Riqueza de aspectos da Celebração Eucarística
Irmã Monica Erin MacDonald, EP
Chamado à transcendência por meio da beleza
Algo curioso ocorre quando refletimos sobre os episódios da vida de Nosso Senhor relatados nos Evangelhos. À medida que a narração se desdobra, eles começam a germinar em nosso espírito e acabamos por perceber experimentalmente como tudo quanto Cristo fez na Terra, há dois milênios, transcende a fronteira do tempo.
Com efeito, o Verbo Encarnado não pregava apenas para as multidões que se comprimiam em torno d’Ele nas aldeias da Judeia. As verdades sobrenaturais contidas nos seus adoráveis ensinamentos apresentam-se atualmente a nós muito mais claras do que o foram para os seus coetâneos. Assim acontece, por exemplo, quando lemos na Sagrada Escritura: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10, 10) ou “Eu estarei sempre convosco, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).
Ora, é um dos elementos essenciais da divina didática de Jesus servir-Se das realidades visíveis para nos elevar às invisíveis. Apontando para os lírios do campo, Ele incitou os cristãos de todas as eras a refletir sobre a providência amorosa de Deus. Sentou-Se junto a um poço e falou de água viva… Partiu o pão e aludiu ao alimento da alma…
Essa reversibilidade entre a esfera temporal e a espiritual faz parte da vida cotidiana da Igreja. É nela que os ritos do culto divino, especialmente a Celebração Eucarística, encontram seu sentido e fundamento.
Harmoniosa sucessão de palavras e signos
Analisemos, nessa perspectiva, o que sucede ao entrarmos numa igreja para participar da Santa Missa.
Logo na entrada, mergulhamos a mão na água benta, fazemos o Sinal da Cruz e dobramos o joelho, voltados para o tabernáculo. A seguir, acomodamo-nos num banco enquanto o órgão inunda com seus melodiosos acordes o recinto sagrado e uma luz suave flui através dos vitrais.
Em certo momento, ao toque de um pequeno sino, tem início a celebração. Um cortejo se dirige ao presbitério, precedido pela cruz acompanhada de duas velas acesas, um turíbulo e uma naveta. No fim, avançam solenes os diáconos e o sacerdote, revestidos de paramentos que reforçam o significado da cerimônia que vai se realizar, sobem os degraus do presbitério e, chegando ao altar, inclinam-se para osculá-lo.
E assim, na harmoniosa sucessão de palavras e signos ditada pelas sagradas rubricas, a Celebração Eucarística se desenvolve até o momento ápice da Consagração. Então, atuando em nome do único e verdadeiro Sacerdote, o celebrante pronuncia sobre o pão e o vinho a fórmula ensinada por Cristo e, em seguida, levanta alto o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, tão presente ali como quando caminhou pelas estradas da Galileia ou derramou seu Sangue no Calvário.
Os símbolos como ponte entre o espiritual e o corporal
O uso de signos materiais na Liturgia permite criar uma sólida ponte entre o corporal e o espiritual, o visível e o invisível, o humano e o divino.
O nosso espírito, ensina São Tomás, “para se unir com Deus, necessita ser conduzido pelas coisas sensíveis, porque ‘as coisas invisíveis de Deus são conhecidas por intermédio das criaturas’ (Rm 1, 20)”.1 E, no mesmo sentido, o Pseudo-Dionísio afirma: “Os seres celestes, devido à sua natureza intelectual, veem a Deus diretamente. Nós, pelo contrário, nos elevamos até onde podemos na contemplação do divino por meio de imagens sensíveis”.2
Logo, conclui o Doutor Angélico, “o culto divino precisa usar de coisas corpóreas para que, por elas, que são como sinais, a mente humana desperte para atos espirituais, mediante os quais nos unimos com Deus”.3
Elas não são um fim, mas sim um meio para tornar acessível o que é transcendente e convidar os fiéis a uma atitude de admiração, entrega e gratidão. É por isso que se tem afirmado ser a partir do homo simbolicus que se visualiza o homo religiosus.4
Riqueza de aspectos da Celebração Eucarística
Mas a linguagem simbólica, ao alimentar com largueza o intelecto por meio de todos os sentidos, principalmente da vista e do ouvido, não só põe o homem em contato com o Absoluto, mas faz isso de modo atraente. Porque, ensina o Papa Bento XVI, “a Liturgia, por sua natureza, possui uma tal variedade de níveis de comunicação, que lhe permitem cativar o ser humano na sua totalidade”.5
Ora, sendo a celebração litúrgica do Sacramento da Eucaristia ponto alto do culto cristão, os ritos que a compõem são síntese e ápice da expressão religiosa nos seus mais diversos aspectos. A conjugação de todos eles produz uma experiência ao mesmo tempo artística e mística que nos convida a considerar o desenvolvimento da Santa Missa em sua dupla dimensão estética e transcendente.
Cristo como centro da Liturgia
Uma primeira reflexão nos leva a considerar mais de perto o centro em torno do qual se articulam esse conjunto de palavras, silêncios, gestos e símbolos que compõem uma Celebração Eucarística. Qual é sua essência? O que eles representam?
A resposta no-la dá o Catecismo ao afirmar: “Pela Liturgia, Cristo, nosso Redentor e Sumo Sacerdote, continua em sua Igreja, com ela e por ela, a obra da nossa Redenção”.6
Afirma o Concílio Vaticano II: “Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo — cabeça e membros — presta a Deus o culto público integral. Portanto, qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, acção sagrada por excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja”.7
Uma comunidade reunida para um banquete
Ora, “além de ser obra de Cristo, a Liturgia é também uma ação de sua Igreja. Ela realiza e manifesta a Igreja como sinal visível da comunhão entre Deus e os homens por meio de Cristo. Empenha os fiéis na vida nova da comunidade, implica uma participação consciente, ativa e frutuosa de todos”.8
Nesse sentido podemos afirmar ser a Celebração Eucarística uma oração social. O homem precisa do apoio dos seus semelhantes, e a reunião e interação de uma comunidade de fiéis é, em si mesma, um sinal sensível da relação invisível existente entre eles como um corpo místico.
Cristo está presente na comunidade em virtude de sua promessa: “Quando dois ou três estiverem reunidos em meu nome, então estarei no meio deles” (Mt 18, 20). A verdadeira unidade, pois, só é atingida com relação a um princípio mais elevado: “Somente […] quando o homem tem um relacionamento correto com Deus é que todos os seus outros relacionamentos — com seus semelhantes e sua conduta com o restante da criação — podem estar em boa ordem”.9
A união que tem lugar entre Deus e a alma no Sacrifício Eucarístico é espiritual, mas também física, já que o homem é um composto de corpo e alma. O sacrifício é expresso por sinais tangíveis, como uma refeição. A própria estrutura da Eucaristia emerge de sua instituição por Cristo na Última Ceia, com sua ordem: “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22, 19).
Compartilhar uma refeição fortalece a unidade e harmonia entre os participantes. Com efeito, a palavra latina convivium significa refeição, banquete. A Celebração Eucarística é por excelência o sacrum convivium, no qual os fiéis compartem o Corpo e Sangue de Cristo, tornando-se um n’Ele.
E qual o simbolismo do lugar, elementos e gestos usados na Liturgia? Leia no próximo post.
1 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q.81, a.7, resp.
2 DIONÍSIO AREOPAGITA. De ecclesiastica hierarchia .c.1, 2.
3 SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., II-II, q.81, a.7, resp.
4 Cf. RIES, Julien. Tratado de antropología de lo sagrado. Madrid: Trotta, 2005, p.9-14.
5 BENTO XVI. Sacramentum caritatis, n.40.
6 CIC 1069.
7 CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum concilium, n.7.
8 CIC 1071.
9 RATZINGER, Joseph. The Spirit of the Liturgy. San Francisco: Ignatius, 2000, p.21. ”.