“Isso é mais velho que a Sé de Braga…”
Ir. Ângela Tomé, EP
Riqueza histórica da Sé de Braga
Chegamos, após rápido percurso de 45 km, e entramos por um dédalo de ruas estreitas, cheias de marcas de um passado afanoso, com monumentos e antigas construções já em ruínas, no fim das quais deparamo-nos com a vetusta igreja.
Tem mesmo uma aparência bem idosa…
É como a fisionomia de certas pessoas que, por serem virtuosas, vão acumulando em si as características de todas as idades: da infância, conservam a inocência; da juventude, o ardor; da maturidade, a sabedoria; e, da velhice, a bondade alcandorada.
Uma igreja construída há quase 2 mil anos
A Igreja de Santa Maria Bracarense, como era antes conhecida, é precedida por uma despretensiosa praça de pedras brancas, formada por filas de casas encostadas umas às outras, como que se amparando mutuamente por serem, elas mesmas, muito antigas. Nem por isto deixam de ser alegres e distintas, com suas cores vivas e variadas, suas brancas cortinas bordadas, balcões com flores, grades artisticamente trabalhadas.
Construída no ano de 45, quando para Braga se dirigiu seu primeiro bispo, São Pedro de Rates, ao longo dos séculos foi-se ampliando o pequeno templo, até que as terríveis invasões maometanas de 716 o destruíram totalmente.
Somente no século XI, foi ele reedificado. Desta época data o portal, em estilo românico. A fachada principal, no entanto, é do século XV e sofreu grandes remodelações.
Nota-se nessa venerável igreja um sistema de construção semelhante ao de certas casas de família, as quais vão sendo ampliadas aos poucos, na medida em que aumenta o número de filhos… A nave central e os corredores laterais são de estilo gótico e conferem à Sé sua característica principal: um ambiente recolhido e austero. O coro, com dois órgãos monumentais e um grande relógio dourado, é do século XVIII. A capela de São Geraldo, anexa à construção principal, é em estilo barroco.
Das paredes de pedra granítica dos corredores laterais, pendem estandartes com os brasões de todas as vilas integrantes da diocese: Póvoa de Lanhoso, Celorico de Basto, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão, Esposende, etc.
Atmosfera de oração, a nota predominante
Instintivamente, no interior da igreja todos guardam um respeitoso silêncio, imposto pelo imponderável de sagrado e pela atmosfera de oração nela existentes. Nota-se, inclusive, uma preocupação de evitar o ruído de passos, para não tirar de seu recolhimento as pessoas que aí procuram, na oração, o refúgio para suas misérias e as energias para a caminhada da vida.
O altar central é presidido por uma encantadora escultura medieval da Virgem Maria com o Menino Jesus nos braços. Uma artística capela dedicada ao Santíssimo Sacramento é continuamente banhada pelos raios solares que atravessam os vitrais da ábside e transmitem suas cores ao sacrário de prata.
A riqueza inocente da alma portuguesa foi enriquecendo a igreja com imagens de invocações expressivas e encantadoras. Por exemplo, numa parede exterior há uma Nossa Senhora do Leite. Em altares laterais encontra-se o Senhor da Paciência, a Senhora dos Fastios, o Senhor Cristo das Ânsias, Nossa Senhora da Boa Memória, o Senhor do Perdão… Há também um pitoresco altar dedicado a Nossa Senhora do Rosário e aos Santos negros: São Benedito, Santa Ifigênia Carmela, princesa de Núbia, Santo Antonio Denoto e Santo Elesbão.
Atrai especialmente a atenção uma antiga capela lateral bem iluminada, arranjada com bom gosto, senso artístico e sobretudo espírito de piedade. Nela estão expostas à veneração dos fiéis as relíquias de inúmeros santos e mártires.
Um dado curioso a atestar a antiguidade da Diocese de Braga: ela teve 141 bispos, sete dos quais foram canonizados.
Irmã Maria Estrela Divina
Outro detalhe interessante para avaliar a vitalidade espiritual dos portugueses é a existência de uma capela gótica incrustrada na vetusta Catedral como uma pedra nova numa coroa. Isolada por vidros transparentes, esta capela serve de escrínio para uma urna que contém os restos mortais da Irmã Maria Estrela Divina, uma terciária dominicana, falecida em odor de santidade, em 1955. Há uma foto muito boa da fisionomia serena e alegre desta “santa” popular, que ofereceu sua vida como vítima expiatória. Flores em profusão manifestam o desejo popular de abertura de um processo de canonização.
A visita ao museu da Sé proporciona aos brasileiros uma agradável surpresa: a cruz de ferro utilizada na celebração da primeira Missa no Brasil.
Frutas frescas para o Bispo São Geraldo
Outra maravilha nos aguardava nesta visita. Era o dia 5 de dezembro, festa de São Geraldo, Bispo de Braga, empossado em 1096. Atravessando o lindo claustro, chegamos a um pátio onde há ruínas da igreja primitiva e, mais ao fundo, uma rica capela em estilo barroco, dedicada a este santo bispo.
Conta-se a seu respeito uma pitoresca história. Depois de longa e laboriosa vida apostólica, em que incentivou a construção de muitas igrejas e mosteiros em sua ampla diocese, São Geraldo encontrou-se enfermo, com febre ardente e muitíssima sede, que água nenhuma aplacava. Pediu ele, então, para lhe servirem suco de frutas frescas. Mas estava-se em pleno inverno… não havia fruta alguma nas árvores. Embora desejosos de atender ao pedido de tão santo varão, seus auxiliares nada encontraram nos pomares nem nos campos, a não ser árvores desfolhadas.Voltaram consternados e lhe explicaram o sucedido. O santo tornou a repetir que, por caridade, lhe trouxessem suco de frutas frescas.
Movidos por amor e compaixão, saíram novamente os clérigos, a procurar nos mesmos locais e — oh milagre! — desta vez encontraram toda espécie de frutas: laranjas, maçãs, cerejas, pêssegos, uvas e tangerinas. Colheram tudo quanto puderam, preparando um delicioso suco para o enfermo. Assim reconfortado e com sua sede aplacada, pôde este preparar-se serenamente para o grande encontro com Nosso Senhor Jesus Cristo, que ocorreu na tarde desse mesmo dia.
Anualmente, no dia 5 de dezembro a comunidade celebra sua festa e, entre outros atos de homenagem, decora o lindo altar dourado com várias espécies de frutas, todas oferecidas pelos fiéis. O resultado dessa ornamentação é muito agradável para os sentidos, inclusive para o olfato, e não há quem não sorria diante de tão original ideia.
Uma glória para a Santa Igreja
Assim, com a alma fortificada por esses tão antigos testemunhos de fé, encerramos nossa peregrinação à velha Sé de Braga.
Que lição tirar de tudo isto? Das muitas que o Espírito Santo nos pode inspirar, uma nos vem à mente: o desejo de que em todas as igrejas, construídas ou a construir, tenha-se o cuidado de deixar gravadas para os séculos futuros as vicissitudes, as batalhas, as demolições e reconstruções, os pequenos e os grandes milagres, os embelezamentos e as deteriorações, as cicatrizes das derrotas e as coroas de glória que constituem a vida das comunidades verdadeiramente católicas. Tudo isto será de grande valia para a edificação dos fiéis e glorificação da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana, pelos séculos afora.
[…] Ir. Ângela Tomé, EP Riqueza histórica da Sé de Braga Numa fria e nublada manhã de dezembro, partimos do Porto, dispostas a admirar o venerável edifício do popular provérbio português: “Isso é mais velho que a Sé de Braga…” Chegamos, … Continuar lendo → […]
Gostei do conteúdo da postagem. Parabéns