“Eis que estou à porta e bato”

Irmã Juliane Vasconcelos Almeida Campos, EP

Nossa morada interior é guardada pela mais robusta e impenetrável das portas. Esta, porém, tem a peculiaridade de não possuir fechadura pelo lado de fora.

Na época em que a sociedade não estava tão mecanizada e as pessoas levavam uma vida muito menos agitada do que a nossa, a chegada de visitantes a uma residência era um acontecimento. Dotadas de paredes grossas, as casas daqueles tempos fechavam-se com pesadas portas guarnecidas de travas robustas. E, ornando seu lado exterior, contavam elas com um peculiar acessório que anunciava a chegada dos forasteiros: as aldravas.

Belas peças decorativas, podiam ter a forma de um dragão ameaçador ou reproduzir, com delicado realismo, belos florões ou conchas. Grandes ou pequenas, refletiam de algum modo o bom gosto, as posses e a têmpera do proprietário. No entanto, seu som era sempre forte e categórico, como prenunciando a importância do que ia suceder: alguém se dispunha a transpor os umbrais daquele lar para ser recebido como amigo e participar do convívio familiar.

Franquear ou não a entrada de um hóspede dependia da vontade do senhor da casa. Com seu assentimento, os ferrolhos eram movidos e as portas se abriam de par em par, em sinal de hospitalidade. Às vezes, até se entregava para o visitante uma chave que lhe permitia entrar por si só. Não obstante, o dono da residência podia também manter bloqueada a entrada, negando acolhida ao visitante.

Ora, não são apenas os edifícios que possuem entradas que se abrem ou fecham. Nossa morada interior é guardada pela mais robusta e impenetrável das portas: aquela que protege o nosso coração. Esta, todavia, tem a peculiaridade de não possuir fechadura pelo lado de fora, mas apenas uma aldrava. Não há chave que permita abri-la. Para cruzá-la é preciso que nós — os “donos da casa” — autorizemos a passagem.

E quantas vezes por ela quer entrar o mais nobre dos hóspedes, desejoso de estar em nossa companhia! “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e Me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, Eu com ele e ele comigo” (Ap 3, 20), diz a Sagrada Escritura.

Com efeito, Jesus bate em inúmeras ocasiões à nossa porta: quando admiramos um belo pôr do Sol, ao recebermos um bom conselho, ao lermos uma palavra edificante, quando nos aproximamos dos Sacramentos ou estamos junto ao Sacrário, no silêncio da oração ou até mesmo quando nos visita a dor e o sofrimento. Nesses momentos está Ele ao nosso lado, querendo entrar em nosso íntimo. “Sua visita é assídua ao homem interior. Palavras mansas, agradável consolo, grande paz, maravilhosa intimidade”.1

Contudo, não raras vezes ficamos surdos a seu toque… As correrias do dia a dia, as preocupações com as coisas materiais, o egoísmo e nosso imediatismo não nos deixam ouvir a chegada de tão sublime hóspede, fazendo-nos esquecer dos autênticos valores desta vida — os tesouros que acumulamos para a eternidade — e de que já nesta Terra podemos, de alguma forma, prelibar o convívio paradisíaco para o qual Ele nos convida.

E se acontecer que, depois de tanto tocar a aldrava de nosso coração e Lhe negarmos pousada, Nosso Senhor se vá? Como nos arranjaremos? “Timeo enim Iesum transeuntem — Temo a Jesus que passa”,2 dizia Santo Agostinho…

Ele, entretanto, em sua infinita bondade nos deu uma Mãe de Misericórdia, que vem também, junto com seu Divino Filho, tocar a aldrava de nossa porta com compaixão. Mas, ao notar que esta não se abre, faz de vez em quando o papel de sacrossanta intrusa: entrando pela janela, se aproxima de nós a fim de chamar a nossa atenção e nos predispor para recebê-Lo. Feito isto, retorna para o lado de fora para, com Ele, seguir tocando.3

Peçamos a Maria Santíssima que nos ajude a abrir e manter escancarada esta porta, junto à qual Mãe e Filho tocam de forma tão comovedora, a fim de que Eles penetrem em nossa morada e nela façam a sua. E tendo sido nossos hóspedes nesta Terra, abram para nós as portas da Pátria Celestial.

1 KEMPIS, OSA, Thomas de. Imitação de Cristo. L.II, c.1, n.1.
2 SANTO AGOSTINHO. Sermo LXXXVIII, c.13, n.14. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1983, v.X, p.550.
3 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 5 jun. 1974.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *