Rico ou pobre: quem se salva?

Ir. Patricia Victoria Jorge Villegas, EP

Imaginemos uma adega que contivesse os melhores vinhos do mundo, onde as garrafas não possuíssem um rótulo. Sem a pequena explicação que o rótulo nos traz a respeito da qualidade das uvas, o volume de álcool, sua proveniência, muito difícil seria distinguirmos os vinhos.

Ora, algo semelhante deu-se com a doutrina que Nosso Senhor Jesus Cristo veio trazer. Uma doutrina carregada de potência, que nossa pobre e humana inteligência, por mais elevada que seja, jamais poderia compreender. Como transmiti-la aos homens?

O Divino Pedagogo quis, assim, colocar um rótulo diante deste extraordinário vinho para nos fazer entender sua doutrina: as parábolas.

pobre_lazaroAnalisemos com cuidado uma de suas Divinas Parábolas e tiremos dela uma importante lição.

Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão, à porta do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas.

Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado. Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado. Então gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas’.

Mas Abraão respondeu: ‘Filho, lembra-te que tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro, por sua vez, os males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. E, além disso, há um grande abismo entre nós; por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós’. O rico insistiu: ‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa do meu pai, porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não venham também eles para este lugar de tormento’. Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas, que os escutem!’ O rico insistiu: ‘Não, Pai Abraão, mas se um dos mortos for até eles, certamente vão se converter’. Mas Abraão lhe disse: ‘Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos’”.
(Lc 16, 19-21)

Um dos assuntos mais polêmicos da atualidade é justamente este: ser rico ou ser pobre. Segundo a concepção de Marx, deve existir uma reivindicação e luta para que a classe mais baixa se iguale à classe alta e, desse modo, ninguém se sinta humilhado. Estaria Nosso Senhor Jesus Cristo favorecendo essa luta de classes? Como entender esta parábola?

A primeira indagação que ela nos sugere é esta: “Vai-se para o inferno pelo simples fato de ser rico? No Céu, só entram os mendigos? Toda riqueza é um mal e toda miséria, um bem?”

A este respeito explica Santo Ambrósio: “Nem toda pobreza é santa e nem todas as riquezas são pecaminosas; mas assim como a luxúria desonra as riquezas, assim a santidade recomenda a pobreza”.2 Na verdade, as riquezas de si são neutras. O problema está no bom ou no mau uso que delas se faça. “O mesmo se deve dizer da pobreza: não é ela boa, nem má. Para qualificá-la é necessário saber com que disposição interior foi aceita”.3

Nosso Senhor Jesus Cristo exalta nesta parábola aquele que, diante da pobreza material, aceita-a com resignação e, ao ver aqueles que estão em melhores condições, louva a Deus.

E o rico? Avarento, egoísta, apegado a si mesmo e ao dinheiro, preocupado com seus próprios interesses, pouco se importava com o pobre Lázaro que vivia na soleira de sua porta. Seu duro coração não sentia nenhuma compaixão. Pelo contrário, desprezava-o. De fato, explana Santo Agostinho: “A insaciável avareza dos ricos não teme a Deus, nem respeita ao homem, nem perdoa o pai, nem guarda fidelidade ao amigo; oprime a viúva e se apodera dos bens do órfão”.4

Neste estado de alma, morrem ambos: “Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado” (Lc 16, 22). O pobre que tinha sofrido todos os infortúnios nesta terra, foi premiado na outra vida. O rico, porém, que tinha todas as comodidades e os confortos neste mundo, mereceu uma eternidade de tormentos.

“Quantas e quantas vezes o rico não deve ter sentido, dentro de si, a voz da consciência recriminando-lhe o apego desregrado pelas roupas, pelos prazeres excessivos da mesa e, sobretudo, pelo dinheiro! Lázaro à sua porta era um dom de Deus, estimulando-o à prática da caridade. Mas ele preferiu os bens deste mundo a ponto de dar as costas a Deus”.5 Desta maneira, compreende-se porque fora lançado ao inferno. Esclarece ainda São João Crisóstomo: “Não era atormentado porque tinha sido rico, mas porque não tinha sido compassivo”.6

E se o pobre não estivesse resignado com sua condição, e o rico fosse virtuoso e generoso?

Para responder a essa pergunta vejamos como Mons. João Clá Dias 7, de forma magistral, imagina a parábola do pobre e do rico com os papéis das duas figuras principais invertidos:

“Imaginemos o rico cheio de compaixão por Lázaro, a ponto de contratar um médico para curar-lhe as chagas, comprar-lhe os remédios, conseguir- lhe um bom abrigo e proporcionar-lhe deliciosos alimentos. Ademais, procurando cercá-lo de afetuosas atenções, chegando a rezar várias vezes ao dia por sua saúde, como também por sua eterna salvação.

Por outro lado, suponhamos um Lázaro que teria a alma mais ulcerada do que seu corpo, pois se consumiria de inveja dos bens do rico e, revoltado contra tudo, contra todos e contra o próprio Deus, cobriria de injúrias o seu benfeitor, desejando- lhe a desgraça e até a morte. A cada ato de comiseração e estima da parte do rico, corresponderia uma reação mal-educada e ressentida de Lázaro. Este só se acalmaria quando obtivesse toda a fortuna daquele, e, para isto, estaria disposto a instigar seu ódio em muitos outros.

E concluía Mons. João: “Se, nesse estado de alma, morressem ambos, qual seria o destino eterno de cada um?”8 Certamente o rico seria levado para gozar da felicidade eterna junto com Abraão e o pobre Lázaro seria condenado às penas do inferno.

Assim, diante desta suposição, não podemos tomar a pobreza como um meio de salvação e a riqueza, de condenação. O importante é ser pobre de espírito, isto é, diante das riquezas ou da possessão de bens, nunca apegar-se. E diante das provações, rejeições e contingências da vida, aceitá-las com inteira resignação. Eis a fundamental lição desta parábola: “o bom relacionamento entre ricos e pobres, e de ambos com Deus, no uso dos bens ou na aceitação das situações constrangedoras pelas quais passem”.9

Sejamos, pois, pobre de espírito para que, quando chegar o momento supremo de nosso encontro com Deus, tenhamos a alma com as disposições de Lázaro, desapegados de todos os bens terrenos, resignados diante de qualquer infortúnio, perseverantes na oração e na prática da virtude para sermos recebidos pelos anjos na eternidade.

1 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O pobre e o rico. Arautos do Evangelho. São Paulo: Ano XI, n.33, set. 2004, p. 10.
2 SANTO AMBROSIO, apud, SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. Buenos Aires: v. IV, p. 388.
3 Loc. cit.
4 SANTO AMBROSIO, apud, SÃO TOMÁS DE AQUINO. Op. Cit. p.389
5 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Op. Cit. p. 9.
6 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, apud, SÃO TOMÁS DE AQUINO. Op. Cit. p. 392.
7 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Op. Cit. p. 10.
8 Loc. Cit.
9 Ibid.p. 11

2 responses to “Rico ou pobre: quem se salva?”

  1. Ceres Paes disse:

    Salve Maria,Irmãs Queridas!dos Arautos do Evangelho,EP.
    Esse lindo!!!texto ajudou-me a compreender bastante a peça de teatro apresentada no XI Congresso Internacional dos Arautos do Evangelho,e comentada pelo Estimado Pe.Ricardo Basso,EP.
    Gostei muito!desse texto!No final de peça teatral,no sábado,dia 25 de Julho,fui conversar rapidamente com o Pe.Ricardo Basso,EP,pois eu não tinha conseguido compreender bem o significado da palavra “pobre de espírito” e fiquei pensativa,porque vejo cada cena atentamente,observando cada detalhe….O Pe.Ricardo Basso,EP,muito gentil!!!explicou-me como a Senhora Irmã Patrícia,EP,explica-nos aqui tão lindamente.
    Agradeço-lhes de Coração por tantas Maravilhas que tenho visto,aprendido com o(a)Senhore(a)s Arautos do Evangelho,EP.
    Aproveito também para lhes agradecer por TUDO de Maravilhoso que fizeram para nos acolher nesse lindo Congresso.Rezei muito para todo(a)s o(a)s Senhore(a)s e principalmente para a cura do Monsenhor João Clá Dias,EP.
    Continuemos unido(a)s rezando por ele e por todos nós!
    Um abraço carinhoso e fraterno.
    Ceres Paes.

  2. Carlos Rogerio Saidl disse:

    Salve Maria!

    Pobreza e riqueza; de espírito, um sermão um grande formador descrevia sobre esse assunto.
    A pobreza de espírito tem graus, primeiro grau significa possuir como se não possui se, ter como se não tivesse. Segundo grau está em renunciar aquilo que se possui, são os religiosos que abandonam tudo e entram para uma vida religiosa. Terceiro grau, não ser vaidoso ou vaidosa, não se julgar um colosso. Quarto grau combater em si o egoísmo, não querer para si, querer para os outros, querer que todos cresçam. Quinto, que tanto pode se dar dentro da inteira riqueza quanto pode se dar dentro da inteira pobreza física e material. Para adquirir a perfeição é possível eu não renunciar a bem nenhum e ter os meus bens, assim como S. Luiz, S. Fernando de Castela eram reis, quantos reis Santos, possuíam trono, coroa, família, castelos, propriedades imensas, foram Santos porque tinham as riquezas e eram como se não as tivesse. Eles estavam dispostos a servir os outros e fazer bem aos outros. Não se chega a perfeição sem uma pobreza afetiva, se bem que não se possa ter pobreza efetiva ou seja pode ser que eu seja rico, mas não tenha afeição as riquezas, ai eu sou pobre de espírito, Não há meio de chegar a perfeição sem a renuncia dos bens, pelo menos interiormente, todos tem que ter essa renuncia e não podemos se apegar a nada.
    Carlos Rogério

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