A princesa africana

S Teresa JulianaIrmã Lucía Ordoñez Cebolla, EP

“Morreu tendo vivido setenta e dois anos sem mancha de pecado mortal”. Esse magnífico epitáfio resume a vida de uma africana, nobre por seu sangue, mas muito mais pela virtude de sua alma.
Era o ano de 1676, quando os olhos de Tshikaba contemplaram pela primeira vez a luz deste mundo. Nascida na África Ocidental, às margens do Golfo da Guiné, era a última dos quatro filhos de uma família de reis. Bem cedo, demonstrara inteligência incomum e, por isso, comentava-se ser ela quem governaria após a morte de seus pais.

O reino de Tshikaba era pagão e seus habitantes adoravam o Sol. Ansiosos, aguardavam as primeiras luzes do alvorecer para saírem ao encontro do astro-rei com cantos e aclamações rituais. Mas Tshikaba era uma menina diferente das outras. Reflexiva e contemplativa, indagava o sentido de todas as coisas ao seu redor, procurando responder à pergunta que surgia invariavelmente no seu interior: quem comanda e mantém esta natureza tão exuberante e repleta de beleza? Sem ela perceber, a sede insaciável do Absoluto brotava do mais profundo de sua alma inocente.

Angustiada em seu pueril intelecto, foi interrogar seu irmão, o qual apenas soube lhe dizer que a “Estrela da Manhã” era, indiscutivelmente, a grande divindade à qual era preciso adorar. Insatisfeita e cheia de perplexidades, foi interrogar o rei:

— Papai, o astro que cultuamos está no céu como todos os outros. Nada o diferencia, a não ser seu brilho. Alguém o pôs lá; e esse alguém tem de ser muito mais poderoso do que o Sol. É esse Ser misterioso que procuro e desejo conhecer, porque só Ele deve ser adorado!

O pai não teve resposta para dar à menina, inspirada pelo sopro da graça.

Um propósito aos nove anos

Tshikaba gostava de caminhar pelo campo entregando-se às suas meditações. Em um dos seus passeios, sentou-se para descansar um pouco, perto da nascente de um rio. Ao contemplá-la, perguntava-se: “Quem será esse Ser desconhecido que colocou aqui esta fonte?”.

De repente, a menina levantou os olhos e viu, extasiada, ao lado do manancial, uma Senhora de pele alva como a neve, carregando nos braços um belíssimo Menino que, sorrindo, acariciava a cabeça da princesa moreninha. Ali, por fim, o Divino Infante — o verdadeiro Deus tão almejado — lhe revelou Seus segredos e Sua Mãe Santíssima lhe falou a respeito de Sua vida. Que terão dito? Tshikaba preferiu manter silêncio, mas a partir desse encontro sua vida mudou completamente.

Mais tarde, seu irmão Juachipiter lhe disse terem decidido seus pais que seria ela quem os sucederia no governo, ao que a pequena respondeu: “Saiba que não irei me casar com ninguém deste mundo. Eu só quero saber de um Menino branco que conheci!”.

Tshikaba tinha apenas nove anos de idade.

Seqüestrada providencialmente

Algum tempo depois, saiu ela novamente a passear pelo campo. Nesse dia, porém, decidiu fazer outros caminhos, a fim de conhecer novas paisagens. Andando sem rumo, acabou por se perder, e nada do que via lhe era conhecido. Por fim, sentou-se junto a uma árvore, de onde podia avistar o mar.

Contemplando a vastidão do panorama, percebeu não muito longe a silhueta de um barco se aproximando. Era um navio espanhol. Imersa em sua constante preocupação, sentiu, de repente, que alguém a agarrava pelo braço. Um jovem desconhecido, sem dizer palavra alguma, a obrigava a segui-lo. Ela, dócil como toda criança, acompanhou-o, pensando que talvez ele pudesse ajudá-la a resolver o enigma que a atormentava.

O estranho visitante a conduzia cada vez para mais perto da costa. Quando quis perguntar-lhe quais eram suas intenções, não pode fazê-lo: tinha desaparecido. Assustada, olhou para frente e notou que o navio acabava de aportar. Tshikaba queria correr, mas suas pernas não lhe obedeciam. A tripulação, ao vê-la adornada com jóias e braceletes, logo percebeu tratar-se de uma menina com sangue real. E aqueles homens do mar a levaram para a nave, que logo retomou sua rota em direção à Espanha.

A pequena princesa, vendo sua terra natal se distanciar aos poucos, sentiu vontade de jogar-se nas águas, mas a Senhora do manancial apareceu a seu lado, dando-lhe consolo e coragem. Tshikaba tinha sido levada por um desígnio de Deus!

No percurso, ao passar pela cidade de São Tomé, os próprios marinheiros a batizaram, dando-lhe o nome de Teresa. Isto não lhe causou estranheza, pois, já na fonte, a alvíssima Senhora assim a chamara. O batismo era, no fundo, uma confirmação das promessas que Ela lhe fizera.

Assim, terminada a viagem, aos dez anos de idade, Teresa chegava ao porto de Sevilha.

Escalando a sagrada montanha do sofrimento

Da capital andaluza levaram-na a Madri, pois, sendo uma princesa, tinha de ser apresentada primeiramente ao rei. Carlos II acolheu-a com benignidade, e entregou- a aos cuidados do Marquês de Mancera, outrora vice-rei do México, com o encargo de lhe dar formação esmerada, começando por evangelizá-la.

No continente europeu, iniciou-se para Teresa outra etapa de sua vida: a cruz e o sofrimento seriam doravante seus companheiros inseparáveis, como o foram para Nosso Senhor, o Menino branco que a cativara e que ela já adorava como Deus.

Os nobres da casa de Mancera tratavam a pequena africana como a uma verdadeira filha, mas logo isso despertou inveja em toda a criadagem. Não foram poucos os maus-tratos e humilhações que Teresa teve de enfrentar. Mas ela tudo suportava com mansidão e paciência, indo se refugiar aos pés de uma comovedora imagem do Ecce Homo que havia num pequeno oratório do jardim. Ali, o próprio Cristo, chagado e ultrajado, Se encarregava de lhe mostrar as belezas incomparáveis do sofrimento, e ela compreendeu que no contato com a Cruz de Nosso Senhor a alma se purifica, as fraquezas são vencidas e se encontram forças para prosseguir na via da perfeição.

Por essa época, a jovenzinha manifestava forte entusiasmo pela vida religiosa, e revelou seu anseio aos marqueses. Sem colocarem oposição alguma, eles designaram o cavaleiro Diego Gamarra para encontrar um mosteiro no qual Teresa pudesse cumprir sua vocação. Este percorreu inúmeros conventos, porém sempre encontrava dificuldades e reticências para fazer admitir a pequena princesa, vinda de tão longínquas terras. Ela redobrou suas orações e penitências, implorando a Deus que, se realmente Ele a quisesse para Si, derrubasse todos os obstáculos que contra isso se levantavam.

Finalmente a Providência compadeceu-se de Teresa e Diego Gamarra conseguiu seu ingresso no Convento de Santa Maria Madalena, das Dominicanas da Penitência, em Salamanca; porém, apenas como terciária da ordem e servente da comunidade. Contente, ela abraçou essa humilhação na paz de espírito e na mansidão, conformada em nunca chegar a ser uma autêntica religiosa.

Serviço incondicional

Disposta a tudo, Teresa entrou no mosteiro para servir incondicionalmente às suas irmãs. Mas, em determinado momento, foi tomada por uma terrível provação: será que Deus realmente a queria ali? Não seria melhor voltar para a África e, como rainha, ser propulsora da fé cristã? A madre superiora, pessoa muito virtuosa, logo percebeu o estado espiritual de Teresa. Quando se lhe apresentou a oportunidade, interrogou-a. Vendo a bondade e o carinho da madre, a adolescente abriu-lhe a alma, reafirmando seu mais firme propósito de ser uma verdadeira religiosa.

Oito meses depois, o bispo de Salamanca autorizava Teresa a pronunciar os votos solenes, numa cerimônia que ele mesmo presidiria. Assim, no dia 29 de junho de 1704, aos 28 anos de idade, Teresa Juliana de São Domingos — confirmada para sempre na sua vocação — professava como terciária da Ordem Dominicana.

Acabada a cerimônia, Irmã Teresa caiu de joelhos ante o sacrário, transbordante de contentamento. Em meio às lágrimas de consolação, apareceu-lhe São Domingos de Gusmão, seguido de uma celestial comitiva, convidando-a a fazer os votos em suas próprias mãos! Após esta “profissão celeste”, seu Pai e Fundador a abençoou e desapareceu. As promessas da Senhora do manancial se cumpriam de forma total e completa!

Fazendo frente às bombas, pela devoção a São Vicente

Seria no quotidiano da vida monacal que aquela mítica princesa de um reino distante daria as melhores demonstrações de acrisolada virtude. Encarregaram-na de cuidar dos enfermos com as doenças mais repugnantes e aconselhar os atribulados, o que ela fazia com sobrenatural disposição. Tinha, ademais, o dom místico de discernir, pelo odor, as pessoas impuras, e isto a levava a mortificar seu próprio corpo, implorando a Deus que elas rompessem com o pecado. Era em extremo obediente, e sua vida de perfeição era exigida pelo próprio Céu: cada vez que cometia uma falta, apareciam Maria e Jesus para repreendê-la.

Sua fama de santidade espalhou-se rapidamente pela cidade inteira. Incontáveis salmantinos acudiam ao locutório do convento para expor-lhe seus problemas. Ela a todos recebia cheia de amabilidade, aconselhando a uns, obtendo por suas preces a saúde de outros, e até prevendo perigos ameaçadores.

Certa vez foi protagonista de um fato portentoso. Durante a Guerra de Sucessão, que naquela época sacudia a Espanha, a cidade de Salamanca estava sendo bombardeada. Irmã Teresa apressou-se a pôr numa janela do mosteiro uma estampa de São Vicente Ferrer, do qual era grande devota, para dele obter protecção contra qualquer ataque. E o resultado foi tão feliz que não só preservou seu mosteiro de todo dano, mas também, em breves minutos, espalhou-se a paz na cidade inteira.

Voando rumo à Pátria Celestial

Fazia já algum tempo que Irmã Teresa Juliana de São Domingos padecia de um tumor no joelho, quando, no outono de 1748, sofreu um forte ataque de paralisia. Estava ferida de morte, e a Providência lhe reservara para o período derradeiro a glória das grandes provações. Incertezas, dúvidas, aflições e o abandono dos homens tomaram-na inteiramente. Assim transcorreram seus últimos dias nesta terra, até que em 6 de Dezembro de 1748 recebeu os Sacramentos e entregou sua bela alma ao Redentor.

No dia seguinte, os sinos do convento de Santa Maria Madalena anunciavam o seu falecimento. Contam testemunhas de sua morte que, no momento de partir para a eternidade, sua pele ficou por alguns momentos alva como a neve. Ao mesmo tempo, seu corpo exalava um excepcional perfume.

Assim, a princesa africana — conhecida por todos com o carinhoso nome de La Negrita —, após ter escalado na terra os altos cumes da virtude, era elevada aos píncaros da perfeita união com Deus.

Beati mortui qui in Domino moriuntur. Admirável é a morte dos justos na presença do Senhor!

2 responses to “A princesa africana”

  1. Tatiane Ricarte dos Santos disse:

    Quero viver o meu sim semelhante a entrega de corpo e alma da irmã Teresa Juliana de Saão Domingos…Quero viver na vontade de Deus, ser mansa, obediente e humilde de coração.Amém.

  2. Thiago Rosa Lacerda disse:

    Isso sim é a verdadeira DIVINA PROVIDENCIA.

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