Quando Deus conduz um homem…

Ir. Maria Beatriz Ribeiro Matos, EP

3ª ano de Ciências Religiosas

Belo erguia-se o castelo de Kerlois, da família Keriolet, de elevada linhagem da Bretanha. Nascido o único filho varão em 1602, o horizonte familiar começa a se toldar, pois o menino, chamado Pierre, logo se revelou indisciplinado e desobediente.

Mandaram-no para ser educado com os jesuítas. Ali sua diversão era roubar o chapéu e o manto dos alunos e debicar dos sacerdotes. Seus pais, aflitos, tentavam reconduzi-lo ao bom caminho, ora com castigos, ora com afagos. Tudo se mostrava inútil! Despediram-no de casa.

Errante, pobre e orgulhoso, Pierre foi parar na rua. Entretanto, quando soube da morte do pai, exultou de alegria: estava rico! Voltando ao castelo, esbanjava seus bens numa vida dissoluta, e nada o amedrontava. Nem mesmo os vários avisos recebidos da Providência.

Numa noite de tempestade, Pierre dormia quando um raio atingiu sua cama: a metade em que ele estava ficou intacta e a outra em chamas. Irado, ele apanhou a pistola e atirou para o Céu, em desafio a Deus que se “atrevia” a ameaçá-lo.

Certo dia, foi a uma cidade vizinha com uns amigos para se divertir. No caminho, foram assaltados e espancados. Ficando gravemente ferido, ele fez uma promessa a Nossa Senhora de Liesse: visitaria seu santuário se não morresse. Passado o perigo, foi-se a piedade de Pierre. Apenas rezava todos os dias três Ave- Marias, sem saber por que o fazia…

Em outra ocasião, sonhou que descia uma rampa vertiginosa, ouvindo risos estridentes, blasfêmias e zombarias, cada vez mais próximas: estava no inferno. Assustado, despertou, decidido a mudar de vida, e ingressou na Cartuxa… onde morou oito dias!

De volta ao século, a vida de antes não o contentava mais e tornou-se ainda pior. Até que soube das ursulinas de Loudun — caso famoso em toda a França —, que, sem culpa própria, ficaram possuídas pelo Maligno. Quanto mais elevado fosse o posto da religiosa na hierarquia conventual, mais demônios tinha no corpo. Já havia alguns meses que se faziam contínuos exorcismos.

Todas as pessoas receavam acercar-se da cidade, Pierre quis mostrar sua bravura e, por orgulho, para lá se dirigiu. Ao deparar-se com a capela do mosteiro, decidiu entrar: viu uma religiosa debatendo-se no chão e vociferando, não obstante as ordens do exorcista. O jovem julgou ser este um espetáculo atraente e divertido, e sentou-se no fundo da igreja. A possessa voltou-se para ele e disse:

— Oh, meu amigo, que fazes aqui?

Ante o assombro dos assistentes, Pierre não se espantou:

— Vim para meus afazeres…

— Sim, para teus afazeres — respondeu o demônio num tom

sarcástico — Tu nem sabes o que estás fazendo!

Pierre gostou desta primeira experiência e se propôs voltar. Por nove dias nada de extraordinário aconteceu. No décimo dia, entretanto, como o demônio não saía, o padre lhe perguntou:

— Por que te recusas a sair?

— É porque Ela não me dá permissão, até que aquele homem se converta!

A possessa voltou-se e apontou para Pierre que, desta vez, ficou terrificado!

O demônio pôs-se a blasfemar e a acusar a justiça de Deus, por ter Ele condenado tantos anjos por um só pecado e por querer perdoar aquele homem abominável:

— Ó miserável, eu julgava possuir-te e te levava ao inferno, até que fizeste a Nossa Senhora de Liesse aquele voto que nunca chegaste a cumprir. Ingrato e indigno das prodigalidades desta Virgem! Blasfemador e ateu! É possível que tal homem receba misericórdia? Ó injustiça divina!

Pierre estava vencido. Arrependeu-se no mesmo momento e fez uma confissão pública. No outro dia; prosternado na igreja, expiando seus pecados, Pierre viu começar novo exorcismo. O demônio, furioso por tal perda, não se continha:

— Ele está em tal estado que, se continua assim, estará tão alto no Céu como esteve fundo no inferno conosco.

— Quem trabalha tão poderosamente para sua salvação? — perguntou o sacerdote.

— É a Virgem Maria, a grande amiga deste homem! — respondeu o demônio.

Pierre passou a ser ardente devoto de sua Benfeitora e foi ordenado sacerdote por vontade expressa d’Ela, tornando-se ele próprio exorcista, pelo que o demônio sempre esbravejava por obedecer a quem antes lhe servira. Em seu túmulo, uma frase resume sua vida: “Aqui jaz Pierre de Keriolet, conquista de Maria. Ela o tornou seu fiel e zeloso servidor”.

One response to “Quando Deus conduz um homem…”

  1. Ceres Paes disse:

    Salve Maria,Querida Ir.Maria Beatriz Ribeiro Matos,EP.
    Lembro-me bem da sra,.de seu rostinho.A sra.é irmã da Ir.Maria Teresa Ribeiro Matos,EP.
    Sinto saudades de todas as senhoras,Irmãs Queridas.
    Esse artigo que a sra.escreveu veio hoje coincidir um livro que estou lendo de um amigo sacerdote jesuíta,muito querido:Pe.Luis Gonzales Quevedo-Campo,SJ.
    O livro dele se chama:”Projeto de Vida:amar e ser amado”.Pe.Quevedo,SJ escreveu algo que ontem à noite,quando li,fiquei maravilhada e pensando que tudo acontece no tempo certo,conforme à Vontade de Deus.
    Hoje a sra.escreveu esse artigo.Coincidência…..Não!!!!Providencial!
    Cada dia que se passa,percebo como Deus está falando comigo diàriamente.E isso é simplesmente:Maravilhoso!!!
    Pe.Quevedo,SJ falou da concepção “clássica” e da concepção “moderna”da Vontade de Deus!
    A concepção clássico tem muito a ver com esse artigo da sra.
    “Segundo essa concepção,a vontade de Deus é “antecedente”a todo e qualquer pensamento,decisão ou sentimento humanos.Deus é Senhor absoluto da minha vida,ELE decide previamente e eu devo obedecer.É necessário “morrer para si mesmo”,renunciar à própria vontade,suspeita de pecaminosa ou desordenada,porque centrada no próprio “eu”e não em Deus.Mas quem descobrir o amor de Deus,será capaz de sair de si mesmo ou negar a própria vontade,para fazer a vontade Daquele que o ama,porque “o amor com amor se paga” e obedecer é amar.”
    Mas a concepção moderna”da vontade de Deus também tem muito a ver com o Monsieur Pierre(desse artigo).
    Pe.Quevedo,SJ escreveu:
    “Segundo essa concepção,a vontade de Deus sobre mim não é algo exterior a mim,que ameaça esmagar-me;pelo contrário,ela é essa palavra que Deus diz sobre mim nas profundezas do meu ser.Essa palavra não me aliena,antes me constrói,purificando-me.A vontade de Deus faz broitar o que há de melhor em mim,aquele”eu”que o amor de Deus,sempre em risco de ser sufocado por um falso “eu”(Jaer).
    Deus não nos trata como a empregados(cf.Lc17,7-9; Jo15,15),nem como a “meninos de recados”(“faça isso”,”não faça isso”),mas como a pessoas adultas e livres.
    Deus quer que eu decida livremente minha vida diante Dele.
    ….A descoberta da vontade de Deus sobre nós dar-se-á no exercício sereno da nossa própria liberdade,nas circunstâncias concretas da nossa existência”
    No livro “Projeto de vida:amar e ser amado”(do Querido Jesuita Pe.Luis Gonzales Quevedo-Campo,SJ)também cita:
    “Para a mística inaciana,Deus é a divina Majestade,o Senhor de cuja soberana vontade depende tudo.Diante Dele pouco importa o que o ser humano queira ou deixe de querer.O único que importa é o que possa agradar a sua divina Majestade.Ele é livre acima de tudo.Segundo Santo Inácio,só a livre ação de deus na história poderá nos revelar quem é ELE ,e que tipo de relação ELE quer estabelecer com a Humanidade”(Karl Rahner.)

    Deus tem um projeto de vida para cada um de nós,assim que ELE nos criou.Deus nos dá o livre arbítrio,mas é Deus quem nos conduz….
    Muito obrigada ,Ir.Maria Beatriz Ribeiro Matos,EP.
    Gostei muito!!!!desse artigo e enviarei para o e-mail do Pe.Quevedo,SJ.
    As sras.Irmãs Arautos do Evangelho,EP poderiam um dia conhecer o Mosteiro dos Jesuítas em Indaiatuba(SP):www.itaici.org.br
    Mosteiro Vila Kostka.
    Lá tem muitos Cursos,Retiros Espirituais Inacianos de 08,30 dias e tb.de finais de semana,Eneagrama.
    Conheci algumas Irmãs Marcelinas lá.
    As Irmãs Arautos do Evangelho poderiam ir lá tb.para praticarem os Exercícios Espirituais de Sto.Inácio de Loyola.Muito bom!!!
    Um abraço carinhoso e fraterno.
    Ceres de Andrade Paes.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *