Um Mandamento Novo
Emelly Tainara Schnorr
Por causa dele, vemos como os homens se endureceram e se fecharam no egoísmo, esquecendo-se de Deus e de seus santos preceitos. Em consequência, a humanidade se afastou do benéfico caminho do bem e da virtude, caindo nas piores selvajarias e crueldades.
Egoísmo de Caim: o caminho seguido pela humanidade
Ao contemplarmos as páginas bíblicas, nos primórdios da humanidade, logo após a queda de nossos primeiros pais, vemos um atentado contra o primeiro e maior Mandamento da Lei divina, que nos manda amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos (Cf. Mt 22, 37).
Depois de terem sido expulsos do Paraíso, Adão e Eva tiveram dois filhos: Caim e Abel (Cf. Gn 4, 1-2). Ambos cresceram sob o olhar dos pais, que se esmeravam em passar-lhes todos os ensinamentos recolhidos no Jardim do Éden. No entanto, Adão e Eva espantavam-se com a diferença entre eles: Caim, o mais velho, era orgulhoso e violento, enquanto Abel era justo e piedoso.1
Com o passar do tempo, o primogênito se tornou agricultor, e o segundo, pastor de ovelhas. Após alguns anos, decidiram oferecer sacrifícios a Deus. O inocente Abel ofertou as primícias de seus rebanhos e a carne mais suculenta das vítimas, merecendo o agrado de seu Criador. Caim ofereceu os frutos da terra que não lhe faziam falta e estes foram rejeitados pelo Senhor. Inflamou-se de cólera e inveja contra seu irmão, culminando no primeiro fratricídio da História (Cf. Gn 4, 3-8).
Por que Caim agiu desta maneira?
[O seu] interior era todo feito de egoísmo. Caim mantinha-se cumpridor dos horários e dos deveres porque ele queria a atenção de Eva; ele queria ouvir Adão dizer dele: “Que filho bom eu tenho!”. Ele queria o elogio, o incenso, o consolo de ser benquisto e bem-visto. No fundo, ele fazia todas as coisas por amor-próprio. Este amor-próprio levou-o a matar o irmão. Por quê? Porque esse amor-próprio fazia parte do maligno. […] Egoísta, filho do pecado e levando as marcas do pecado dentro dele. Era um homem que fazia as coisas por puro interesse. 2
Portanto, Caim procedeu deste modo por causa de seu egoísmo e porque não tinha verdadeiro amor a Deus; somente amava a si próprio, tendo como resultado a falta de amor ao próximo. Assim sendo, suas obras se tornaram más, a ponto de matar seu irmão. O próprio Nosso Senhor declarou a Santa Catarina de Sena a respeito das maléficas conseqüências que o egoísmo traz: “[…] O egoísmo, que é a negação do amor pelo próximo, constitui-se como razão e fundamento de todo mal. Ele é a raiz dos escândalos, do ódio, da maldade, dos prejuízos causados aos outros”.3
Porém, esse episódio não teve o seu término em Caim; através dele, delineava-se o horrendo caminho de egoísmo para onde a humanidade rumaria. Pois, se corrermos os olhos nas Sagradas Escrituras, nelas encontraremos inúmeros fatos nos quais transparece a carência de amor ao próximo nos homens, e o quanto eles se afundaram na egolatria após a queda original. O vício e o pecado reinavam sobre o mundo e a humanidade necessitava de uma renovação que desse sentido à existência do homem.
Uma nova luz brilha no mundo inteiro: um mandamento novo
Numa insignificante gruta, junto à cidade de Belém, nasceu um Menino, trazendo a solução para mundo. Ele veio não só para reparar as mazelas humanas, mas também dar um novo rumo à humanidade, como nos indica Clá Dias: “Já em seu nascimento, numa singela manjedoura, aquele Divino Infante reparava os delírios de glória egoística sofregamente procurada pelos pecadores. Ele se encarnava para fazer a vontade do Pai e, assim, dar-nos o perfeitíssimo exemplo de vida”.4
Emanavam dele afabilidade, doçura, um desejo enorme de fazer o bem, uma sede ardente de perdoar, atraindo a todos e incutindo-lhes confiança.Cristo ia promovendo uma renovação dos costumes e modos de ser dos homens de todas as condições, de todos os tempos e nações: “Nosso Senhor Jesus Cristo […] pregou no mundo o amor ao próximo. E, sobre esta base inteiramente nova, Ele renovou a Terra, a tal ponto que a história ficou dividida em dois grandes períodos: a era anterior ao nascimento d’Ele e a Era Cristã”.5
Assim foi durante toda a sua vida terrena: um abismo de bondade, amor e misericórdia. Entretanto, poderíamos pensar que isso só cabe a Deus realizar, e não aos homens. Ora, se o Divino Mestre deixou-nos um exemplo a seguir, quer dizer que esse é o caminho pelo qual devemos trilhar: “Amou a cada um de nós para que nos amássemos uns aos outros”.6
Mas qual é este caminho? A lei mosaica era muito precisa: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças” (Dt 6, 5); e: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19, 18). Porém, Jesus ampliou esse preceito quando disse: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 34). Por este novo mandamento, mostrava que não bastava amar ao próximo, mas era necessário amar como Ele amava: em função de Deus e despretensiosamente.
O amor assim praticado renova-nos. Por ele seremos homens novos, herdeiros do Novo Testamento […]. Este amor, irmãos caríssimos, renovou também os antigos justos, os Patriarcas e os Profetas. E depois renovou os santos Apóstolos. É ainda o mesmo amor que renova presentemente todos os povos, e congrega todo o gênero humano que se espalha pelo universo, fazendo dele o povo novo. […] A renovação advém da prática do mandamento novo. […]
Ouvem e guardam este ensinamento: “Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Não como se amam os corruptores, nem mesmo como se amam os homens enquanto homens, mas como se amam os homens enquanto são deuses e todos filhos do Altíssimo”. 7
Portanto, é a isso que Nosso Senhor nos convida: ter um amor pelo próximo levado a um alto grau, a ponto de, se for preciso, um dar a vida pelo outro. Sejamos santos, amando-nos uns aos outros por amor a Deus.
1 BERTHE, Augustin. Relatos Bíblicos. Trad. António Carlos de Azeredo et al. Braga: Civilização, 2005. p. 24.
2 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Homilia da 5ª feira, da I Semana do Tempo do Natal. Caieiras, 5 jan. 2006. (Arquivo IFTE). As matérias extraídas de exposições verbais – designadas neste trabalho, segundo sua índole, como “conferências”, “palestras” ou “homilias” – foram adaptadas para a linguagem escrita.
3 SANTA CATARINA DE SENA. O Diálogo. Trad. João Alves Basílio. 8. ed. São Paulo: Paulus, 2004. p. 38.
4 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Paz! Onde estás? Op. cit. p. 12.
5 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A Igreja: formadora de uma civilização. In: Revista Dr. Plinio. São Paulo: Retornarei, n. 41, ago. 2001. p. 16.
6 SANTO AGOSTINHO DE HIPONA. A Ceia do Senhor. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Coimbra, 1952. Vol. IV. p. 85.
7 Ibid. p. 82-83.