Porque muito amou…

Ir. Ana Lucía Castañeda Ocano, EP

Como Maria Madalena, Margarida também caiu. Mas os mesmos prodígios da graça e as mesmas lágrimas de amor atraíram para ela uma sentença de perdão.

Quem, tendo a oportunidade de ir a lugares ermos, desprovidos de iluminação elétrica, não terá apreciado o maravilhoso espetáculo das estrelas cintilando ao entardecer? Mal se oculta o Sol no horizonte, o céu começa a se revestir de astros coruscantes, com tamanho, intensidade e matizes de cores diferentes, belamente conjugados segundo a magnífica harmonia celeste.

Muito mais digno de admiração é, porém, o vastíssimo firmamento da Igreja triunfante. Nele encontramos a luz clara e forte dos Patriarcas e Profetas, o áureo fulgor dos Apóstolos, o delicado esplendor das Virgens, o rubro reluzir dos Mártires, o chamejar dos Doutores e o brilho incomparável de uma multidão incontável de Santos a resplandecer como sóis por toda a eternidade.

No entanto, esta magnífica sinfonia não estaria completa sem a discreta luminosidade das almas penitentes, como Santa Margarida de Cortona.

Dramática perda da mãe em plena infância

Na segunda metade do século XIII, vivia em Laviano, pequena aldeia da Itália central, a piedosa e modesta família que, em 1247, viu nascer Margarida. Levada à pia batismal bem cedo, a menina logo aprendeu a pronunciar os santos nomes de Jesus e Maria, e aos pés de um Crucifixo repetia esta singela oração aprendida dos lábios maternos: “Senhor Jesus, rogo-Vos pela salvação de todos aqueles por quem desejais ser rogado”.1

Os dias de alegria primaveril, todavia, foram breves. A morte da mãe, tendo ela apenas sete anos de idade, marcou-a profundamente.

Dois anos depois, o pai contraiu segundas núpcias com uma mulher de temperamento ácido e colérico, que nutriu desde o começo uma verdadeira antipatia pela enteada.

Tão significativa perda, em plena infância, e a aversão manifestada pela madrasta deixaram Margarida muito vulnerável aos ataques do inimigo do gênero humano. Transformada numa jovem de beleza singular, à qual se somavam os encantos de uma personalidade viva e graciosa, começou ela a procurar em perigosos divertimentos a felicidade que lhe faltava no lar.

Nove anos de vida licenciosa

Certo dia, passeando ociosamente pelos arredores de sua casa, deparou-se com o marquês del Monte, senhor de Valiano e da vila de Palazzi, em Montepulciano, o qual, deslumbrado por sua beleza, a incitou a acompanhá-lo, oferecendo-lhe uma vida cheia de deleites, com a promessa de um casamento nunca realizado… Semelhante oferta seduziu aquela pobre aldeã de 17 anos, que o seguiu sem refletir. Afinal, a vida parecia sorrir-lhe! Em Montepulciano receberia honras e prazeres, e poderia esquecer-se das amarguras da casa paterna.

Quanto estava enganada! Durante os nove anos de vida licenciosa passados junto àquele fidalgo, seu coração não deixava de censurá-la… Encontrar um lírio branco no campo ou contemplar uma criança inocente nos braços da mãe bastava para aguilhoar-lhe a consciência… No meio dos faustos e dos adornos, sentia a alma suja.

Para abafar os remorsos, dava esmolas com generosidade. E quando os pobres lhe vinham agradecer sua oferta, dizia: “Uma pecadora como eu não merece essas manifestações de respeito”.2 Anos mais tarde, Margarida assim se referia a esta etapa de sua vida: “Em Montepulciano perdi a honra, a dignidade, a paz, perdi tudo, menos a fé”.3 E a partir da fé, tudo é passível de restauração.

Numerosas vezes ela sentiu na alma a moção da graça, convidando-a a abandonar o pecado. Mas sua adesão de vontade a esses impulsos não era suficiente para levá-la a empreender o caminho de volta. Parecia-lhe mais fácil adiar a decisão, com o pretexto de encontrar-se na flor da juventude…

Em um instante percebeu a fugacidade da vida

Um dia, estando em Palazzi, Margarida permaneceu em casa, enquanto seu desditoso companheiro saía para resolver uma questão com uns proprietários vizinhos, levando o garboso galgo que nunca o abandonava. As horas se passaram e o infeliz não voltava. Transcorridos dois dias, apareceu o fiel animal. Uivava desesperadamente, lambia a mão de sua dona e procurava arrastá-la pelo vestido, como se dissesse: “Vem comigo”.

Com um mau pressentimento, Margarida o seguiu pelo bosque de Petrignano. Ao chegarem debaixo de um carvalho, o cão se deteve, latindo lugubremente. Havia ali uns ramos arrancados e amontoados em desalinho. Afastando-os, encontrou o cadáver do marquês com feridas horríveis, já em putrefação. Decerto fora assaltado e apunhalado.

Qual terá sido a impressão da jovem, ao ver tão espantoso espetáculo? Num primeiro impulso, execrou a maldade dos assassinos, mas em seguida se lhe afigurou na mente a cena do supremo tribunal divino, no qual a misericórdia nem sempre consegue triunfar da justiça…

Em um instante percebeu a fugacidade da vida: juventude, prazeres e beleza desaparecem como o vento! A lembrança da infância lhe veio ao espírito, carregada do doce aroma da fé e da alegria brindada pela inocência. Ante a gravidade daquele fato, a mudança de vida se apresentou não mais como uma louvável alternativa, senão como uma exigência a ser atendida de imediato.

A caminho de Cortona

Continua no próximo post.

2 responses to “Porque muito amou…”

  1. Ceres Paes disse:

    Salve Maria!
    Essa estória me comoveu…..e já estou imaginando o final…..
    Fiquei triste com a 1a parte da estória…..
    Mas….creio que a 2a parte será linda!
    Realmente a vida é fugaz!E tudo!!!!que deve nos importar é Deus.ELE deve ser o Centro de nossas vidas. E Nossa Senhora deve ser a Rosa dos Bosques da Vida,O Perfume que deve nos “seduzir”para o único e verdadeiro Amor:Deus!!!

  2. C. Schreiner disse:

    Salve Maria!
    Motivo para fazer um bom exame de consciência, muitas vezes é a voz da Graça, o Anjo da Guarda falando em nossas almas. Mas para isso muitas orações, e almas generosas que sofram para a conversão desses pecadores, assim mudar de vida.

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