nosso procedimento” (Is 26,12).
O ideal do varão justo, amado por Deus, era o do homem pacífico: “…aqueles que têm conselhos de paz, estarão na alegria” (cf. Pr 12,20), e este receberia como recompensa, a plenitude dessa paz: “Aqueles que confiam nele terão inteligência da verdade, e os que são fiéis ao seu amor, descansarão unidos a ele; porque a graça e a paz são para os seus escolhidos” (cf. Sb 3,9).
Ora, tendo o homem rompido com a justiça, a paz tinha desaparecido da face da terra e era preciso que alguém viesse devolvê-la para que, finalmente, se realizasse aquilo de que falara o rei profeta: “A misericórdia e a fidelidade se encontraram juntas, a justiça e a paz se oscularam” (Sl 84,11). O profeta Jeremias antevira esse Libertador esperado, portador da tão almejada paz messiânica, aplicando-lhe estas palavras: “Bem conheço os desígnios que mantenho para convosco – oráculo do Senhor -, desígnios de prosperidade e não de calamidade, de vos garantir um futuro e uma esperança.” (Jr 29,11).
Seu nascimento não foi coberto de pompas e glória, mas nasceu pobre, numa gruta nos arredores de Belém.( cf Lc 2, 7) Não era – como sonhavam os judeus – a figura do Messias dominador que vinha arrebentar as pesadas cadeias do jugo romano e exterminar todos os seus inimigos ao fio da espada. Não. Foi um tenro menino que ocultou sob as debilidades da infância, o poder de um Deus. É verdadeiramente o “Príncipe da Paz”, prometido por Isaías ( cf Is 9,6), que veio trazer à terra um oceano de bem e de amor, capaz de transmitir a felicidade plena ao universo inteiro e a mil mundos, caso existissem. Os arautos de seu advento não foram outros que os anjos do céu, que transmitiram a boa nova cantando um hino de paz: “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2,14).
Ao longo de sua vida pública, Jesus foi todo amor e misericórdia e fazer o bem era o seu lema. Ele não veio para condenar, mas para perdoar, para aliviar nossas costas dos fardos, e trazer ao mundo uma economia da graça totalmente nova. Sobre a cidade de Jerusalém, Ele chorou soltando esta pungente lamentação: “Se tu conhecesses ainda o que te pode trazer a paz” (Lc 19,42). Chamou bem-aventurados os pacíficos ( Mt 5,9) e ordenou a seus discípulos: “Em toda casa em que entrardes, dizei primeiro: Paz a esta casa!”(Jo, 10,5), para publicar a anistia e a remissão geral de todos os pecados.
Após a última ceia, antes de partir para o Pai, quando se preparava para derramar todo o seu Sangue como preço de nossa Redenção, deixou aos seus um precioso legado que os sustentaria em meio às tribulações que se aproximavam: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize!” (Jo 14,27).
A tranquilidade e o equilíbrio, que foram arrebatados ao homem depois do pecado, foram-lhe restituídos com aquela saudação: “A paz seja convosco” (Jo 20,19) empregada por Cristo, vitorioso sobre a morte, ao aparecer milagrosamente no meio de seus discípulos.
Assim, a paz entre Deus e os homens foi maravilhosamente estabelecida pela morte e ressurreição do próprio filho de Deus, o Verbo Eterno feito carne, que se submeteu, obediente ao que o Pai, em sua justiça, ordenou. Mais tarde, São Paulo tornou pública essa pacificação dizendo: “Justificados, pois, pela fé temos a paz com Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo.” (Rm 5,1).
Entretanto, percorrendo com os olhos o mundo de nossos dias, encontramo-lo no extremo oposto da paz. No interior dos corações penetrou o tédio, a apreensão, a angústia e a frustração, por não falar do verme roedor do orgulho e da sensualidade. A instituição da família tornou-se uma peça de museu. As nações se digladiam umas com as outras, sem levar em conta o direito alheio. Em síntese, não há paz individual, nem familiar, nem mundial.
Mais uma vez na história, o povo anda na escuridão e jaz nas trevas mais pavorosas. A humanidade parece andar às apalpadelas e torna-se premente a necessidade de uma luz que a ilumine e guie, qual nova estrela de Belém.
Por esta razão, nossos corações se voltam à Rainha da Paz a fim de suplicar sua poderosa intercessão para que o Divino Espírito Santo, repetindo o milagre de Pentecostes, volte a atear em todos os corações o fogo da caridade. Que Ele faça novamente florescer a virtude na terra, para que os homens procurem a Deus de toda a alma, orientem seus passos nas pegadas d’Aquele que se apresentou como sendo “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6) e tomem como fonte de conhecimento e modelo a ser imitado Àquele que disse: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29) Teremos assim, uma sociedade impregnada de santidade, reflexo da sublimidade de Deus. Uma sociedade onde a força e a comiseração, a majestade e a bondade, a seriedade e a suavidade andarão juntas e se oscularão. Quanta doçura! Quanta ordem! Que paz!
Realizar-se-á afinal aquela profecia de Isaías: “Ah! Se tivesses sido atento às minhas ordens! Teu bem-estar assemelhar-se-ia a um rio, e tua felicidade às ondas do mar; tua posteridade seria como a areia, e teus descendentes, como os grãos de areia; nada poderia apagar nem abolir teu nome de diante de mim.” (Is 48,18-19). E no mundo reinará, como nunca antes, a paz de Cristo no Reino de Cristo.
1SANTO AGOSTINHO. Cidade de Deus.Trad. Oscar Paes Leme. 9ª ed. Editora São Francisco. Bragança Paulista, 2006. Parte II, p.403