Desde sempre Vós sois Deus… (Sl 89)
Ir. Michelle Sangy, EP
Como vivemos no tempo, é-nos dificil conceber a eternidade de Deus uma vez que tendemos a imaginá-la como uma existência larguíssima e interminável, sem começo e nem fim. Entretanto, a eternidade de Deus é muito mais do que isso, como veremos adiante.
Ao tratar sobre a eternidade, os teólogos utilizam uma definição clássica cunhada por Boécio: “eternidade é a possessão total, simultânea e completa de uma vida interminável” 1 e ainda: “o instante que corre faz o tempo, o instante que permanece faz a eternidade”. 2
Com efeito, explica São Tomás 3 com sua habitual e sapiencial clareza que da mesma maneira que o conceito de tempo deriva do movimento delimitado pela origem e pelo fim, o de eternidade procede da imutabilidade de Deus – o mesmo ontem, hoje e eternamente. É Ele o único Ser que não teve começo e não terá fim, conforme atesta as declarações dogmáticas: “Eterno é o Pai, eterno é o Filho, eterno é o Espírito Santo, e, no entanto, não são três eternos, mas somente um,” 4 e em outro lugar: “Firmemente cremos e simplesmente confessamos que um só é o verdadeiro Deus, eterno e imenso.” 5 É o Altíssimo a Causa primeira de todas as coisas criadas, é Ele o Ser eterno que existiu antes que o mundo, assim como existe o arquiteto antes do edificio ou o relojoeiro antes do relógio.
Desta forma compreende-se que só em Deus há eternidade, pois apenas Ele é absolutamente o seu ser uniformemente e a sua própria essência.
Vejamos uma analogia que nos ajuda a levantar um pouco mais o véu da eternidade de Deus. Um autor comenta que dentre as maravilhas da natureza criada destaca-se o mar pela sua imensidade e pulcritude que bem pode simbolizar a grandeza do Autor sublime do Universo. Além de sua magnitude, não pequena é a força que possui em seu incessante movimentar, chegando a formar incontáveis ondas que embelezam ainda mais o panorama. O que dizer de sua força quando se encontra diante de uma rocha ou fortaleza, por exemplo, lança-se com tal energia como para perfurá-la, mas, no entanto deparando-se com a força de sua perenidade ousa somente encobri-la com a alva espuma de suas águas e retornar, por fim, ao seu curso normal.
Este mar arrebatador do qual falamos e cujas ondas estão em uma contínua oscilação, bem pode ser comparado ao nosso tempo que em semelhante movimento traz-nos uma sucessão de acontecimentos. Entretanto, pelo contrário, a rocha cujas ondas batem é como a eternidade que permanece perene e inalterável em meio às ondas dos acontecimentos presentes. 6
Assim, ao deslumbrar cada vez mais as maravilhas de Deus, na medida em que o nosso conhecimento alcance tal mistério, é certo que estaremos preparando também a nossa eternidade, quiçá junto daquele que prometeu ser Ele mesmo nossa recompensa demasiadamente grande (cf. Gn. 15, 1).
1BOÉCIO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Summa Theologiae. I, q. 10, a. 2.
2 Loc. cit.
3 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Op. Cit.
4 DENSIGNER, apud ANTONIO ROYO MARIN. Dios y su obra. Madrid: Católica. 1963, p. 92. (Traduçao da autora).
5 Ibid. p. 93
6 Cf. MONTESERRAT. Cipriano. Exemplário Catequístico. Barcelona: Lumen, p. 23.