Uma galinha caprichosa

EMELLY TAINARA SCHNORR

São João Bosco, destacado educador, inaugurou o método de educação preventivo que consiste em estimular as boas qualidades dos jovens e inibir os defeitos, ou seja antes prevenir o erro a do que remediá-lo.

A história abaixo foi por ele narrada numa das costumeiras conversas informais com o conjunto de seus alunos, as quais eram cognominadas “Boa noite”, por serem realizadas após o jantar, antes que os meninos se recolhessem para dormir.

Havia no quintal uma galinha caprichosa

Uma tarde, a galinha não quis entrar no galinheiro. Em vão a dona tentou introduzi-la. Houve um corre-corre pelo pátio, até que a boa mulher, cansada de persegui-la, fechou o galinheiro e foi embora para casa.

A galinha passeia por aqui e por ali, muito satisfeita, ciscando alguns grãos que encontra no chão, satisfeita com sua liberdade. Ao cair a noite, vê a escada que conduz ao celeiro e, saltando de degrau em degrau, chega até o feno, encontra uma postura cômoda e se prepara para dormir. Logo, um ruído a desperta. É noite. Ninguém está acordado na casa. Os cães estão pela vinha, vigiando os cachos em flor.

Uma raposa invadiu o celeiro, viu a galinha e se dispõe a devorá-la. A galinha, espantada, voa. De um salto, a raposa quer pegá-la, mas cai no jardim, enquanto a galinha se refugia nos galhos de uma árvore. A raposa não a perde de vista, e colada ao chão, permanece com o focinho voltado para o alto, sem despregar os olhos de cima. Depois de uma longa hora, a galinha dá outro voo: alcança o muro que cerca o jardim. A raposa está ao pé. O muro é mais baixo que os galhos da árvore.

A raposa descobre um pedaço de pau apoiado no muro. Aí trepa e corre sobre ele. A galinha só pode salvar-se com um terceiro voo a uma árvore que está fora do jardim e que é ainda mais baixa. A raposa desce do muro, sai por um buraco e se prepara para subir pelo tronco. A galinha, que se vê quase pega, voa até outra arvorezinha. Cega de terror, se lança sobre uma cerca. A raposa se introduz entre os galhos e a galinha dá um último voo, mas já não encontra onde refugiar-se. Cada vez está mais próxima ao chão, e a raposa, com olhos de fogo, a persegue até que a prende entre suas garras.

A infeliz galinha cacareja. Ninguém a escuta, e logo não resta dela mais do que um monte de penas ensanguentadas.

[Aqui há uma troca de impressões entre as pessoas, e Dom Bosco conclui:]

Filhinhos, a raposa é o demônio; a galinha são certos jovens, que são bons, mas confiam demasiado em suas forças, não admitem regras, como a galinha que não quis deixar-se fechar no galinheiro. Inexperientes, desdenham os conselhos, porque tem “asas”: a boa vontade e a oração, ou… sua própria vontade. Não pensam que a natureza, fraca, tende a cair1.

Esta história nos faz refletir a respeito do destino de tantos jovens em nossos dias. Acreditando já terem asas suficientes para tornarem-se independentes de qualquer regra ou autoridade, querem voar sozinhos, seguindo sua própria vontade. É a ilusão da pseudo-liberdade, já que a liberdade só é um bem verdadeiro quando usada para o bem, assim como o fogo, se empregado corretamente, é excelente para a vida humana, mas pode ser causa de grandes desastres se utilizado para o mal.

Surge então uma bifurcação nessa reflexão: a responsabilidade do educando e a do educador. O primeiro deve deixar-se educar; o segundo, deve saber educar. A este último, é exigida uma paciência muitas vezes heroica, não apenas contornando as limitações próprias aos menos experientes, mas também persistindo em mostrar-lhes os verdadeiros valores, tão ofuscados em nossa sociedade.

Se a galinha tivesse obedecido a mulher, seu fim teria sido tão trágico? E se a mulher tivesse sido mais pertinaz, não teria talvez convencido a galinha a entrar no galinheiro? A quantos jovens desencaminhados faltaram educadores pacientes, e a quantos educadores faltam alunos com apetência de aprender? É o dilema da educação…

1 SÃO JOÃO BOSCO. Biografia y escritos de San Juan Bosco: ideario Pedagógico. Madrid: BAC, 1967. (Tradução nossa). p. 514-515.

One response to “Uma galinha caprichosa”

  1. Maurílio Fiuza disse:

    As matérias publicadas pelos Arautos nos ajudam a refletir sobre pontos muito importantes, muito esquecidos nos dias de hoje, e que fazem um bem enorme às nossas almas.
    Deus concebeu toda a Criação dentro de uma ordem admiravelmente perfeita. Eis porque as ordens religiosas, por mais diversos que sejam os seus carismas, têm como ponto comum, a par da Pobreza e da Castidade, a virtude da Obediência à Regra: “Guarda a ordem e a ordem te guardará”. A reflexão sobre a parábola da galinha caprichosa mostra que isto se aplica tanto aos educandos (inferiores) quanto aos educadores (superiores). Se qualquer deles deixar de observar este ponto expõe-se ao perigo do que, em outras palavras, está dito nas Sagradas Escrituras: “Se condescenderes com tua alma no que deseja (desobediência à ordem, caprichos), ela fará de ti a alegria dos teus inimigos”. (Ecli., 18,31). Salve Maria!

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