Milagres: o que são?

Ir. Maria Cecília Lins Brandão Veas, EP

“Tendo Jesus descido da montanha, uma grande multidão O seguiu. Eis que um leproso aproximou-se e prostrou-se diante d’Ele, dizendo: ‘Senhor, se queres, podes curar-me’. Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: ‘Eu quero, sê curado’. No mesmo instante, a lepra desapareceu” (Mt 8, 1-3).

Quem, ao folhear as sagradas páginas da Bíblia, deparando-se com a realidade sublime dos milagres efetuados pelo Divino Salvador, não quereria haver estado lá para, influenciado por aquela atmosfera carregada de bênçãos, ser também objeto da bondade do Homem-Deus?

Mas o que são os milagres?

“A ordem admirável do céu estrelado apregoa e canta a glória de Deus e nos manifesta a inteligência infinita do Criador. Felizes os que sabem escutá-los!”. 1 Assim como o homem utiliza-se da palavra para comunicar-se com os demais, Deus utiliza-se das criaturas para falar aos homens, fazendo destas um subsídio eficaz para atender à sede de infinito que Ele próprio imprimiu nas almas, à maneira de um instinto sobrenatural. Entretanto, é preciso estarmos atentos e sabermos escutar a voz de Deus que nos chama ao conhecimento d’Ele.

E como o homem, guiado pela razão natural, pode chegar a algum conhecimento de Deus por meio de signos e efeitos sensíveis, também “por meio de certos efeitos sobrenaturais, chamados milagres, ele será levado a um certo conhecimento sobrenatural das coisas da Fé”. 2

Assim, há uma economia de signos que nos revelam a presença de Deus entre nós. E nesta imensa constelação de manifestações divinas, o milagre não é uma manifestação de algo sem sentido ou que contrarie a natureza, mas desvela uma ação divina. 3 Na verdade, são “sinais do poder e da liberdade de Deus. Eles representam uma perfeição desejada e, em muitos casos (notadamente as curas), uma conclusão da natureza”. 4 Não que Deus resolvesse mudar a reta ordem da natureza que Ele próprio criou, uma vez que cada criatura é o que é e como deveria ser. Contudo, “o fim último e remoto do milagre não pode ser outro senão Deus mesmo. Em todas as obras exteriores que Deus realiza, é impossível ― porque seria contrário à ordem ― que Ele se proponha outro fim que não seja a sua glória, naturalmente acidental e extrínseca”. 5

Ora, não podemos imaginar que, ao realizar um milagre, Deus tivesse apenas por princípio corrigir uma lacuna na ordem dos seres criados. Seria equipará-Lo a um inábil artista, que, tendo pintado de modo imperfeito um quadro, quisesse aperfeiçoá-lo para não cair em descrédito a obra de suas mãos. Ou, ainda, como um bom compositor que quisesse constantemente mudar as melodias de acordo com o bel prazer de sua vontade. Evidentemente tais atitudes são incabíveis em Deus. 6

O milagre é o ponto onde a natureza ― por vezes imperfeita e necessitada ― encontra-se com a grandeza de uma ordem superior: a ação de Deus, que a completa e embeleza. Por este motivo, os milagres também encerram em si um fim altíssimo: a salvação eterna dos homens, pelo fato de os elevarem à consideração de seu fim sobrenatural. A Divina Providência, não contente em dar a conhecer os ensinamentos de seu amor, concede-nos ainda sinais, para que neles creiamos e A amemos ainda mais.

O pensamento antigo acerca do milagre se fundamentava em Santo Agostinho, que o definia como “todo acontecimento insólito que manifestamente ultrapassa a espera ou as capacidades daquele que o admira”. 7 E São Tomás chama milagre “o que é cheio de admiração, no sentido de que a causa fica absolutamente oculta para todos. Esta causa é Deus. Portanto, as coisas feitas por Deus fora das causas por nós conhecidas, são chamadas de milagres”. 8

1 GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. La Providencia y La confianza en Dios: fidelidad y abandono. 2.ed. Buenos Aires: Desclée de Browuer, 1942. p. 32. (Tradução da autora)
2 SÃO TOMÁS DE AQUINO.Suma Teológica II-II, q.178, a.1.
3 Cf. LATOURELLE, René; FISICHELLA, Rino (Dir.). Diccionario de Teología Fundamental. 2.ed. Madrid: San Pablo, 1992, p. 939.
4 POULIOT, François. La doctrine du miracle chez Thomas d’Aquin. Deus in omnibus intime operatur. Paris: J. Vrin, 2005, p. 49. (Tradução da autora)
5 ODDONE, Andrea. Il sigilio divino. Milano: Vitta e pensiero, 1939, p. 13-14. (Tradução da autora)
6 Cf. Ibid. p. 14; 24.
7 SANTO AGOSTINHO. De utilitate credendi. L.I, c.16, n.34: ML 42, 90. (Tradução da autora)
8 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Op. cit. I, q.105, a.7.

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