A preferência pelos montes

Ir. Teresita Morazzani Arraiz, EP

Na narrativa dos Evangelhos, nunca nos deparamos com Jesus descendo a um abismo para rezar ou entrando numa gruta para falar com o Pai. Pelo contrário, sempre sobe Ele a um alto de monte ou a uma elevação para retirar-se do burburinho da vida ativa e passar a noite em contemplação. “Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha” (Mt 5, 1). “E despedido que foi o povo, retirou-se ao monte para orar” (Mc 6, 46). “Conforme o seu costume, Jesus saiu dali e dirigiu-se ao monte das Oliveiras, seguido dos seus discípulos” (Lc 22, 39). Lembremo-nos, sem embargo, que em sua condição humana Jesus possuiu, desde o primeiro instante de sua concepção no seio de Maria, a visão beatífica, como nos ensina PIO XII, em sua Encíclica Mystici Corporis Christi: “[…] pela visão beatífica de que gozou desde que concebido no seio da Deípara, […]” (D 3812). Segundo São João Damasceno, Cristo orava de dentro de sua natureza humana “ensinando-nos que na oração se manifesta a glória divina”1. Assim sendo, estando a alma dEle constantemente vendo a Deus face a face 2, não necessitava Ele retirar-se para orar ao Pai. No entanto, relata Mateus: “Seis dias depois, tomou Jesus consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e conduziu-os à parte a uma alta montanha” (Mt 17, 1).

Aprofundemo-nos um pouco mais para melhor tiramos proveito para nossa vida espiritual: Qual seria essa montanha?

Afirma Maldonado que “os [comentaristas] modernos pensam que seria o monte Hermon, próximo da Cesareia onde se encontrava Jesus. Mas a Tradição do Tabor é muito antiga; o Tabor é também, por seu isolamento, muito conforme à descrição do texto, bastante alto e não tão longe de Cesareia para que em seis ou oito dias não se pudesse percorrer a distância que separa ambos os lugares” 3.

Por que essa predileção do Mestre por lugares altos?

Em primeiro lugar, fisicamente, o cume de uma elevação está mais próximo de céu do que o fundo de um precipício. “O mais das vezes a glória de Deus se faz patente nos montes, que estão mais perto do céu e mais afastados da terra, e não nos vales” 4, enuncia Maldonado. Portanto, é de se conjecturar que Jesus Homem preferisse estar com seu corpo o mais perto possível do Pai, ainda que sua alma estivesse na visão direta de Deus – como dissemos acima – e fosse Ele próprio a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Em segundo lugar, talvez escolhesse Ele os montes para simbolizar a necessidade de elevarmos nossos corações e pensamentos acima das coisas deste mundo, e entregarmo-nos, assim, mais facilmente à meditação das verdades eternas, como comenta São Remígio 5.

Ademais, geralmente os altos das montanhas são solitários e distantes do barulho do mundo. O apartar-se das criaturas é condição indispensável para se entrar em contato com Deus, e mais ainda para vê-Lo. A este respeito, o mesmo São João Damasceno nos ensina em uma homilia:

O amor, como cume de virtudes, está simbolizado na montanha sobre a qual Jesus conduziu seus apóstolos; porque quem chega ao cume da caridade, saindo de certa forma de si mesmo, pode compreender o Invisível. […] A hesychía – sugerida por Lc 9, 28 – é a mãe da oração, e a oração é a manifestação da glória de Deus; porque se fechamos as portas dos nossos sentidos e procuramos encontrar a nós mesmos e a Deus, livres das coisas que acontecem no mundo exterior veremos dentro, em nosso coração, e com toda clareza, o Reino de Deus. Porque o Reino dos céus […] está em nosso interior, como o disse o mesmo Senhor 6.

Também, de acordo com o Papa Emérito Bento XVI o monte é lugar para melhor entrar em contato com Deus:

De novo encontramos, como já no Sermão da Montanha e nas noites de oração de Jesus, o monte como o lugar da especial proximidade com Deus; de novo devemos pensar em conjunto os diversos montes da vida de Jesus: o monte da tentação; o monte de sua grande pregação; o monte da oração; o monte da transfiguração; o monte da agonia; o monte da cruz; e, finalmente, o monte do ressuscitado, no qual o Senhor – em oposição à oferta que lhe fizera Satanás do domínio sobre o mundo – declara: ‘Foi me dado todo o poder no céu e na terra’ (Mt 28, 18) 7.

E, desse modo, o mesmo Bento XVI define o simbolismo do “monte como lugar da subida – não apenas da subida exterior, mas também da interior. O monte como libertação do peso de cada dia, como respiração do ar puro da criação; o monte que oferece o panorama para a vastidão e para a beleza da criação; o monte que me dá elevação interior e me permite pressentir o Criador”.8

1 Apud AÑO CRISTIANO VIII Agosto. Coordinadores: Lamberto de Echeverría, Bernardino Llorca y José Luis Repetto Betes. Madrid: B.A.C., 2005. p.138

2 Cf Jo 3, 13 e Jo 8, 38.

3 MALDONADO, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios I Evangelio de San Mateo. Madrid: B.A.C., 1950. p. 607

4 Ibid. p.608

5 Cf AQUINO, Tomás de. Catena Áurea. Exposición de los cuatro Evangelios Vol. II San Mateo (segunda parte). Buenos Aires: Cursos de Cultura Católica, 1946. p. 90

6 Cf AÑO CRISTIANO. Op. cit. p.138 – 139

7 RATZINGER, Joseph. Bento XVI. Jesus de Nazaré. Trad. José Jacinto Ferreira de Farias. São Paulo: Editora Planeta, 2007. p. 263

8 Loc. cit.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *