A onipotência suplicante junto à Onipotência divina

Ir Cássia Thaís Costa Dias de Arruda, EP

Deus, sendo Onipotente, não tem necessidade de nenhum dos seres que criou. E também não precisaria ter criado Nossa Senhora para que as suas graças fossem comunicadas aos homens, salvando as almas por meio d’Ela. Como está acima de tudo, o Altíssimo poderia ter disposto as coisas de outro modo.

Entretanto, uma vez que Deus A criou por um ato libérrimo de sua vontade, e a cumulou de uma torrente de graças, que “sobrepujou não só a de cada um em particular, mas a de todos os Santos reunidos1, Deus lhe conferiu o império sobre todo o universo, de sorte que entre Ela e Deus, há “uma mediação de poder, e não apenas de graça, pela qual Deus executa todas as suas obras e realiza todas as suas vontades por intermédio de sua Mãe”. 2

Em virtude de sua maternidade divina, há entre a Santíssima Virgem e o Padre Eterno “certa unidade de parentesco e como que um consórcio jurídico”. 3 Esta íntima ligação entre Maria e a Trindade faz com que a sua súplica seja poderosa e eficaz. Ademais, Nosso Senhor Jesus Cristo, recebendo de Maria a natureza humana, dava a Ela todos os direitos maternos, “ao qual corresponde em Cristo uma como que obrigação de conceder-lhe o que Ela pede4 Por este motivo, Santo Efrém a Maria suplicava dizendo:

Em ti espero que conseguirei o que anseio […], pois em ti tens o querer e o poder, porque, ainda que de modo inexplicável, tu engendraste a um da Trindade; tens com o que persuadir e mover; mãos nas quais o levaste de maneira inefável, peitos com cujo leite virginal o alimentaste […]. 5

Recorramos aos Evangelhos para compreendermos a fundo a realidade desta questão.

Celebravam-se bodas em Caná da Galiléia, e achava-se ali a mãe de Jesus. Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: “Eles já não têm vinho”. Respondeu-lhe Jesus: “Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou”. Disse, então, sua mãe aos serventes: “Fazei o que Ele vos disser”. […] Jesus ordena-lhes: “Enchei as talhas de água”. Eles encheram-nas até em cima. “Tirai agora, disse-lhes Jesus, e levai ao chefe dos serventes.” E levaram. (Jo 2, 1-8).

Não havia sido comunicado a Maria que o vinho da festa acabara. Não estando Ela sentada à mesa –– fazia parte do costume judaico que, nos banquetes, as mulheres ficassem separadas dos homens, supervisionando o serviço de mesa ou preparando os alimentos 6 ––, percebeu a difícil situação na qual se encontravam os nubentes, e seu compassivo coração, não podendo presenciar embaraçosa cena, decide intervir junto ao seu Divino Filho. Julgava Ela ser esta a ocasião preparada pela Providência para Jesus finalmente revelar ao mundo o seu segredo messiânico.

Nosso Senhor, possuindo o conhecimento perfeitíssimo de todas as coisas, sabia da dificuldade pela qual aquele novo casal estava passando, mas queria servir-se da aflição deles para “instruir seus discípulos e associar Nossa Senhora à sua obra, mostrando o papel decisivo da mediação de sua Mãe”. 7 Depois de afirmar não ter ainda chegado o momento dos milagres, Cristo transforma a água em vinho e deixa marcado para a História que, “apesar de não haver chegado a hora, por uma palavra dos lábios da Mãe, Ele nos atenderá”. 8

Deus “concedeu-lhe plenos poderes a fim de nos valer”. 9 Ela é “o ponto de convergência e de espargimento de todas as graças divinas”. 10 Todos os pedidos feitos através d’Ela são agradáveis aos olhos de Deus, pois só Ela encontrou graça diante d’Ele, como declarou o Arcanjo São Gabriel no momento da Anunciação: “Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus” (Lc 1, 30).

Posta por Deus ao alcance de todos os homens, a Virgem Imaculada obtém do Pai tudo aquilo que só com as nossas orações jamais conseguiríamos alcançar. Invocar o socorro de Maria significa obter os favores celestes, pois assim está determinado pela Providência: tudo o que precisamos, haveremos de receber por intermédio da Auxiliadora dos Cristãos. Afinal, “quem é aquele que pediu socorro a esta doce Soberana e ela não o atendeu? […] Quem jamais solicitou vosso poderoso patrocínio e por [ela] foi desamparado? Tal caso nunca se deu e nunca se há de dar”. 11

Eia, pois, Advogada nossa”, ensina a Igreja, a todos os seus fiéis, a invocar esse auxílio. Ao advogado cabe interceder por seus clientes até que o juiz se torne favorável à sua causa. Esta é a tarefa que a Santíssima Virgem exerce por meio de suas súplicas.

Alguém poderia pensar que seria mais lógico pedir, de uma só vez, auxílio a todos os santos que estão no Céu, pois tendo eles já alcançado a bem-aventurança eterna, também têm o poder de rogar pelos homens junto a Deus. Um pedido feito em coro não seria mais eficaz do que o feito por uma só? Não é assim que as coisas se dão no Céu. Como afirma o Santo Padre, o Papa Pio VII, “as preces dos demais bem-aventurados se apoiam unicamente na benignidade divina; as de Maria, em certo maternal direito. Por isso, acercando-se ao trono de seu divino Filho, pede como advogada, ora como serva, impera como Mãe”. 12 A este respeito, dirige Santo Efrém uma belíssima prece à Rainha de todos os santos, que comprova como já naqueles séculos era reconhecida a suprema prelazia dos rogos de Maria. “Por isso, acudo somente a tua eficacíssima proteção, oh! Senhora, Mãe de Deus! […] Tu, como nenhum outro, tendes livre acesso para com aquele que de ti nasceu”. 13

Tão grande é, portanto, o poder de intercessão da Imaculada, que com razão Ela é exaltada pela Igreja com sendo a “Onipotência suplicante”. Todas as esperanças de reconciliação se encontram em Maria: Ela é uma “rainha onipotente, porque pode tudo junto d’Aquele que tudo pode, e que A constituiu Medianeira de todas as suas graças”. 14

1 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. Op. cit. p. 58.
2 Ibid. p. 53.
3 “seguiéndo-se de aqui entre María y el Padre celestial cierta unidad parental y como un consorcio jurídico” (ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santisima. Madrid: BAC, 1956. p. 777. Tradução da autora).
4 “al cual corresponde en Cristo una como obligación de concederle lo que Ella le pide” (Loc. cit. Tradução da autora).
5 “en ti espero que conseguiré lo que ansío […], pues en ti tienes el querer y el poder, porque, aunque de modo inexplicable, tú engendraste a uno de la Trinidad; tienes con qué persuadir y mover; manos en las que le llevaste de manera inefable, pechos con cuja leche virginal le alimentaste…” (SANTO EFRÉM apud ALASTRUEY, Gregório. Op. cit. p. 767. Tradução da autora).
6 TUYA, Manuel. Bíblia comentada. Madrid: BAC, 1964, 999-1000.
7 AQUINO, Maria Teresa de Melo. Maria no Novo testamento. Aula de Mariologia no Instituto Filosófico-Teológico Santa Escolástica-IFTE. Caieiras, 2011. (Folha guia).
8 Loc. cit.
9 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. Op. cit. p. 395.
10 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Medianeira onipotente. In: Revista Dr. Plinio. São Paulo: Retornarei, n. 56, Nov. 2002. p. 36.
11 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Glórias de Maria. Aparecida: Santuário, 1987. p. 117.
12 “las preces de los demás bienaventurados se apoyan únicamente en la benignidad divina; las de María, en cierto maternal derecho. Por eso, acercándose al trono de su divino Hijo, pide como abogada, ora como sierva, impera como Madre” (PIO VII apud ALASTRUEY, Gregório. Op. cit. p. 770. Tradução da autora).
13“por eso acudo a tu sola eficacísima protección, ¡oh Señora, Madre de Dios!… Tú como ningún otro, tienes gran confianza (libre acceso) con aquel que de ti nació” (SANTO EFRÉM apud ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santisima. Madrid: BAC, 1956. p. 770. Tradução da autora).
14 CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Medianeira onipotente. Op. cit. p. 36.

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