Deus habita na alma que está em graça
É uma das verdades mais claramente manifestas no Novo Testamento:
“ Se alguém me ama, guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele e nele faremos nossa morada”(Jo 14,23).
“Deus é caridade, e o que vive em caridade permanece em Deus, e Deus nele” (1 Jo,4,16).
“Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é sagrado – e isto sois vós”(1 Cor3,16-17).
Como se vê, a Sagrada Escritura emprega várias fórmulas para exprimir a mesma verdade: Deus habita na alma que está em graça. Essa inabitação é atribuída ao Espírito Santo que é o Amor essencial no seio da Santíssima Trindade.
Com muita clareza o grande teólogo Pe. Antonio Royo Marín, OP, resume a essência dessa inabitação da Santíssima Trindade na alma do justo: “No cristão, a inabitação equivale à união hipostática na pessoa de Cristo, se bem que não seja ela, mas sim a graça santificante, a que nos constitui formalmente filhos adotivos de Deus. A graça santificante penetra e embebe formalmente nossa alma, divinizando-a. Mas a divina inabitação é como a encarnação em nossas almas do absolutamente divino: do próprio ser de Deus tal como é em si mesmo, uno em essência e trino em pessoas”(Fr. Antônio Royo Marín OP, Somos hijos de Dios, BAC, Madrid, 1977, p. 48).
Para compreender a divina inabitação na alma, assinalaremos as diversas formas de presenças de Deus:
1. Presença pessoal ou Hipostática
É própria e exclusiva de Jesus Cristo enquanto homem. N’Ele a pessoa divina do Verbo não reside como em um templo, mas constitui sua própria personalidade. Apesar de existir n’Ele duas naturezas, a divina e a humana, Nosso Senhor Jesus Cristo possui uma só personalidade: a divina.
2. Presença Eucarística
“No augusto Sacramento da Santa Eucaristia, depois da consagração do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, está presente verdadeira, real e substancialmente, sob a aparência destas realidades sensíveis” (DS 1651).
O ubi eucarístico afetando de modo direto e imediato o corpo de Cristo, afeta também as três Pessoas da Santíssima Trindade: o Verbo, por sua união pessoal com a humanidade de Cristo, e o Pai e o Espírito Santo, em virtude da divina circunsessão ou presença mútua das três divinas Pessoas entre Si, que as faz absolutamente inseparáveis.
3. Presença da visão
Deus está presente em todas as partes por essência, presença e potência, mas não Se deixa ver. No Céu, com a visão beatífica pode considerar-se como presença especial de Deus, distinta das demais, porque Deus deixa-Se ver.
4. Presença de imensidade
Deus está realmente presente em todas as partes e em todas as coisas. Não existe um lugar ou criatura onde Deus não Se encontra, mesmo tratando-se de uma pedra ou até um demônio. Ele poderá estar presente por essência (dando o ser), por presença (permanecendo sempre ante seu divino olhar) e por potência (submetendo inteiramente a seu divino poder).
5. Presença de inabitação
É a presença íntima de Deus, uno e trino, como Pai e Amigo, na alma justificada pela graça.
Qual a diferença entre a presença de inabitação e a presença de imensidade?
Antes de tudo, a presença especial de inabitação pressupõe a presença geral de imensidade, sem a qual aquela não seria possível. Entretanto, é acrescentado a esta presença de imensidade duas coisas fundamentais: a paternidade e a amizade divinas. A primeira decorrente da graça santificante; a segunda, da caridade sobrenatural.
a) A Paternidade
Não se pode dizer que Deus seja Pai das criaturas na ordem puramente natural. Embora todas tenham saído de suas mãos criadoras – se bem que para a criação dos seres vivos, Deus tenha se servido de outras criaturas, como instrumento – Deus torna-Se Autor ou Criador mas não Pai. O artista que esculpir uma estátua em um tronco de madeira será o autor da estátua, mas de modo nenhum será o pai da estátua. Para ser pai é preciso transmitir a própria vida, isto é, a própria natureza específica a outro ser vivente da mesma espécie.
Para Deus ser nosso Pai, além de Criador, era preciso que nos transmitisse sua própria natureza divina em toda a sua plenitude (como em Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus por natureza) ou, ao menos, uma participação real ou verdadeira da mesma (é o caso da alma justificada).
Em virtude da graça santificante, que nos dá uma participação misteriosa, mas muito real e verdadeira, da natureza divina (cfr. 2 Pe1,4), a alma justificada se faz verdadeiramente filha de Deus por uma adoção intrínseca muito superior às adoções humanas, puramente jurídicas e extrínsecas. E a partir deste momento, Deus, que já residia na alma por presença geral de imensidade, começa a estar nela como Pai e a olhá-la como sua verdadeira filha.
A presença de imensidade é comum a tudo quanto existe; a de inabitação, porém, é própria e exclusiva dos filhos de Deus. Supõe sempre a graça santificante, não podendo dar-se sem ela .
b) A amizade
Juntamente com a graça santificante é infundida na alma a caridade sobrenatural. Esta estabelece uma verdadeira e mútua amizade entre Deus e os homens: é sua própria essência. Deus começa a estar nela não só como Autor, mas também como verdadeiro Amigo.
Portanto, a presença íntima de Deus, uno e trino, como Pai e Amigo, constitui a própria essência da inabitação da Santíssima Trindade na alma justificada pela graça santificante e pela caridade sobrenatural.
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