A elevação da mente a Deus!

Ir Lays Gonçalves de Sousa, EP

Santo_Inacio_Antioquia

A multidão esperava delirante o momento do sangrento espetáculo. Vaias e escárnios ressoavam por aquele imenso edifício, o qual se tornaria túmulo e altar de glória de tantos bem-aventurados. Já se podiam contemplar os brutos animais, prontos para irromperem na arena e darem vazão aos instintos de sua voraz natureza. Porém, tais irrisões em nada perturbavam a paz de alma que acompanhava o zeloso pregador de Jesus Cristo, Santo Inácio de Antioquia. Nem o aparente fracasso diante dos homens, nem o rugir das feras famintas poderiam amedrontar ou diminuir os ardores de entusiasmo que inflamavam seu nobre coração. À agitação e ansiedade sucedeu um silêncio e grande suspense na turba pagã. As bestas avançavam velozmente, prontas para devorar o venerável ancião, quando um gesto de mão, de incomparável majestade, as deteve a meio caminho. Que teria sucedido? O homem de Deus desejava, antes de consumar seu holocausto e chegar ao termo de seus anelos, dirigir aos céus uma última e fervorosa oração. Tal era a convicção de ser atendido que estancou mesmo os leões devoradores. Embora almejasse ser triturado como trigo para ser oferecido como hóstia pura, pedia a Deus que atendesse aos rogos dos cristãos em fazer permanecer algo daquele doloroso martírio, a fim de estimular-lhes a fé. Finalmente, com gesto ainda mais decidido, o Santo deu ordem às feras, que em poucos segundos dilaceraram as carnes daquele novo Serafim.

Ao analisar o transcorrer dos séculos, quão belo é constatar a soma incalculável de almas que se destacaram como arquétipos de virtude e heroísmo! Quem não se enche de entusiasmo ao deparar-se com o garbo fogoso dos mártires, as austeridades dos anacoretas, o ímpeto evangelizador dos missionários, a sabedoria irresistível dos Doutores, a simplicidade e pureza das virgens e a astúcia e valentia daqueles que combatem pela Santa Igreja?

Realmente, não podem passar despercebidos varões e damas que ultrapassaram a fragilidade da natureza humana decaída pela culpa original, fazendo de suas vidas o alicerce onde, mais tarde, tantas almas buscariam o apoio para a prática do bem, tornando-se alvo de admiração e espetáculo tanto para os homens como para os Anjos.

“Um braço semelhante ao de Deus, e uma voz troante como a dele” (Jó 40,4): bem podemos aplicar esta passagem da Escritura ao episódio narrado acima. De fato, para submeter a ferocidade de uma natureza desprovida de inteligência e imperar sobre ela quando se deseja, é fundamental possuir uma vontade férrea intimamente unida ao Criador.

Sem Mim nada podeis fazer

No entanto, devido à tendência natural ao orgulho, somos levados a julgar que o homem possui uma vontade suficientemente vigorosa para, sozinho, galgar o píncaro da santidade. Nada, porém, nos seria possível sem um contínuo auxílio da Providência, pois, como proclamou Nosso Senhor, sem Ele, absolutamente nada de bom podemos fazer (cf. Jo 15, 5). Qual homem nunca sentiu o peso esmagador de suas misérias e infortúnios? Por mais orgulhosos que possamos ser, é impossível não admitir que tenhamos falhado na realização de nossos bons propósitos ou, ainda, de nossas simples obrigações.

Quando meditamos sobre a Santa Ceia e repassamos as palavras de Jesus: ‘Sem Mim nada podeis fazer’ (Jo 15, 5), quiçá não meçamos a extensão desse “nada”, e o sentido estrito em que deve ser entendido. […] Sob o influxo da graça, começa a secar-se o pântano do erro e tornamo-nos capazes de dirigir nossas ações conforme os critérios mais nobres, porque eles passam a nos apetecer mais que as solicitações inferiores. Nasce a força para cumprir os bons propósitos, aquietam-se as paixões, a fomes peccati deixa de ser avassaladora e se estabelece uma harmonia semelhante à que possuía nosso pai Adão no Paraíso. 1

Assim, “se tivermos a graça de praticar um ato bom, devemos imediatamente reportá-lo ao Criador, restituindo-Lhe os méritos, pois estes Lhe pertencem, e não a nós. ‘Quem se gloria, glorie-se no Senhor’ (I Cor 1, 31), adverte-nos o Apóstolo”.2

Constantemente devemos nos dirigir a Nosso Redentor com a mais profunda e sincera humildade, como nos ensina Mons. João Scognamiglio Clá Dias: “Ó meu Jesus, sem Vós nada posso fazer, meus méritos são nulos; minha inteligência, turva; minha vontade, enferma; meus sentimentos, enlouquecidos. […] Em união convosco sou capaz das mais ousadas virtudes, minha alma voa. Vós sois a fonte de todo bem existente em mim”. 3

Referindo-se à nossa incapacidade natural para o exercício ininterrupto da virtude, atesta São Tomás de Aquino:

No estado de corrupção, o homem falha naquilo que lhe é possível pela sua natureza, a tal ponto que ele não pode mais por suas forças naturais realizar totalmente o bem proporcionado à sua natureza. Entretanto, o pecado não corrompeu totalmente a natureza humana a ponto de privá-la de todo o bem que lhe é natural. […] Ele [o homem] parece um enfermo que pode ainda executar sozinho alguns movimentos, mas não pode mover-se perfeitamente como alguém em boa saúde, enquanto não obtiver a cura com a ajuda da medicina.4

Essa medicina, da qual todos necessitam, encontra-se no relacionamento com Deus. Adão gozava no Paraíso de altíssimos colóquios com o Criador, os quais cessaram após a terrível desobediência. Contudo, estaria este relacionamento encerrado para sempre? Teria o Divino Artífice apartado o rosto de Sua obra-prima? Não! Sendo Deus a Suma Bondade, concedeu-nos o unguento sobrenatural e infalível de estarmos constantemente amparados pela sua presença: a oração!

Estando, porém, as obras humanas tisnadas pelo pecado, nossas súplicas possuem desprezível valor. É preciso, portanto, depositá-las numa preciosa bandeja de ouro, a fim de serem oferecidas a Deus. Quem seria capaz de, apenas com um sorriso afável, conquistar a benevolência do Altíssimo entregando-lhe míseras orações e comprando-nos os favores desejados? “Maria Santíssima é a única capaz de exercer esta função admirável”.5 De fato, Ela é o grampo de ouro que une Nosso Senhor Jesus Cristo a toda criação. 6

1 SEQUEIRA, Joshua Alexander. No coração do homem, a inscrição de Deus. Arautos do Evangelho. São Paulo, n. 109, jan. 2011. p. 22.
2 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O centro deve estar sempre ocupado por Deus. Arautos do Evangelho. São Paulo, n. 98, fev. 2010, p. 16.
3 Id. Via Sacra. São Paulo: Associação Nossa Senhora de Fátima, 2011, p. 6.
4 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q. 109, a. 2, resp. (Para as citações da Suma Teológica, neste trabalho será sempre utilizada a tradução das Edições Loyola
5 SÃO BERNARDO, apud SÃO LUÍS GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. 33. ed. Petrópolis: Vozes, [S. d.] n. 85. p. 90.
6 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio apud CLÁ DIAS. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição comentado.2. ed. São Paulo: Associação Católica Nossa Senhora de Fátima, 2010. v. I.p. 79.

One response to “A elevação da mente a Deus!”

  1. Carlos Rogério disse:

    Salve Maria!
    Os santos são proposto pela Santa Igreja para nós imitarmos, são pessoas essenciais que a graça de Deus, suscita, favorece, guia, leva até o instante da vida, na perfeição do comprimento da virtude para que os outros conheçam e imitem também. O santo está no céu e foi provado pelo estudo de sua vida e pela analise de sua vida e seus escritos e proclamado depois pelos seus milagres, ele foi heroico nas virtudes teologias da fé esperança e da caridade, heroico nas quatro virtudes cardeais e por ter sido heroico nessas sete virtudes foi heroico nas demais.
    Isso assim posto nós compreendemos bem a importância que há em se conhecer a verdadeira fisionomia dos santos.

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