Cantemos sobretudo com o coração

Ir Juliana Montanari, EP

Segundo as pesquisas científicas, escutar uma boa música pode melhorar a saúde. Muitos, porém, desconhecem o benefício que uma boa música traz às almas. Por isso, convidamos você – bombardeado todos os dias pela poluição sonora de buzinas, carros e máquinas – a parar um instante e a escutar esta bela música, que talvez lhe seja desconhecida, oposta a qualquer agitação e que nos transporta para um outro mundo…

Caro leitor, não rejeite esta oportunidade pensando: “não tenho tempo” ou “tenho mais o que fazer”, ou ainda: “há coisas mais interessantes para ver”, pois estes minutos podem mudar a sua vida! Ponha de lado, por alguns instantes, os rotineiros problemas e interesses de que se compõe a vida. Paremos um minuto; ou melhor, seis minutos para ouvir uma celestial melodia!

Ave Maria,Virgo Serena

Ave Maria, cheia de garça, o Senhor é convosco, Virgem Serena. Ave, ó Vós, cuja conceição, repleta de solene alegria, enche os céus e a terra de nova felicidade. Ave, ó Vós, cujo nascimento foi solenidade e luz que se eleva qual tocha luminosa, anunciando o verdadeiro sol. Ave, santa humildade, que deu fruto sem varão, e cuja anunciação foi nossa salvação. Ave, verdadeira virgindade e imaculada castidade, cuja purificação foi nossa justificação. Ave, primeira entre todas as virtudes angélicas, cuja assunção nos glorificou. Ó Mãe de Deus, lembrai-vos de mim. Amém.

Notamos que o autor desta canção, Josquin des Prés, grande músico da polifonia vocal dos primórdios do Renascimento, ao compô-la, não se inspirou na natureza ou na antropologia, ou em contos de fantasia ou de aventura, mas sim no que há de mais alto na vida humana que é a relação do homem com Deus. Certamente guiado pelo Espírito Santo, o autor louva a Mãe de Deus nesta música, começando com a saudação que mais agrada à Rainha do Universo: “Ave Maria gratia plena Dominus tecum”: Ave Maria, cheia de graça o Senhor é convosco. E em seguida, exalta a Excelsa Soberana com um título que caracteriza sua música. Qual seria o título? Ave Maria, Rainha da Criação? Não. Ave Maria, Medianeira de todas as graças? Tampouco. Ave Maria, Estrela do Mar? Todos estes títulos cabem a Nossa Senhora, mas o autor se dirige a Ela como Virgem Serena. Daí o título da música: Ave Maria, Virgo Serena.

O compositor delineia a música em forma de louvor à Santíssima Virgem e termina com um pedido. Ora, quando uma criança quer um presente de aniversário, ela pede primeiro a quem: à mãe ou ao pai? Geralmente, a criança pede para a mãe pedir ao pai que lhe compre aquilo que deseja, pois, sabe ela que o pai nada negará ao pedido de sua mãe. Assim somos nós em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo. É por meio de Maria que obtemos todas as graças necessárias à nossa salvação.

Analisando o ritmo da música, observamos que não é acelerado, causando a impressão de pressa ou agitação; não tem contratempos. Não é demasiado lento, aparentando moleza, mas tem uma contagem de tempo: 4/4, e sua dinâmica, interpretada pelo regente, faz com que os ouvintes sejam levados da terra à Eternidade já nos seus primeiros compassos. Se nos fosse dado escutar o coro dos anjos, louvando no céu sua excelsa Rainha, diríamos que cantariam uma música semelhante a esta; cada um procurando ressaltar a voz do próximo, ecoando a voz do que já foi cantado. Muito diferente de uma apresentação atual, onde uma multidão grita sem parar; ninguém compreende o que dizem, imperando o berro do mais forte! Nesta música não. A clareza com que são ditas as palavras, o aumento e diminuição de volume em cada voz para destacar as palavras-chaves da música que se aplicam à Nossa Senhora como: Cheia de graça, Imaculada castidade e Mãe de Deus constituem o auge da composição que, no seu decorrer, resplandecem como fogos de artifício.

A certa altura da música, muito discretamente, a contagem do tempo passa a ser 3/4 na seguinte frase: “Ave, vera virginitas, immaculata cástitas, cuius purificatio nostra fuit purgátio “: Ave, verdadeira virgindade e imaculada castidade, cuja purificação foi a nossa justificação. E, em seguida, retoma a contagem de tempo anterior. Por que o compositor quis mudar a contagem do tempo no meio da música? Não seria melhor ter mantido o mesmo compasso na música inteira? O compositor quis destacar esta frase porque resume a música inteira e usou da mudança de compasso para isso.

Disso podemos tirar uma sábia lição para nós! O Espírito Santo nada faz por acaso. Muitas vezes, acontece que, em determinado momento de nossa vida, tudo parece mudar bruscamente, e, como um pequeno barco no meio de uma tempestade, sentimos que iremos perecer. No entanto, quando menos esperamos, as nuvens se afastam, as ondas acalmam-se e o sol volta a brilhar!

A composição é cantada a quatro vozes, formando uma verdadeira harmonia de sons; ou seja, as notas cantadas simultaneamente combinam entre si, formando os acordes. Deste modo, a melodia cantada pela primeira e terceira voz é cantada igualmente em seguida pela segunda e quarta. Isto é feito de maneira tão suave que quase não distingue quando uma terminou e a outra começou, até chegar o momento em que todas as vozes cantam juntas. Isto nos mostra realidades que muitas vezes não analisamos, talvez por estarmos acostumados a julgar as situações com superficialidade.

Em primeito lugar, está presente a hierarquia. O autor não coloca todas as vozes começando juntas. Cada uma surge no lugar que lhe corresponde, exercendo o seu próprio papel, não querendo destruir quem está acima delas, que, no caso, seriam os tenores. Pelo contrário, as vozes baixas querem exaltar as vozes que lhe estão acima e se submetem a elas.

Em segundo, a ordem refulge na sequência da música. Uma introdução apresenta o tema a ser tratado: a Ave Maria. Segue-se o desenvolvimento; aquilo que o autor quis colocar como essência – Ave, verdadeira virgindade e imaculada castidade cuja purificação foi a nossa justificação. E, por fim, uma súplica a Nossa Senhora: Ó Mãe de Deus, lembrai-vos de mim!

Constata-se, em seguida, a harmonia. O autor não coloca trechos dissonantes, todas as notas consonam e se completam. Bem diferente das músicas modernas que, do início ao fim, mantém a mesma melodia e o mesmo ritmo acelerado, usando gírias e palavras de pouco valor e muitas vezes sem significado para quem as escuta.

Unamo-nos ao autor e cantemos não só com os lábios, mas com o coração esta súplica a Nossa Senhora: “Ó Mãe de Deus, lembrai-Vos de mim!”. É evidente que Nossa Senhora jamais se esquece de um filho seu, por menor que ele seja, desprezado e esquecido pelo mundo. Pedindo a Ela que se lembre de nós é o mesmo que dizer: Ó Senhora, não se esqueça deste pequenino filho que necessita em tudo de Vós. Seja para mim a Luz que ilumina o meu caminho, o guia que me conduz a Deus, a proteção contra todos os inimigos visíveis e invisíveis, a razão da minha vida e de minha existência, e me possa conduzir, segundo a Vossa misericórdia, ao Reino dos Céus para, junto a Vós, cantar as glórias de Deus. Amém.

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