Fundamento da dignidade humana

Emelly Tainara Schnorr

Na ordem puramente natural dos seres criados, se encontra a figura senhorial do “homo sapiens”. Este está acima dos brutos animais, pois é dotado de inteligência, que o torna capaz de entender, aprender, conhecer as coisas, as verdades e, sobretudo, chegar à existência de Deus, puramente pela razão que possui. Desta maneira, supera, de um modo incomparável, o cego instinto dos animais, sendo “o saber umas das coisas mais valiosas e dignas de estima” (ARISTÓTELES, De Anina, L.I, c.1, 402a, tradução nossa) pertencente a ele. O homem possui também a vontade, que governa a sensibilidade, os apetites e as paixões desregradas a partir da mancha original.

Ele encerra o mundo material, pois também foi formado do barro desta Terra (Gn 2, 7). Diz São Tomás (S.T. I, q.91, a.1, ad.1) que a natureza humana foi feita a partir da matéria dos quatro elementos tendo algo em comum com os corpos inferiores para mediar entre as substâncias espirituais e corporais.

A parte corporal do homem é comunicada, pelo Criador, através de nossos pais, por geração, formando o seu ser e a sua natureza específica. Por ser entende-se que é tudo o que existe; é, portanto, uma realidade a existência humana.

Segundo o Aquinate (S.T. I, q.78, a.2), as funções corporais do homem se baseiam em operações básicas, regidas pela razão, a qual o diferencia enormemente dos outros seres vivos, embora haja similitudes. A primeira delas é a vegetativa, que consiste na nutrição, crescimento e geração; a segunda é a sensitiva, que são os sentidos externos e internos; a terceira é a apetitiva ou instintiva, que consiste nos desejos e impulsos; a quarta é a motora, que é o movimento de translação.

Ora, “a alma é o princípio vital dos seres” (CAMPOS, 2009, p.1), ou seja, é ela que dá vida ao homem, no qual se constitui o composto hilemórfico. Assim, sendo de substância espiritual, ela está “no limite das criaturas espirituais e corporais” (SÃO TOMÁS DE AQUINO, S.T. I, q.17, a.2). Ou seja, é através dela que o homem toca no mundo espiritual sem deixar o mundo material, não sendo o homem um puro espírito.

Falamos que a alma é quem dá a vida ao corpo, então seria interessante ressaltar, para melhor compreensão, o que é a vida. Segundo Tomás y Garrido (2006, p.27, tradução nossa), “a vida humana tem sua identidade genética, que responde a uma singularidade biológica; é individual, irrepetível e, paradoxalmente, apresenta interioridade e abertura”. A vida não é somente a essência da existência do homem no mundo ― vendo-a desde o meramente biológico ―, mas também “se refere à vida plena, objeto do desígnio criador de Deus, que, em sentido próprio, é a que tem valor absoluto” (SARMIENTO, 1996, p.31, tradução nossa). Ademais, a vida é uma inter-relação de todos os homens, uns com os outros, na qual se deve buscar o bem comum.

A alma é, também, a forma do corpo, segundo a concepção escolástica: “anima forma corporis” (CAMPOS, 2009, p.1); mas, embora todas as almas sejam da mesma substância, nenhuma é igual à outra, denotando-se, consequentemente, em cada pessoa, uma característica diversa do corpo (CLÁ DIAS, 2009).

Por conseguinte, o corpo e a alma são unidos, “caminham sempre juntos porque são uma só realidade: ‘a pessoa’” (CAMPOS, 2009, p.1). Por pessoa se entende, nada mais nada menos, do que a natureza racional, “o mais perfeito em toda a natureza, isto é, uma substância de natureza racional” (SÃO TOMAS DE AQUINO, S. T. I, q.29, a.3). Ora, a esta “pessoa” implica uma dignidade, sobretudo por ter sido elevada a “imagem de Deus” (Gn 1, 26), que está implícita na própria natureza humana.

Por esta forma, a dignidade do homem não está fundamentada no materialismo, mas sim nesta “imagem e semelhança” que o homem e a mulher têm com Deus. É nesta realidade que se cifra, ontologicamente, a dignidade humana (JOÃO PAULO II apud MORA CALVO, 2004).

Dignidade (do latim dignitas) significa decoro, qualidade superior, nobreza, excelência. Esta consiste numa certa intuição que o homem tem de si próprio, pelo reconhecimento de seu ser, “como alguém que merece respeito, protagonista de uma história única, singular, irrepetível, insubstituível” (OVALLE PINZÓN, 2009, p.24, tradução nossa).

“A pessoa humana é digna pelo mero fato de ser um indivíduo da espécie humana” (GARCÍA CUADRADO, 2003, p.138, tradução nossa). Portanto, só pelo fato de pertencer à natureza humana, todo homem, em qualquer situação que se encontre, é em si mesmo digno e merecedor de respeito. A esse propósito, Mejía (2008, p.32, tradução nossa) acrescenta: “O respeito comporta não o distanciamento das outras pessoas por temor de ofendê-las ou fazer-lhes mal, mas o assumir a dignidade própria que essa pessoa possui, independentemente de sua idade, sexo, condição social, raça ou cultura”.

Assim sendo, pelo fato de serem homens, participam todos dos mesmos direitos: direito à vida, à honra, a condições de existência suficientes, ao trabalho, a uma família, etc.; e tudo o que atenta contra esses direitos é contrário à dignidade humana (CORRÊA DE OLIVEIRA, 2002, p.71).

Todavia, é necessário ressaltar que a dignidade nos foi dada pelo fato de sermos humanos, por termos inteligência, vontade e liberdade, e não por características particulares, méritos ou circunstâncias que rodeiam a cada um. Sobre isto, afirma Mora Calvo (2004, p.91, tradução nossa), comentando o Papa João Paulo II:

A dignidade humana vem de Deus, de sermos suas criaturas, e esta se aperfeiçoa e atualiza, e assim se corrobora na construção que esta criatura faz de um mundo cada vez mais digno e justo, cada vez mais proporcional e adequado a essa semelhança natural e transcendente de quem o confere tão elevada dignidade.

Assim, demonstrado, notamos que não importa ser escravo ou livre, jovem ou ancião, doente, pobre ou rico, ou de qualquer raça que seja. O que importa é o ser humano tomar consciência de sua dignidade, é ele mesmo ser digno. Concluímos com as lúcidas palavras do Professor Plinio Corrêa de Oliveira (1966, s.p.), que eleva a pessoa humana ao verdadeiro lugar que deve ocupar:

Quando o homem inteligente toma conta de sua dignidade intrínseca do ser e mostra-se, pelo seu livre-arbítrio, à altura de sua bondade de ser inteligente, racional e livre, então ele adquire uma elevação que não é comparativa a nada, mas deduzida de sua própria natureza, de seu próprio ser. Assim, o mais ínfimo dos homens, consciente do que é ser homem, e mais ainda, do que é ser cristão, e um bom cristão, pode elevar-se a uma verdadeira majestade moral.