Via para o conhecimento de Deus pela razão
Maria Teresa Matos
Na realidade, porém, essa interrogação que se formava na cabeça do pequeno gênio, existe, ainda que de forma implícita, na mente de toda criatura humana, porque fomos criados por Ele e para Ele. “N’Ele nos movemos e existimos” (At 17,28). Entretanto, sendo tão superior a nós, nossos sentidos não O percebem. Ele que nos criou para conhecê-Lo, amá-Lo e servi-Lo, não nos deixou abandonados; imprimiu na obra da Criação vias ou caminhos para que o homem chegasse até o conhecimento de Sua existência.
Por essas vias, a razão não chega ao conhecimento da quididade divina ou da sua essência. Apenas pelos efeitos consegue-se chegar à demonstração de sua existência, que em Deus não se podem confundir (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma contra los gentiles, L.I, c.12).
Quatro são as vias que explicitou Aristóteles: movimento, origem, contingência e governo. Séculos depois, São Tomás as aprimorou e explicitou, ademais, a via dos graus de beleza ou hierarquia de valores dos seres.Tanto o Estagirita quanto o Doutor Angélico mais se aplicaram a primeira delas, a via do movimento.
O movimento sempre constituiu um grande problema para os antigos filósofos, compreendido por eles em todos os seus sentidos: a mutação de local ― deslocamento ― ou a passagem de potência para ato. “Chamo de movimento a atualidade do possível enquanto possível” (ARISTÓTELES. Metafísica. L.XI, c.IX).
Havia alguns, como Parmênides (apud GARRIGOU-LAGRANGE, 2008, p.104), que defendiam a impossibilidade de haver o movimento, pois, “do ente não se faz o ente, porque já é ente, e do nada, nada se faz, portanto, fazer-se a si próprio é impossível”. Assim, ele afirmava que a mutação percebida pelas vistas era mera ilusão dos sentidos e condenava, também, pelo mesmo princípio, a multiplicidade dos seres.
O ser permanece, por conseguinte, de toda eternidade o que é, absolutamente uno, idêntico a si mesmo e imutável; os seres acabados constituem apenas uma aparência, neste panteísmo ou monismo absolutamente estático, que tende à absorção do mundo em Deus (PARMÊNIDES apud GARRIGOU-LAGRANGE, 2008, p.104).
Heráclito, ao contrário, defendia estar tudo em constante mutação e movimento, e que o princípio de contradição ― o ser ou não ser ― era uma simples divisão abstrata, para facilitar a linguagem e o pensamento.
Ambos, entretanto, possuíam apenas parcelas de verdade. Aristóteles foi quem nos ofereceu a solução distinguindo no ser a potência e o ato. De fato, um ser não pode tornar-se a partir de outro ser já em ato e determinado, como um gládio que devém não pode devir a partir de um gládio que já existe, “mas aquilo que vem a ser já estava primeiramente em potência e provém do ser indeterminado ou da potência real, que é um meio-termo entre o ser em ato e o puro nada” (GARRIGOU-LAGRANGE, 2008, p.104).
A transformação se dá na matéria que adquire uma nova forma. A madeira de uma árvore perde a forma de tronco e adquire a forma de uma mesa, uma cadeira, ou de toras para o forno. O sujeito mutável é a matéria primeira ou segunda. Os seres possuem, portanto, uma potência real, uma matéria indeterminada ou determinável, que se transforma em ato.
Isso se pode observar em toda a ordem do universo. Não há um instante em que cesse o movimento. Desde os astros, passando pelos quase insignificantes animaizinhos, até chegar a um carbono que está debaixo da terra, e pode vir a ser um diamante, todos estão constantemente transformando em ato suas potências, ou seja, movimentando.
O próprio Divino Mestre nos descreve o movimento de uma semente que um homem lança à terra. O agricultor dorme e levanta-se, e a semente vai germinando e crescendo, sem ele saber como. Primeiro cresce uma haste, depois uma espiga e, por fim, os grãos. Quando o fruto está maduro o homem mete a foice, pois chegou o tempo da colheita (Cf. Mc 4,26-34).
Com esta parábola, vemos também a possibilidade da potência ser ativa ou passiva. A semente possui em si uma força própria de se tornar árvore, potência ativa; mas possui igualmente uma capacidade de receber uma forma nova, potência passiva, que não se realizaria se não fosse o homem tê-la lançado à terra. Quanto menor for a potência passiva, maior tem de ser a ativa. Ora, quando a potência passiva é zero, a ativa tem de ser infinita. Logo, é absolutamente necessária a existência de um ser infinito (GARRIGOU-LAGRANGE, 2008).
Por outro lado, “tudo o que se move é movido por outro” (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma contra los gentiles, L.I, c.13), de maneira que nada é movido a não ser quando já existe em potência. E para ser motor, é necessário estar em ato. Porém, não é possível que, em um só ser, algo esteja em ato e potência ao mesmo tempo, mas um ser em ato pode ter a potência de ser outro diverso. Por exemplo: um pedaço de barro cozido tem a potência de se transformar em porcelana, mas essa potência não possui a porcelana, que já o é em ato. É, pois, impossível que o ser seja de uma vez motor e movido, ou que algo se mova a si mesmo. Se algo se move, é porque é movido por outro em ato; e este, por conseguinte, é movido por outro. Mas, não podemos remontar esta escala até o infinito, porque se assim fosse não haveria motor algum, posto que os motores intermediários só se movem em virtude de um primeiro motor, que lhes comunica o movimento. Assim sendo, conclui São Tomás de Aquino (Suma Teológica, I, q.2, a.3), é absolutamente necessário admitir a existência de um Primeiro Motor que não seja movido por ninguém.
Para compreendermos o poder desse Motor Imóvel basta contemplar, em uma noite estrelada, aqueles inúmeros pontinhos espalhados por toda a abóbada celeste, e que se movimentam com uma velocidade espantosa, por mais que pareçam imóveis (ROYO MARÍN, 1963). A realidade da existência desse Motor Imóvel se mostra tão forte no movimento dos astros, que afirma Garrigou-Lagrange (1945, p.335): “O primeiro olhar da inteligência sobre o céu estrelado conduz a Deus e faz vislumbrar sua grandeza”.
Deus é, portanto, este Primeiro Motor, Imóvel, que movimenta todos os seres do universo, desde a inanimada natureza mineral até todos os atos racionais da criatura humana. À maneira de um órgão que, quase sem se mexer, movimenta, com seus sons, inúmeros impulsos e sentimentos na alma humana (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1979); ou como aquela imensa massa líquida de água que é o mar, que com movimentos mínimos produz furiosas ondas (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1974).
Esse motor é uno, imutável, imóvel, infinito. Eis até onde a razão pode chegar à compreensão de seu Criador. Por isso, Deus, desde a vida no Paraíso Terrestre, não cessou de revelar-nos os mistérios de Sua natureza, que só a fé e o amor nos fazem compreender, “porque a razão é incapaz de compreendê-Lo e só é possível desejá-Lo pelos afetos e pelo amor” (SÃO BERNARDO DE CLARAVAL. Sermão 115).
Assim sendo, sem a união entre a fé e a razão não podemos chegar à plenitude ― quão incompleta! ― do conhecimento de Deus possível neste vale de lágrimas.
Impressionante os artigos! Aguardo o próximo!!
Kudos to you! I hadn’t thought of that!