A luz primordial

Emilly Schnorr

Cada homem foi chamado a contemplar a Deus e a refletir suas perfeições de um modo próprio e característico. Segundo o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, este chamado melhor se expressa no conceito de “luz primordial”.1

No que consiste esta luz? “Todo homem nasceu para louvar a Deus. Esse louvor se faz pela contemplação de certas verdades, virtudes e perfeições divinas. A ‘luz primordial’ é a aspiração existente na alma de cada pessoa para contemplar a Deus de um modo próprio”.2

Esta contemplação, por sua vez, se traduz numa virtude específica que a alma deve espelhar. “A ‘luz primordial’, portanto, é a virtude dominante que uma alma é chamada a refletir, imprimindo nas demais sua tonalidade particular. Em outras palavras, seria o pórtico pelo qual uma pessoa entra, para depois amar todas as perfeições de Deus”.3

Porém, deve-se considerar a luz primordial enquanto abarcando todas as outras virtudes. O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira combatia muito os erros dos que a julgavam independente e isolada das demais:

A “luz primordial” é sempre um complexo de virtudes, como o cavalheirismo, por exemplo, que não consiste apenas na justiça ou na fortaleza, mas compreende as outras virtudes: é um determinado modo de prudência, de justiça, etc. A “luz primordial” é um complexo de virtudes ordenadas e coordenadas entre si, conforme um princípio fundamental.4

Quando a pessoa consegue discernir sua “luz primordial”, descobre a virtude que dará unicidade a seu chamado; como se fosse um raio a brilhar em sua vida, indicando o norte para o qual ela melhor alcançará a Deus. “Conforme afirma Dr. Plinio, no momento em que a pessoa chega a explicitá-la para si mesma, encontra sua via de santificação e, nela, a paz interior”.5

Santa Teresinha do Menino Jesus foi um exemplo claro nesse ponto. De acordo com o que ela mesma narra, ansiava por ser apóstolo, mártir, sacerdote, guerreiro, profeta e doutor6. Mas como ela conciliaria tantas aspirações aparentemente contraditórias?

Tomando em consideração o corpo místico da Igreja, não me identificava em nenhum dos membros descritos por São Paulo, por outra, queria identificar-me em todos eles. A caridade deu-me a chave de minha vocação. Compreendi que se a Igreja tinha corpo, composto de vários membros, não lhe faltava o mais necessário, o mais nobre de todos. Compreendi que a Igreja tinha coração, e que o coração era ardente de amor. Compreendi que só o amor fazia os membros da Igreja atuarem, e que se o amor se extinguisse, os Apóstolos já não anunciariam o Evangelho e os Mártires se recusariam a derramar seu sangue… Compreendi que o amor abrange todas as vocações, alcançando todos os tempos e todos os lugares… Numa palavra, é eterno…7

Foi, portanto, na consideração do amor misericordioso que esta santa encontrou a chave de sua vocação específica e o fundamento da “Pequena Via” por ela iniciada.

Erroneamente podemos pensar que a “luz primordial” é reservada aos santos. Ao contrário, por ser ela um dom de Deus, foi concedida a todos os homens para habilitá-los a refletir as perfeições divinas. Ou seja, desde aquele indivíduo menos agraciado até no mais dotado que possa existir na História da Humanidade, ela estará presente.

Mons. João Clá tece um brilhante comentário a esse respeito:

À maneira de um ponto na superfície de um espelho, cada pessoa recebe do Sol de Justiça um raio de luz sobrenatural ímpar. E somente ela pode e o deve refletir cada vez mais nesta vida, até espelhá-lo sem defeito na eternidade. Assim, esse conceito pode ser aplicado à afirmação do salmista: “in lumine tuo videbimus lumen” – “na tua luz veremos a Luz” (Sl 36, 10).8

Daí resulta que cada alma tem um matiz irrepetível, que a torna, em algum ponto, superior a todas as outras.

________________________________________
[1] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Amor a Deus e “luz primordial”: Palestra. São Paulo, 15 abr. 1988. (Arquivo IFTE).
[2] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. “Luz primordial” e discernimento. In: Revista Dr. Plinio. São Paulo: Retornarei, n. 54, set. 2002. p. 4. (Editorial).
[3] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Op. cit. p. 310-311.
[4] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A “luz primordial” e as potências da alma, apud CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Op. cit. p. 311.
[5] Ibid. p. 312.
[6] Cf. SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS. Op. cit. p. 211.
[7] Ibid. p. 213.
[8] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Op. cit. p. 312.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *