A palavra de Deus em música

Irmã Kyla Mary Anne MacDonald, EP

Imersos na agitação do mundo atual, sempre absorvidos pela pressa, pela velocidade e pelo ruído, talvez não nos seja tão fácil conceber um ambiente diferente. Entretanto, convidamos o leitor a parar um pouco agora, e imaginar…

Imaginar um mosteiro, com um claustro austero, silencioso, acolhedor e elevado, por onde circulam alguns monges, sem pressa e recolhidos, dirigindo-se a uma capela iluminada apenas pela luz tamisada por uns belos vitrais coloridos.

Estes valorosos homens, tendo abandonado tudo para o serviço da Religião, dedicam sua vida ao trabalho, ao estudo e à oração. E como forma de externar o amor transbordante de seus corações, habitados pela graça, se unem em uma só voz para dirigir-se a Deus. Em uníssono, entoam hinos e cânticos que enchem o templo sagrado de melodias suaves e apaziguantes…

Já estará nosso leitor com o estado de espírito pronto para compreender qual é este estilo de canto e suas origens, para admirar a misteriosa riqueza e a elevada qualidade que fizeram dele o cântico sacro por excelência.

O canto gregoriano

O canto gregoriano é uma forma de música diferente de qualquer outra executada, hoje, no Ocidente. Distinto da polifonia, ele é uníssono e sua perfeição é atingida quando uma única voz se faz ouvir, mesmo sendo grande o conjunto que o entoa.

Em contraste com outros estilos musicais, nos quais um compasso regular e ritmado pode ser logo percebido, o canto gregoriano é caracterizado por seu ritmo livre, parecendo flutuar no ar, liberto do tempo, em um movimento ascendente e descendente que convergiram rumo à perfeição assemelhado às ondas do mar.

Enquanto a música comum e corrente, de modo geral, é composta em uma escala maior ou menor, dando-lhe características distintas de tristeza ou alegria, os oito modos do gregoriano transmitem uma gama mais sutil de expressão, num equilíbrio perfeito, parecendo sempre evitar os extremos emocionais dramáticos.

Estas são apenas algumas das razões pelas quais, para ouvidos pouco acostumados a ele, o canto gregoriano pode dar, à primeira vista, a impressão de ser monótono. Contudo, ao deixar-se levar por sua harmonia, a pessoa é tocada pela força singular de uma forma de canto que traz consigo séculos de sabedoria e reflete gerações de talentos religiosos que convergiram rumo à perfeição de suas melodias — suas “inspiradas modulações”, 1 na expressão do Papa João Paulo II.

Assim, apesar de uma aparência simples, carrega dentro de si, como observa o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, uma formidável riqueza, “uma potencialidade quase inexaurível de gerar civilizações e maravilhas em qualquer parte do mundo. É a força da inocência aliada à graça, que transformou, por exemplo, os pântanos e vales mefíticos da antiga Europa em jardins salpicados de vida e de cor, onde, entre arvoredos e lagos lindíssimos, avantajam-se grandiosas abadias, imponentes castelos e majestosas catedrais. Uma Europa ‘gregorianizada’”. 2

Poder de mover as almas

Um dos mais ilustrativos exemplos do poder transformador deste canto o temos na conversão dos anglos. A iniciativa do Papa São Gregório I, o Magno, de penetrar na ilha dominada por estes bárbaros foi marcada pelas seguintes palavras: “o louvor de Deus Criador deve ser cantado naquelas terras”. 3 Sob sua direção, Santo Agostinho de Cantuária entrou na Grã-Bretanha, em cortejo com 40 outros beneditinos, entoando as “solenes e tocantes melodias que lhes havia ensinado Gregório, seu pai espiritual e pai da música religiosa”. 4 O celestial canto dos recém-chegados foi decisivo para a conversão do povo, em pouco tempo.

Tal episódio, um entre tantos no processo de “gregorianização” da Europa Ocidental, mostra que o Papa — cujo nome deu origem à denominação deste estilo musical — possuía uma profunda compreensão de como a música pode mover as almas com mais eficácia do que conseguem as simples palavras. Aqueles cantos eram a mais sobrenaturalizada das músicas e, no entanto, foram capazes de cativar bárbaros e camponeses completamente ignorantes em coisas espirituais e não habituados a refinados sons.

É o que ficou registrado na História: Gregório I “compôs com grande trabalho e destreza musical os cantos que são cantados em nossa Igreja e por toda a parte. Por este meio, ele influenciava mais efetivamente os corações dos homens, elevando-os e animando-os; e, na verdade, o som de suas doces melodias conduziu não apenas homens espirituais à Igreja, mas até mesmo os rudes e insensíveis”. 5

Continua no próximo post.

1 BEATO JOÃO PAULO II. Lettera agli artisti, 04/04/1999, n.7.
2 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Cântico da alma inocente. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano V. N.57 (Dez., 2002); p.34.
3 SÃO BEDA. Historiam Ecclesiasticam Gentis Anglorum. L.II, c.1. In: Opera Historica. London: Oxford University, 1896, p.80.
4 CONDE DE MONTALEMBERT. Les moines d’Occident depuis saint Benoît jusq’à Saint Bernard. Paris: J. Lecoffre, 1866, v.III, p.363.
5 LEÃO IV. Letter to the Abbot Honoratus. Collectio Britannica, apud BÄUMER, OSB, Suitbert. Histoire du Bréviare.Paris: Letouzey et ané, 1905, t.I, p.345, nota.

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