O espanhol e a dor

Irmã Silvana Gabriela Chacaliaza Panez,EP

O caminho que conduz à verdadeira felicidade passa pelas adversidades e tribulações: depois da Cruz desta vida, carregada com amor e resignação, aguarda-nos a aurora da Ressurreição.

Desde o início da peregrinação da humanidade nesta Terra, a Divina Providência dotou cada povo de qualidades diversas. Assim, o belga ama a vida tranquila e rotineira, o germânico salienta-se pelo seu dinamismo e capacidade organizadora, enquanto o espanhol se distingue por certo tipo de idealismo no qual a mística e o espírito de luta se misturam de forma singular.

Dotados de uma viva sensibilidade para o sobrenatural, os membros mais característicos desse povo propendem ao desprezo dos bens terrenos e são capazes de fazer os mais árduos sacrifícios por amor ao ideal. Não surpreende, portanto, que as cordas da alma do católico espanhol vibrem com especial intensidade diante das dores de Cristo e de sua Mãe Santíssima na Paixão.

Assim, é curioso constatar como em Sevilha, por exemplo, a maior parte das imagens de Maria, seja qual for sua invocação, refletem os sofrimentos da Mãe de Cristo aos pés da Cruz; ou o elevado número de cidades e povoados desse país que têm por padroeira a Virgen de las Angustias; ou ainda a grande quantidade de espanholas que receberam no Batismo o nome Dolores ou Soledad.

Mas quiçá um fato ocorrido em meados do século XVIII, na mediterrânea cidade de Málaga, mostre ainda com maior viveza essa realidade. Corria o ano 1756, quando foi assolada por uma mortal epidemia. As ruas ficaram desertas, enquanto nos hospitais e conventos acumulavam-se os enfermos. Faltavam locais adequados onde acolhê-los e braços para assisti-los. Os sinos das igrejas dobravam a finados sem cessar.

A terrível peste alcançou também o presídio. Movidos por sincera devoção, os reclusos suplicaram às autoridades licença para levar em procissão pelas ruas a imagem de Nosso Pai Jesus El Rico, venerada no vizinho convento dos franciscanos.

Foi-lhes negado o pedido, mas, tomados por uma piedade ardorosa, não se deram por vencidos: à noite, escaparam da prisão, apoderaram-se da imagem e a conduziram nos ombros por toda a cidade. Feito isto, regressaram todos ao cárcere, sem qualquer manifestação de revolta e sem faltar um sequer!

O fato chegou aos ouvidos do rei Carlos III, que, admirado pela fé desses homens, concedeu à Confraria de Nosso Pai Jesus El Rico o privilégio de libertar um preso a cada Semana Santa, ao passar a procissão diante das portas do presídio. Tal prerrogativa foi ratificada ao longo dos anos pelos seus sucessores, inclusive pelo atual rei João Carlos I, e permanece vigente em nossos dias.

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Dizem que quanto mais se ama, mais se conhece o amado. O povo espanhol, por sua devoção às dores da Paixão do Divino Salvador, bem como às de sua Mãe Santíssima, alcançou uma noção exata do papel do sofrimento neste “vale de lágrimas”. Compreendeu, ademais, haver Nosso Senhor Jesus Cristo, por sua gloriosa Ressurreição, aberto as portas do Céu para nós, fazendo-nos participar, em alguma medida já nesta Terra, das inefáveis alegrias celestiais.

Tendo em vista essa consoladora realidade, peçamos a Nossa Senhora das Dores, Mãe do Redentor, que nos conceda a graça de nos compenetrarmos de quanto o caminho para a verdadeira felicidade passa pelas adversidades e tribulações. Que Ela nos ensine a ver como as grandes graças costumam ser obtidas por meio de grandes sofrimentos, e como, depois da Cruz desta vida, aceita com amor e resignação, nos esperam a aurora da ressurreição e o gáudio do convívio eterno com Deus.

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