O Olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo – parte II

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Estando os apóstolos perplexos com as palavras de Jesus sob a impossibilidade de um rico entrar no reino dos céus, “fixando neles seu olhar, disse-lhes Jesus: o que para os homens é impossível, para Deus é possível” (Mt 19, 26.). Tal olhar deve ter sido impregnado de bondade e afeto, com o intuito de incutir-lhes confiança na onipotência Divina.

Outra ocasião onde se nota especialmente o amor de Jesus pelos homens, é na multiplicação dos pães, quando Ele diz ter pena da multidão (cf. Mt 15, 32). O professor Plinio Corrêa de Oliveira diz ser inconcebível que o Divino Mestre tenha proferido essa frase com os olhos fechados. Se seus olhos não estivessem abertos quando andava ou fazia pregações, teria atraído as multidões? Claro está que se assim o quisesse, teria tocado as almas mesmo sem dirigir-lhes o olhar. Porém, não procedeu dessa maneira, e foi seu olhar que as atraiu.9

São Jerônimo comenta outro aspecto do olhar do Divino Mestre, quando expulsa os vendilhões do Templo:

Dentre todos os milagres que Cristo fez, este me parece mais admirável: que um só homem, naquela época ainda desprezível, tenha podido, a golpes de um simples chicote, expulsar tão numerosa multidão. É que, de seus olhos, irradiava como que um fogo celestial e, em sua face, brilhava a majestade da divindade.10

O olhar de Nosso Senhor é tão rico em expressões que poderia ser escrito um evangelho dos “olhares magníficos, esplendorosos; dos olhares suaves, doces ou tristes; dos olhares de esperança, dos olhares de perplexidade, dos olhares de indagação, dos olhares de ordenação e planejamento; dos olhares de justa censura e punição”.11

Um dos episódios onde mais se manifesta o ardente desejo da salvação das almas é o episódio do moço rico. Conta São Marcos que um jovem aproximou-se de Jesus e perguntou o que deveria fazer para alcançar a vida eterna. “Jesus, pondo nele os olhos, mostrou-lhe afeto e disse-lhe: ‘Uma coisa te falta; vai, vende quanto tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me’” (Mc 10, 21).

Mas ele, entristecido porque possuía muitos bens, retirou-se desgostoso (cf. Mc 10, 22). Como deve ter sido esse olhar de Jesus? Nosso Senhor lhe convidava para que desse um passo a mais, rumo a uma entrega completa. Porém, ele rejeitou a graça que lhe batia à porta e preferiu ficar com os bens que passam, a abraçar os que não passam… O que terá sido receber um olhar de afeição do próprio Deus?

Esse olhar que a alguns atraía e a outros rechaçava, espargia tal integridade, retidão e virtude, que para poderem consumar suas atrocidades, os algozes tiveram de vendar-Lhe os olhos (Cf. Lc 22, 64). Sobre esta passagem, comenta o professor Plinio Corrêa de Oliveira:

Que noite tremenda se fez para o mundo quando o olhar d’Ele se extinguiu! Noite na qual se teria vontade de pedir a Deus a morte. Pois, uma vez que alguém se habituou ao convívio daquele olhar, tendo este se apagado, nenhum sentido restaria para se continuar a viver no mundo.12

Entretanto, este olhar se reveste de pedido de clemência quando, flagelado e coroado de espinhos, Jesus é apresentado ao povo por Pilatos: Ecce Homo. “Nessa ocasião, Nosso Senhor não proferiu nenhuma palavra, permaneceu num majestoso silêncio”… 13Seus olhos, porém, solicitavam um pouco de amor, um pouco de afeto, um pouco de pena, e para consumar o sofrimento do Homem-Deus, eles nada receberam…

O Redentor foi julgado e condenado à crucifixão. Para isso, foi obrigado a carregar a cruz até o lugar onde iria ser pregado. Porém, estando exausto devido ao peso da cruz, aos açoites e à perda de sangue, os soldados temeram que Ele não aguentasse chegar ao Calvário, empurraram um homem para ajudar Jesus. Seu nome era Simão e a única coisa que se sabe dele é que era de Cirene. Por ser a cruz instrumento de irrisão e chacota, Simão recusou-se a ajudar. Porém, devido às ameaças dos algozes, teve de fazê-lo.

Quando ele apanhou a cruz, Nosso Senhor, flagelado, seguramente dirigiu-lhe um olhar de gratidão. Simão terá sentido que esse olhar o penetrava completamente. Experimentava algo único em sua vida, pois ninguém o havia olhado assim: um olhar extraordinário, repassado de afeto e reconhecimento. “Um diálogo mudo se estabelece entre o Homem-Deus e o Cirineu. Nosso Senhor lhe diz: ‘Meu filho, é por você que eu sofro. Você me vê no auge do abandono, da desgraça, no último ponto do desprezo humano. Mas olhe para Mim’”.14

Simão, extasiado de felicidade, auxiliou o Divino Mestre a levar a cruz. Por fim, chegaram ao cimo do Calvário, Simão ajudou Nosso Senhor a deitar a cruz no chão e, mais uma vez, Nosso Senhor lhe terá dirigido um olhar de agradecimento. Como terá sido esse olhar de gratidão do próprio Deus?!

Pode-se imaginar a felicidade daqueles que na Terra conheceram pessoalmente Nosso Senhor, que passaram perto d’Ele e para quem Ele olhou! Depois de contemplar esse olhar, o que mais? As belezas mais insignes nesta Terra não significam nada para quem apreciou esse olhar! Um olhar que contém tudo: é a melhor ideia que nesta Terra se possa ter da Visão Beatífica!

A felicidade suprema consiste em permanecer unido a esse olhar, tanto nos momentos de alegria, de glória, de entusiasmo, quanto nos momentos em que a dor se faz presente, e amá-Lo, apesar de muitas vezes todas as circunstâncias parecerem contrárias! Para isso é preciso lutar, tendo sempre presente esse olhar que continuamente brada: Vencereis! Vencereis! Vencereis! Confiando nesta promessa de perdão de todas as faltas e misérias, feita pelo olhar por excelência, do Homem por excelência, Cristo Jesus, pode o homem encontrar forças para vencer as tribulações da vida terrena, a fim de chegar à Pátria celestial, à qual se referiu o Apóstolo: “os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64, 4), o que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2, 9).

9 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O sacrossanto olhar de Jesus. Op. cit. p. 20.
10 SÃO JERÔNIMO. In: Math., L. III, c.21, v.15, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. III, q. 44, a.3, ad.1.
11 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. E seremos repletos de grandeza… Op. cit. p. 17.
12 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O sacrossanto olhar de Jesus. Op. cit. p. 20.
13 Loc.cit
14 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plínio. O exemplo de Simão Cirene. In: Dr. Plinio. São Paulo: Retornarei. n. 48. mar. 2002. p. 20.

One response to “O Olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo – parte II”

  1. Carlos Rogerio disse:

    Em uma conferencia a anos atrás sobre a história dos olhares, o conferencista aconselhava a quem passasse por Salvador Ba, em uma das Igrejas, ver uma imagem de S. Pedro arrependido, por ter negado a N. Senhor, seu rosto ficou marcado de tanto chorar. O orador concluía que olhar N. Senhor deu a S. Pedro que marcou profundamente para sempre em sua alma.

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