Olhai as aves do céu…

Emelly Tainara Schnorr

Se Deus tem tanto zelo por uma ave, criatura irracional, incomparavelmente maior é seu desvelo pelos homens, criados à sua imagem e semelhança, filhos seus pelo Batismo.

Para ensinar os homens a confiar na Providência, quis Deus criar na natureza imagens palpáveis da sua infalível benevolência, como as aves do Céu. Elas “não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros”, mas o Pai celeste as alimenta. Ora, pergunta Jesus, “não valeis vós muito mais que elas?” (Mt 6, 26).

Além de nos dar alento nas dificuldades da existência, essa passagem do Evangelho nos facilita contemplar uma das infinitas facetas do Autor da vida, pródigo para com suas criaturas. E nos permite vislumbrar misteriosos reflexos da Eterna Sabedoria ao criar as multidões de aves que “voam sobre a superfície da Terra, debaixo do firmamento dos Céus” (Gn 1, 20). Pois Deus não só lhes dá de comer da farta mesa da natureza, como também predispôs o organismo de todas elas, segundo as diferentes espécies, proporcionando a cada qual os recursos ideais para procurar sua própria nutrição.

Um atraente exemplo disso nos é oferecido pelo pica-pau, uma das mais curiosas aves do céu. Ele não tem plumagem exuberante nem canto mavioso, mas desperta a admiração de quem tem a agradável surpresa de encontrá-lo, quase sempre solitário, firmemente aprumado no tronco da árvore.

Graças à peculiar disposição das quatro garras de suas patas — duas voltadas para trás e duas para frente — e à cauda rígida, na qual se apoia, este ruidoso habitante das florestas consegue manter-se a prumo em elegante posição, enquanto martela as árvores à procura de alimento. O bico, bem mais forte que das outras aves, lhe permite passar o dia inteiro nesse laborioso forrageio, em extraordinária velocidade, fazendo ressoar pela mata o “toc-toc-toc” característico de sua presença.

Como é próprio a todas as obras saídas das mãos d’Aquele que é a Perfeição, essa intensa atividade diária não causa dores nem incômodos à pequena ave, pois sua cabeça é guarnecida por uma estrutura cartilaginosa que funciona como amortecedor, protegendo o cérebro contra o impacto de tantas vibrações. A todo esse rico mecanismo natural do simpático marteleiro, acrescenta-se uma apurada capacidade auditiva: ele consegue ouvir o ruído dos insetos e larvas que se abrigam no oco das árvores. Por isso a perfura sempre no lugar certo e captura as presas fazendo uso de sua pontiaguda língua cujo comprimento chega a ser até cinco vezes maior que o bico!

Eis alguns elementos de perfeição da espécie dados pelo Pai celeste ao pica-pau para garantir sua subsistência. Cada um deles nos faz ver um traço da insondável ciência e da infinita bondade de Deus, e nos traz à mente a indagação do Eclesiástico: “Quem será capaz de relatar as suas obras? Quem poderá compreender as suas maravilhas?” (Eclo 18, 2-3).

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Dessa incompreensível maravilha reportemo-nos ao ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo e confiemos na ilimitada dadivosidade de Deus, que nunca nos desampara. Pois se tal é seu zelo por uma ave, criatura irracional, incomparavelmente maior é seu desvelo pelos homens, criados à sua imagem e semelhança, filhos seus pelo Batismo, chamados a glorificá-Lo, amá-Lo e servi-Lo de modo livre e consciente, na vida terrena e por toda a eternidade.

Entretanto, nos momentos de incerteza e aflição extremas, não nos limitemos a contemplar as aves do céu. Juntemos as mãos em fervorosa prece e dirijamos nosso olhar filial e confiante Àquela que, entre mil outros títulos, é chamada também Mãe da Divina Providência. Por meio d’Ela, o governo de Deus sobre nós se faz “com uma plenitude de carinho, de comiseração, de afeto, que esgota de modo completo tudo quanto o homem possa imaginar”.1 Depois de experimentar essa ação maternal, brota na alma fiel uma pergunta que mais expressa amor do que desejo de saber, verdadeiro hino de gratidão e louvor: “Que é o homem, Senhor, para Vós, para dele assim Vos lembrardes, e o tratardes com tanto carinho?” (Sl 8, 5).

1CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Nossa Senhora, Mãe da Divina Providência. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano X. N.116 (Nov., 2007); p.26.

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